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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Damares erra dados sobre mortes de bebês indígenas e Comissão da Anistia

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Lucas Borges Teixeira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/08/2019 04h01

A ministra Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), tocou mais uma vez em temas polêmicos, como ditadura militar e povos indígenas, em uma entrevista ao programa Impressões, da TV Brasil, que foi ao ar na última terça-feira (6).

Damares, que já participou de missões de assistência a povos indígenas quando era pastora, diz ver com cuidado a questão do infanticídio indígena porque há cerca de 1.500 assassinatos de crianças em aldeias por ano no Brasil.

Ela também falou sobre a Comissão de Anistia e questionou um pedido de ex-cabos da FAB (Força Aérea Brasileira), cuja indenização chegaria a R$ 7 bilhões. O UOL Confere checou as afirmações. Veja a seguir:

Infanticídio indígena

Nós temos uma estimativa, isso não é oficial, inclusive a gente tá criando agora uma notificação, que mais de 1500 crianças são assassinadas por ano nas aldeias do Brasil.
Ministra Damares Alves

IMPRECISO: Não é possível especificar o número de infanticídios indígenas

O infanticídio indígena é uma prática relatada em diferentes aldeias no Brasil por motivos diversos. Por outro lado, pesquisadores da área afirmam que não é possível precisar seu número e que 1.500 é um "exagero absurdo", pois a prática tem sido reduzida.

"Hoje, há poucos casos, em povos com menos tempo de contato ou sem contato [com a sociedade]. Mas ninguém presencia isso, o que ouvimos são relatos. É uma coisa da mãe, escondida. Logo, se isso acontece, não entra como registro estatístico, não tem como computar precisamente", afirma o bioeticista Saulo Feitosa, coordenador do Núcleo de Ciências da Vida da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) em Caruaru.

"Qual seria a metodologia que nos forneceria este dado? Etnografia. E nós não conhecemos dados em que algum etnógrafo registrou isso", complementa Feitosa, que conviveu por anos com povos indígenas de diferentes regiões do país.

Além de considerar a dificuldade de registro, a antropóloga Marta Rosa Amoroso, coordenadora do Centro de Estudos Ameríndios da USP (Universidade de São Paulo), diz que Damares usou um número exagerado.

"A última pesquisa que nós temos, fornecida pelo Ministério da Saúde em 2014, apontava para cerca de 40 casos de infanticídio no ano", relata. "A ministra, cada vez que fala sobre isso, aumenta um pouco: já ouvi ela falar que eram 400, 500... E agora é 1.500. É um absurdo. Não sei de onde ela tirou estes números."

O UOL perguntou ao MMFDH de onde os números foram tirados, mas não teve resposta até o fechamento da matéria.

29.jan.2019 - Mas os indígenas da tribo Pataxó Hã-hã-hãe não são os únicos que tiveram o consumo de água e o sustento prejudicado pelo rompimento da barragem. Moradores de várias cidades cuja água para consumo vem do Paraopeba também estão sentido os efeitos da tragédia - Adriano Machado/Reuters - Adriano Machado/Reuters
29.jan.2019 - Indígenas da tribo Pataxó Hã-hã-hãe
Imagem: Adriano Machado/Reuters

Índios com necessidades especiais

Você já viu um índio em cadeira de rodas? Índio com Síndrome de Down? Você nunca se perguntou se todos eles nascem sem deficiência física ou mental? Esse questionamento eu tenho feito com o Brasil há vinte anos. Eu descobri, há vinte anos, que alguns povos do Brasil matam crianças com deficiência.
Ministra Damares Alves

FALSO: há índios com diferentes tipos de necessidades especiais em aldeias

"Essa pergunta dela é fácil de responder. Eu conheço muitos, porque já andei muito pelas aldeias indígenas de todas as regiões do país. Adultos e crianças com deficiência auditiva, com dificuldade de andar e várias outras", afirma Feitosa.

"Na minha experiência com os Mura na Amazônia, conheço diversos [índios com necessidades especiais] que convivem muito bem na aldeia", corrobora Amoroso. "Em casos especiais, professores e médicos vão até as casas deles, ajudarem na educação e saúde. Hoje, há essa assistência."

Segundo os pesquisadores, a possibilidade de assistência médica é o ponto crucial nesta questão. "Lá atrás, quando a criança nascia com uma deficiência que eles julgavam que não sobreviveria, ela era, de fato, abandonada. Era uma decisão ética, pois ela não sobreviveria na floresta. Com a chegada do Estado, tudo mudou. Muitas doenças se tornaram tratáveis", explica Feitosa.

"Nenhuma aldeia vai abandonar suas crianças. Não é uma questão de maldade. É preciso lembrar que estas aldeias não tinham ideia do 'nosso mundo', eles agiam de acordo com o que tinham. Se não tinha possibilidade de sobrevivência, isso [infanticídio] acontecia. Como pode acontecer - não sabemos - em povos que até hoje estão isolados", completa Amoroso. "Ela trata a questão como uma pastora, não como uma ministra de Estado."

Cabos da FAB na Comissão da Anistia

Apenas um segmento que eu quero de revisão, os cabos da FAB. Você sabia que o maior valor que está empenhado para pagar é dos cabos da FAB? Em torno de 2.500 cabos se sentiram prejudicados com mudanças dentro da FAB, de uma portaria e entraram dentro da comissão. Mais de R$ 7 bilhões para esses cabos da FAB.
Ministra Damares Alves

EXAGERADO: ex-cabos da FAB estão pedindo R$ 3 bilhões

O caso relatado pela ministra é real, porém o valor foi mais do que dobrado. De acordo com o MMFDH, os cerca de 2.500 militares citados por Damares tiveram o pedido aprovado em R$ 3 bilhões - e não R$ 7 bilhões.

Como ela relatou na entrevista, existe, no entanto, uma suspeita por parte do ministério sobre a real perseguição política deste grupo durante a ditadura militar.

Devido a uma mudança de critério de permanência dos militares na ativa durante o regime (soldado: 4 anos e cabo: 8 anos), o ministério suspeita que, "por motivo de conclusão de tempo de serviço, não haveria indícios suficientes de que eles teriam sofrido atos de perseguição política". Por isso Damares quer fazer uma revisão destes pedidos especificamente.

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