Ao falar de covid-19, Bolsonaro volta a usar dados sem comprovação
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a dar declarações sem comprovação científica sobre a pandemia da covid-19 e como combater a doença. Em entrevista na manhã desta terça-feira (7), que confirmou ter testado positivo para o novo coronavírus, o presidente seguiu defendendo o uso de medicamentos sem eficácia comprovada e contradisse dados do próprio governo.
O UOL Confere checou algumas das suas falas. Veja a seguir:
O Supremo Tribunal Federal [STF] decidiu que essas medidas de isolamento ou não, entre outras, seriam privativas de governadores e prefeitos. O presidente da República basicamente passou a ser um órgão que repassava dinheiro, recursos, para estados e municípios."
STF não alterou competência da Saúde, definida constitucionalmente
O presidente fez uma interpretação errada da decisão do STF. No início de abril, o Supremo determinou que estados e municípios têm autonomia para adotar ou não medidas de isolamento social, mas não tornou as competências da área da Saúde de forma privativa para os entes.
De acordo com o constitucionalista Flávio de Leão Bastos, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o Supremo seguiu o que manda a Constituição Federal, que determina, no Artigo 23, que saúde é "competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios".
"Isso significa que não houve - nem nunca haverá - uma decisão que coloca a saúde como competência privativa, que, juridicamente, é aquela que cabe a apenas um dos entes, podendo ser delegada. A saúde é de competência comum, onde todos são responsáveis. O que o Supremo fez foi apenas detalhar como a competência de cada órgão deve funcionar harmonicamente", explica o constitucionalista.
Eu achava até que já tivesse contraído e não percebido. Como a maioria da população brasileira contrai o vírus e não percebe o problema, a contaminação." [...] "A grande maioria da população, uma vez contaminada, ela não toma conhecimento. Não sente absolutamente nada."
Estudos não indicam maioria de assintomáticos entre infectados
Ainda não há uma certeza científica sobre o número de assintomáticos, mas não há nenhuma publicação que aponte que a maioria dos infectados não sente "absolutamente nada".
O estudo mais recente, publicado no periódico científico Nature na semana passada, estima os assintomáticos em 40%. Segundo a pesquisa, realizada com 3.200 pessoas no norte da Itália, todos infectados apresentavam cargas virais semelhantes, com sintomas ou não.
O infectologista Evaldo Stanislau, pesquisador do Hospital das Clínicas, em São Paulo, estima percentual semelhante. Ele alerta que a maioria dos infectados, na verdade, sente sintomas leves ou moderados, mas "de maneira alguma" sintoma nenhum.
"A literatura estima que de 80% a 85% dos infectados apresentarão nenhum sintoma, pouco sintomas ou no máximo sintomas moderados. [O número preciso de] assintomáticos ainda está em aberto, mas estima-se por volta de 30% - nunca a maioria", afirma o infectologista.
O número de óbitos tem aumentado muito por outras causas, não pelo vírus, mas sim pelo medo do vírus. O pânico também mata."
Covid-19 tem sido determinante para aumento de óbitos no Brasil em 2020
Não é verdade que o número de óbitos tem aumentado no Brasil sem considerar o coronavírus. Mortes diretamente relacionadas à Covid-19 são o diferencial para estabelecer o aumento neste ano em relação a 2019. Sem ela, número de óbitos chega a cair.
Do dia 16 de março, quando houve a primeira morte oficial por Covid no Brasil, até o final de junho, o país registrou 382.260 óbitos, 37.597 mortes a mais do que o mesmo período no ano passado. Deste total, no entanto, 59 mil se devem à covid-19.
Se considerar apenas os óbitos não ligados a doenças respiratórias, como insuficiência respiratória ou pneumonia, o número caiu neste período: de 192 mil mortes em 2019 para 189 mil em 2020. Os dados são do CRC Nacional (Central Nacional de Informações do Registro Civil).
Além disso, de acordo com dados do próprio Ministério da Saúde, desde abril, a covid-19 superou câncer e enfarte e se tornou a principal causa de mortes diárias no país.
A hidroxicloroquina, na fase inicial, a chance de sucesso chega por volta de 100%."
Não há comprovação científica da eficácia da hidroxicloroquina
Apesar de o presidente dizer que se sente melhor pelo uso de hidroxicloroquina não há garantias científicas acerca do sucesso do uso do remédio na fase inicial da doença. Na verdade, uso é contraindicado por órgãos internacionais.
Na semana passada, a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou definitivamente o medicamento de seus testes. Segundo o órgão, estas drogas "produzem pouca ou nenhuma redução na mortalidade de pacientes internados na covid-19 quando comparados ao padrão de atendimento".
Segundo Stanislau, infectologista do HC, não há "nenhum estudo sério" que indique eficiência. "Ao contrário, o que existe na literatura científica, mostrado com clareza, é que ela pode ter efeitos adversos graves, levando até a morte", alerta.
Em junho, a agência que regulamenta uso de medicamentos nos Estados Unidos, FDA, também revogou o uso do medicamento de forma oral para tratamento da covid-19.
O vírus se dá melhor em climas mais frios."
Vírus sobrevive mais em temperaturas menores
O presidente acertou ao falar que o novo coronavírus, como outros vírus, se comporta melhor em temperaturas mais baixas. Isso não significa, no entanto, que ele não se propague sob altas temperaturas.
"Ele se adapta melhor, sobrevive mais, em temperaturas mais baixas. Tanto que, quando coletamos, colocamos a amostra em geladeira. Mas não é a temperatura ambiente que vai fazer ele se disseminar mais ou menos, como vimos em Manaus e Belém, que, com altas temperaturas, tiveram muitos casos", afirma a infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas.
As pessoas abaixo de 40 anos de idade, a não ser que tenha algum problema de saúde sério, a chance é próxima a zero de sofrer, ter as consequências maiores da contaminação."
Casos graves em decorrência da covid-19 abaixo dos 40 anos passaram de 15 mil no Brasil
Embora o número de óbitos de pacientes com covid-19 abaixo dos 40 anos esteja por volta de 1% do total, isso não significa que jovens tenham chance "próxima a zero" de chegarem ao estado grave.
De acordo com o Ministério da Saúde, até o dia 27 de junho, 15.634 pacientes de até 39 anos foram hospitalizados com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em decorrência da covid-19. Isso significa pouco mais de 10% do total de internados. Destes, 2.185 faleceram.
Em março, quando o número de casos começou a escalar no Brasil, o UOL já havia mostrado que quase 50% dos casos graves no Brasil estavam abaixo dos 50 anos. À época, a infectologista Naihma Fontana já havia alertado para o perigo dos jovens hospitalizados. "Essa coisa de que jovem não vai ter problema [com o vírus] é uma ilusão, não representa a realidade dos nossos hospitais", declarou.
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