"Não adianta lembrar das enchentes em SP só no verão", adverte especialista da USP
Chuva forte, alagamentos, trânsito parado -- em casos extremos, deslizamentos e até mortes. Essas cenas cada vez menos raras do verão paulistano dificilmente vão deixar de se repetir, a cada reedição da estação, se o poder público não investir em sistemas de prevenção e alerta que integrem governo, sociedade e Defesa Civil -- mas em trabalho contínuo ao longo do ano, não apenas nos meses críticos de chuva, como o período novembro-fevereiro.
A avaliação é do professor Augusto José Pereira Filho, titular da disciplina de hidrometeorologia no Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica (IAG) e Ciências Atmosféricas da USP (Universidade de São Paulo). Em entrevista ao UOL Notícias, o pesquisador citou um estudo que comandou pelo IAG nas temperaturas da região metropolitana de São Paulo entre os anos de 1936 a 2005 e no qual se constatou aumento de 2,1º C na temperatura média anual da cidade, no período. Na década de 1930, por exemplo, as temperaturas médias no inverno e verão paulistanos estavam na casa dos 16ºC e 24ºC, respectivamente -- valores que, no ano de 2005, chegaram a pouco mais de 18ºC e 26ºC, em cada uma das estações.
São Paulo registra em 2011 um alagamento a cada 36 horas
O estudo verificou ainda um aumento médio de 395mm no volume de chuva anual acumulado no período, mas, frisou o pesquisador, sem uma linearidade nesse crescimento. "Há uma tendência de se avançar nesses valores, mas historicamente há anos que chovem mais ou menos que outros", disse. O levantamento constatou, por fim, uma diminuição acumulada de cerca de 7% na umidade relativa do ar a partir da década de 1960 até os anos 2000.
De acordo com Pereira Filho, no entanto, é a falta de soluções à impermeabilização do solo -- uma das consequências de urbanização mal planejada, defende -- e de medidas estruturais mitigadoras dos efeitos das tempestades, via sistemas de alerta, o fator decisivo para uma média de enchentes que ele assegura ser alta na capital paulista: 20, nos últimos anos, tais como as verificadas nos dois dias mais chuvosos do mês passado, domingo (27) e segunda-feira (28).
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Veja, a seguir, a entrevista concedida pelo pesquisador.
UOL Notícias - O aumento de 2,1ºC na temperatura verificado pelo estudo do IAG influencia no cenário de fortes chuvas e alagamentos frequentes?
Augusto José Pereira Filho - Os pontos que sempre alagam merecem um trabalho mais refinado, uma atuação imediata por meio de ações como drenagens e piscinões, por exemplo. Mas desde 1986 vejo essas enchentes se repetirem, e é sempre a mesma coisa: como acontecem mais no início do ano, no verão, é como se nos meses restantes as pessoas se esquecessem do problema e fossem lembrá-lo só nas chuvas de setembro, outubro. Por isso, há que se trabalhar também nos sistemas de prevenção e de alerta e de implementação de áreas verdes: o crescimento da cidade sempre foi muito desordenado, do centro para a periferia, e o plano diretor precisa reavaliar isso. Sistemas de monitoramento bem equipados vão dar essa previsão de curtíssimo prazo que pode salvar vidas, desde que haja essa comunicação com antecedência entre sociedade, Defesa Civil e governo. Muitas pessoas poderiam ter sido salvas, por exemplo, se alerta e comunicação tivessem funcionado bem na região serrana do Rio, em janeiro passado [mais de 900 pessoas morreram em inundações e soterramentos]; muitos ali foram pegos de surpresa. E como em São Paulo temos tido uma média alta de 20 grandes enchentes no ano, todos precisam saber quais seus papéis e o que fazer em uma situação de emergência. É onde entra a educação ambiental.
UOL Notícias - O senhor fala em educação ambiental e em medidas estruturais. Nesse sentido, que parcela de responsabilidade cabe também ao cidadão comum?
Pereira Filho - O cidadão tem sua responsabilidade, certamente. Mas veja só: domingo passado (27), eu estava na rua com minha família, perto da Consolação (centro), e vi que quando começou o temporal muita gente se deslocou de carro rumo à avenida Henrique Schaumann, que é justamente onde alaga. Se há um sistema de informação eficiente, as pessoas evitam áreas como essa. No Rio, ano passado, em uma grande enchente em abril, ouvi de uma atriz que durante a subida da água o certo, para ela, era deixar o carro no local e enfrentar a água suja, contaminada da enchente. Isso é errado, mas mostra que mesmo quem tem acesso a mais informação não está informado adequadamente. E em uma situação agravada pela situação de não cidadania, ou de cidadania desprezada e desprezada pelos outros -- no trânsito mesmo se vê isso, na falta respeito de uns com os outros --, o cenário não muda. Isso tudo não deixar de ser fruto de políticas públicas que faltaram no passado, as gerações minha e anteriores têm essa dificuldade de entender o assunto. Só que as novas gerações precisam ser educadas nesse conceito do ambientalmente correto.
UOL Notícias - De imediato, que ações podem contribuir para reversão da quantidade de enchentes?
Pereira Filho - O homem afeta o clima, e tudo o que decorre disso, tais como as enchentes, se passa como se o ambiente nos alertasse da necessidade de mudança. Enquanto não se pensar nas ações -- de um modo geral, não apenas as pontuais – de forna contínua, o problema vai persistir. São Paulo perde muito dinheiro com as enchentes, mas não adianta o poder público deixar o assunto cair no esquecimento uma vez passado o verão. É sempre a mesma ladainha. A cidade tem enchentes desde o século 16, ainda na Vila de Piratininga, mas jamais 20, no ano, nem nada que se compare à dos últimos dias -- eu nunca tinha visto nada igual. Enquanto houver desinteresse pelas questões ambientais, árvores forem tiradas para a ocupação do solo e as pessoas se apossarem desses espaços sem lugar para o verde -- a gente vê preocupação com piscina nas construções, mas não com jardins --, o quadro não vai mudar.
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