Vídeo tira falas de Lula de contexto para dizer que ele mente
Um vídeo que circula nas redes sociais usa partes de um pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e exibe recortes de matérias para afirmar que o presidente mentiu.
A publicação, no entanto, omite trechos de contextos da fala do presidente e desinforma.
O UOL Confere considera distorcido conteúdos que usam informações verdadeiras em contexto diferente do original, alterando seu significado de modo a enganar e confundir quem os recebe.
O que diz o post
O vídeo recorta trechos do discurso de Lula do dia 28 de julho e exibe as falas intercaladas com recortes de matérias publicadas em sites jornalísticos. Nesses momentos, o post exibe um selo escrito "mentira" e uma charge de Lula com uma referência a um nariz de Pinóquio.
O conteúdo é compartilhado com a seguinte introdução: "O rei das fake news: quantas mentiras há nesse vídeo?".
Por que é distorcido
As falas foram recortadas omitindo o contexto. A íntegra do pronunciamento do presidente Lula em cadeia nacional no dia 28 de julho de 2024 está disponível no site do Planalto (leia aqui) e também no Youtube. O discurso tem 7 minutos. Confira abaixo:
O vídeo recorta e supostamente verifica 8 trechos de falas do presidente Lula.
Trechos 1 e 2 omitem que ele se referia ao fim do 2º mandato, em 2010. A frase completa é: "Quando terminei o segundo mandato, há 14 anos, a economia crescia 7,5%. A geração de empregos, o salário e a renda das famílias aumentavam, e a inflação caía". Mas, para supostamente contrapor o que Lula disse, o vídeo exibe matérias com datas de março e janeiro de 2024, respectivamente.
Trecho 3: dados citados por Lula sobre gestão Bolsonaro são verdadeiros. A frase completa é: "Deixaram a maior taxa de juros do planeta. A inflação disparou e atingiu 8,25%". O Brasil saiu da liderança do ranking de maior taxa de juros do mundo, onde estava desde agosto de 2022 (aqui), para o segundo lugar em 2023 (aqui). A inflação chegou a 10% no governo Bolsonaro, em 2021 (aqui). O valor citado por Lula é próximo ao acumulado de 12 meses em junho de 2021, como noticiado pela Folha de S. Paulo (aqui): 8,35%. O recorte, porém, usa uma matéria do UOL de junho de 2024 com o título "Brasil tem a segunda maior taxa de juros e 15ª inflação mais alta do mundo" para enganar.
Trecho 4: o governo Lula de fato herdou uma dívida. A frase completa é: "Antes mesmo de começarmos a governar, tivemos que buscar os recursos para cobrir o rombo bilionário deixado pelo governo anterior". Para contrapor, o vídeo mostra uma matéria do jornal Gazeta do Povo de janeiro de 2023 com o título "Bolsonaro fecha contas do governo com superávit de 54 bilhões, após 8 anos de déficit". O que é verdade, no entanto, o governo Lula herdou uma dívida de R$ 255,2 bilhões de Restos A Pagar (RAPs) deixados pelo governo anterior (leia aqui).
Trecho 5 não desmente que PIB cresceu 2,9% em 2023. A frase completa é: "Apostavam que o crescimento do PIB não passaria de 0,8%, mas crescemos quase 3% no ano passado, e vamos continuar crescendo". Para contrapor, o vídeo usa uma matéria da Revista Oeste, de julho deste ano, com o título "Dívida pública do Brasil atinge 77,8% do PIB em junho, diz Banco Central". Isso, no entanto, não desmente que o PIB cresceu 2,9% em 2023, o que é verdade.
Trecho 6: Saúde sofreu corte, mas novos remédios estão disponíveis. A frase completa: "Reforçamos o SUS. A Farmácia Popular está de volta, e agora com novos remédios de graça". O vídeo editado usa uma matéria da Folha de S. Paulo de abril (aqui) com o título "Governo corta mais de R$ 4 bilhões da Saúde, Educação e Ciência e Tecnologia" para contrapor a fala de Lula. O Farmácia Popular realmente foi afetado pela medida (aqui). Segundo o jornal, o programa perdeu cerca de 20% dos recursos para medicamentos com desconto. A justificativa do corte foi a de adequar o Orçamento às regras do novo arcabouço fiscal. Mais cortes estão previstos para 2025, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso. Em relação aos medicamentos, de fato, em julho, novos remédios gratuitos foram incorporados ao programa, como disse o presidente (aqui).
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Quero receberTrecho 7: dado citado por Lula está correto no contexto original. A frase completa é: "A proteção do Meio Ambiente voltou a ser prioridade, e reduzimos em 52% o desmatamento na Amazônia". O post usa uma matéria da CNN Brasil de junho deste ano com o título "Brasil bate recorde de queimadas no primeiro semestre de 2024, diz estudo" para contestar a fala. Contudo, omite o trecho seguinte em que Lula cita o percentual da redução de desmatamento na Amazônia. O dado citado por Lula está correto. Segundo o Inpe, entre agosto de 2023 e junho de 2024, houve uma queda de 52,3% no desmatamento na Amazônia em comparação ao mesmo período do ano anterior (laqui). O estudo citado na matéria da CNN Brasil inclui todos os biomas do país (aqui) e analisa a ocorrência de queimadas, não desmatamento. São momentos diferentes (aqui). Sobre a Amazônia, a matéria afirma que, em 2024, o aumento das queimadas ocorre depois de dois anos consecutivos de queda no desmatamento (aqui).
Trecho 8: post omite fala e referência não permite contexto. A frase completa é: "Não abrirei mão da responsabilidade fiscal. Entre as muitas lições de vida que recebi de minha mãe, dona Lindu, aprendi a não gastar mais do que ganho. É essa responsabilidade que está nos permitindo ajudar a população do Rio Grande do Sul com recursos federais. Aprovamos uma reforma tributária que vai descomplicar a economia e reduzir o preço dos alimentos e produtos essenciais, inclusive a carne". O post omite trecho em que Lula usa o auxílio do governo federal à população do RS e a reforma tributária como exemplos. E, para contrapor a fala sobre responsabilidade fiscal, mostra uma matéria do site Poder 360, de maio deste ano, com o título "Rombo fiscal bate recorde e atinge R$ 1,043 trilhão em abril". A notícia usada não permite contexto. Segundo o especialista consultado pelo UOL Confere, Samuel Durso (UFMG), a comparação entre a fala do presidente e a notícia (aqui) não é correta, porque o rombo fiscal citado, além de se referir a todo o setor público (incluindo União, estados, municípios e estatais), também carrega heranças de períodos passados. "Dentro da informação do site há coisas de governos anteriores", explica o economista. "Esses dados são agregados por 12 meses, contemplam diversas ações que o governo fez no ano passado e que decorrem do governo anterior, inclusive pagamentos de precatórios."
Viralização. No Instagram, um post do conteúdo desinformativo registrava mais de 200 mil reproduções e mais de 11 mil curtidas.
Este conteúdo também foi checado por Estadão Verifica.
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