Topo

Ceagesp completa 40 anos com histórias que misturam ditadura e avanço econômico

Rodrigo Bertolotto<br/>Do UOL Notícias<br/>Em São Paulo

31/05/2009 07h14

"Eu vim para São Paulo fazer um curso de eletrônica na rua Santa Ifigênia, mas não tinha vaga. Penhorei um relógio, peguei o ônibus e consegui um emprego de carregador de alimentos aqui. Mas antes tive que arrancar três dentes porque tinha cárie e o patrão não queria. Era 29 de junho de 1965. Não sai mais daqui. E sinto falta quando não venho." José Shinkawa, 64, conta sua vida rodeado por caixas de frutas.
 

FLORES DE PASSADO

  • Divulgação/Ceagesp

    Transferida da praça Charles Miller, a feira de fruta se instala em 1967 no Ceasa, na zona oeste

  • Fernando Cavalcanti/UOL

    Carregador amarra carrinho com buquês de flores na tradicional feira que acontece terças e sextas

As frutas ajudam a contar a história da Ceagesp, central de abastecimento e armazenamento que completa 40 anos de existência neste domingo 31 de maio. "Quando cheguei aqui só tinha três tipos de fruta: abacaxi, banana e laranja. Hoje tem mais de 150 variedades. E não existe mais frutas da estação. É fruta o ano todo, mas o sabor se perdeu. Não é o mesmo paladar afinado de antes", relata, antes de mostrar a novidade no seu box: a groselha do Ceilão.

Ele abre uma caixa e oferece o camo camo, fruto amazônico rico em vitamina C. "Quero comercializar também o abacaxi em gomos, mas o produtor está muito mole", conversa. Ele conta que já introduziu no Brasil sementes e mudas de grutas com a carambola doce da Coréia, a Atemóia do Chile ou a papaia do Havaí.

"Isso aqui era um brejo. O ônibus era lerdo e demorava três horas para chegar ao centro. Eu era um caipirão danado. Era lavrador em Suzano. Mas com meu trabalho aqui pude fazer meus filhos fazerem faculdade. O problema é que eles acham o trabalho daqui uma escravidão, trabalhando das 6h às 19h. Vou ter que passar meu box para um funcionário", relata o permissionário, como se chamam os donos dos locais.

De carregador, Shinkawa virou vendedor e foi melhorando na vida. "O trabalho é essencialmente o mesmo. Só o celular e o rádio que aceleraram o contato com os fornecedores e compradores. A gente até acorda o pessoal para oferecer nossos produtos."

Para ele, a única coisa que devia mudar é a situação dos 5.000 carregadores que trabalham no local que reúne diariamente 50 mil pessoas e 10 mil caminhões, sendo a maior central de abastecimento da América Latina. "É desumano. Devia ser algo mecanizado, mas é uma forma de dar emprego."

Ele conta que pelo menos os carregadores estão mais civilizados. "Eles pareciam uns jagunços. Era pior que uma selva. A qualquer encontrão, já puxavam a peixeira. Eles passavam por cima do pé das pessoas e ainda reclamavam. Hoje pedem até desculpa. Isso agora está o céu", ironiza.

O ano de 1969 viu surgir a Ceagesp, o milésimo gol de Pelé e o homem pisando na lua. Mas também vivia a realidade da ditadura militar. "A gente não podia fazer uma rodinha para conversar que um soldado vinha para afastar. Só aceitavam três pessoas juntas se fossem dois clientes e o vendedor. E ai de quem retrucasse: ia preso", relata Shinkawa.

Outro veterano lembra outra passagem do regime militar (1964-1985). "Qualquer aumento de preço dos alimentos, o [então governador Paulo] Maluf vinha me chamar de maior atravessador do Estado e que a culpa era minha. Tudo porque o secretário de Agricultura dele, o Afif Domingos, quis aumentar o aluguel aqui e nós não deixamos. Houve muita pressão e perseguição. Fiquei algumas noites sem dormir", conta Mario Benassi que chegou nessa porção paulistana em 1966, quando o lampião iluminava a venda noturna e não havia o que comer que não fosse os produtos que vendia, principalmente a uva de sua Jundiaí natal.
 

CONSUMIDORES E PEDINTES

  • Divulgação/Ceagesp

    Em 1979, o público se aglomera atrás dos preços baixos e dos bons produtos comprados no atacado

  • Fernando Cavalcanti/UOL

    Menina ganha chuchus de vendedor do entreposto, que tem como figuras comuns os pedintes

Ele conta que a ação política acabou extinguindo até uma das marcas registradas da Ceagesp: a tradicional sopa de cebola do restaurante Ceasa. Era o alimento dos boêmios paulistanos em um período em que não havia serviços de alimentação 24 horas como existem atualmente nas grandes cidades.

Houve duas ou três tentativas de ressuscitar o quitute das madrugadas, mas não deu certo. "Tenho tanta saudade que faço em casa, fervendo a cebola e o alho, colocando azeite e misu e batendo no liquidificador. Peguei a receita com os cozinheiros do Michel", afirma Benassi, com uma ponta de dor.

Neste dia 31 de maio, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo promove intensa atividade para comemorar os 40 anos de história, com uma grande festa aberta ao público (veja programação abaixo). A programação inclui missa de abertura, ato solene e lançamento do carimbo e selo comemorativo dos Correios.

A Ceagesp surgiu em 1969 a partir da fusão de duas empresas mantidas até então pelo Governo do Estado de São Paulo: o Centro Estadual de Abastecimento (Ceasa) e a Companhia de Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Cagesp), que já existiam no mesmo terreno inicialmente.

Atualmente, a empresa administra uma rede de 34 unidades armazenadoras e 13 entrepostos atacadistas, que asseguram o abastecimento de mais de 60% da Grande São Paulo, além de grande parte do Estado. Desde 1997, a Companhia está vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

A rede de armazenagem tem capacidade para estocar, simultaneamente, mais de um milhão de toneladas de produtos agrícolas, sendo a maior do Estado de São Paulo e uma das maiores do Brasil.

A história
A história da Ceagesp começou nove anos antes da fusão. No início da década de 1960, o ritmo de crescimento de São Paulo indicava a necessidade de se criar um entreposto atacadista de distribuição de alimentos capaz de atender a população do Estado. Enquanto era desenvolvido um projeto e avançavam as obras para a construção do Centro Estadual de Abastecimento - o Ceasa, numa área de charco na Vila Leopoldina, zona oeste da capital paulista, a administração do entreposto funcionava num escritório, na rua 15 de Novembro, no centro da cidade, com uma única funcionária.
 

Horários dos varejos

Varejãosábados das 6h às 12h30, e domingos, das 7h às 13h
Varejão noturnoquartas, das 16h às 22h
Feira de floresterças e sextas, das 5h às 10h30

Uma enchente no Mercado Municipal, pólo de comercialização de hortaliças desde 1933, precipitou a inauguração da nova central de abastecimento, numa área 17 vezes maior que o antigo mercado.

Ainda incompleto, o Ceasa começou a operar em março de 1966. Na época, até o comércio de flores foi levado da praça Charles Miller, no bairro do Pacaembu, para lá.

Em 1977, com a duplicação do pavilhão MLP - Mercado Livre do Produtor, a Ceagesp bateu o recorde de comercialização com 6,2 mil toneladas, superando o então maior mercado do mundo em volume de comercialização, o francês Paris-Rungis.

Hoje, o entreposto comercializa anualmente mais de 3 milhões de toneladas de produtos vindos de 1.495 municípios de São Paulo, 23 Estados e 18 países e movimenta mais de R$ 3,8 bilhões por ano. Diariamente, passam pelas portarias do entreposto 10 mil toneladas de frutas, verduras, legumes, pescados e flores, 50 mil pessoas e 10 mil veículos.

Programação de hoje

9h - missa

10h - lançamento do selo e carimbo comemorativo

11h - coral juvenil da Escola Municipal de Música

12h - show da Física (Instituto de Física da USP)

13h - orquestra da Escola Municipal de Música

14h - show da banda Negritude Junior