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STF decide que ato por legalização de drogas é liberdade de expressão e libera Marcha da Maconha

Fábio Brandt<br>Do UOL Notícias

Em Brasília

15/06/2011 20h33Atualizada em 16/06/2011 01h14

Confira trechos do julgamento

Os oito ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que participaram do julgamento desta quarta-feira (15) foram unânimes em liberar as manifestações pela legalização das drogas, como a Marcha da Maconha, no Brasil. Eles consideraram que as manifestações são um exercício da liberdade de expressão e não apologia ao crime, como argumentavam juízes que já proibiram a marcha anteriormente.

O relator do caso, ministro Celso de Mello, afirmou que a manifestação pública não pode ser confundida com crime previsto no Código Penal. “Marcha da Maconha é expressão concreta do exercício legítimo da liberdade de reunião”, afirmou.

Estava em debate uma ação em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) pedia a liberação das manifestações. Votaram junto com o relator os ministros Luiz Fux, Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Ellen Gracie, Marco Aurélio e o presidente do tribunal, Cezar Peluso. Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes faltaram à sessão. Dias Toffolli se declarou impedido de votar.

Para se definir a favor da Marcha da Maconha, o ministro Celso de Mello considerou que a Constituição "assegura a todos o direito de livremente externar suas posições, ainda que em franca oposição à vontade de grupos majoritários”. Mello também classificou como “insuprimível” o direito dos cidadãos de protestarem, de se reunirem e de emitirem opinião em público, desde que pacificamente.

Ele culpou decisões desencontradas adotadas pela Justiça em diferentes cidades do país pela violência usada pela polícia contra manifestantes. “O Estado deve proteger os participantes [de reuniões garantidas pela Constituição] de tentativas de agressão por parte oficial ou não.”

Segundo o relator, é livre a todos a associação e a manifestação de pensamento sem uso de armas, seja qual for o assunto. Ele citou o caso do grupo musical Planet Hemp, que chegou a ser preso por causa de letras de músicas que citavam a maconha. “[A atuação policial neste caso] é uma intromissão brutal na  produção intelectual e artística”, declarou o ministro.

Em seu voto, Luiz Fux observou que a organização deve avisar as autoridades públicas da data e hora de realização da marcha com antecedência. Além disso, Fux disse que, para estar dentro da lei, o ato deve ser pacífico e sem armas, não pode incentivar o uso de entorpecentes e, de modo algum, deve ter participantes consumindo drogas durante sua realização. 

Ao defender seu voto, Cármem Lúcia se disse integralmente de acordo com o voto do relator. Ela lembrou do período da ditadura militar (1964-1985) em que reuniões públicas eram proibidas e reprimidas e afirmou que a democracia “é generosa exatamente porque [nela] há liberdade de pensamentos”. 

O ministro Ricardo Lewandowiski, que também seguiu o relator, afirmou: "Entendo que não é lícito coibir qualquer manifestação a respeito de uma droga lícita ou ilícita".

Para o ministro Ayres Britto, nenhuma lei, nem penal, “pode se blindar quanto à discussão de seu conteúdo. Não está livre da discussão sobre seus defeitos e suas virtudes”. O ministro ainda brincou, dirigindo-se ao relator: “Se me permite o trocadilho, a liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade”.

O ministro Marco Aurélio subscreveu o voto do relator, ressaltando que o fez “sem manifestação jocosa alguma”. Para ele, a opinião só é relacionada a crime em situações como incitação do ódio racial ou da guerra. “Os brasileiros não suportam mais falsos protecionismos, cujo único resultado é o atraso”, afirmou.

Entenda o caso

A discussão sobre a Marcha da Maconha chegou ao STF em junho de 2009, quando a vice-procuradora-geral da República Deborah Duprat ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187. Na ação, a procuradora indica que a proibição judicial das marchas a favor da maconha e de outros entorpecentes têm sido baseada em interpretação errada do Código Penal. Segundo ela é “equivocado” dizer que a realização das manifestações constitui “apologia ao crime”.

A Marcha da Maconha já foi proibida pela Justiça em diversas capitais com este argumento. Somente no mês passado, a marcha foi vetada em Brasília (DF), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR), além da cidade de Campinas (SP).

Em algumas localidades, após a proibição, a marcha foi transformada em ato pela liberdade de expressão. Em São Paulo, o ato terminou em confronto de manifestantes com a polícia.

Fernando Henrique

Duprat defendeu sua tese, presencialmente, no início do julgamento do STF desta quarta-feira (15). Ela citou o ex-presidente Fernando Henrique (PSDB) para defender a liberação da Marcha da Maconha pelo STF.

“O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso esteve em um programa de ampla divulgação defendendo a liberação das drogas leves. Além disso, fez e atuou num filme com esse objeto. Esse ex-presidente está fazendo apologia ao crime?”, questionou a procuradora.

Celso de Mello também recordou as manifestações do ex-presidente favoráveis à legalização das drogas leves para justificar sua contrariedade à repressão da Marcha da Maconha.

Ausências

Dos 11 ministros do STF, dois faltaram à sessão: Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes. A assessoria do STF afirma não saber o motivo da falta de Joaquim Barbosa. Já Gilmar Mendes faltou porque está em missão oficial.

O ministro Dias Toffolli não acompanha o julgamento no plenário e deve se declarar impedido de votar –quando a ação foi ajuizada, em 2009, ele era Advogado-Geral da União, cargo que representa a Presidência da República, e se manifestou pela improcedência do pedido da PGR na ação.

Uso medicinal

A Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso de Psicoativos (Abesup) tentou incluir no julgamento a permissão do plantio doméstico da maconha e uso com fins médicos e religiosos. O relator do caso, ministro Celso de Mello, descartou a inclusão do tema na discussão. Mas deixou claro que a discussão pode ser feita pelo tribunal em outras situações.

Para o advogado da Abesusp, Mauro Machado, o posicionamento do ministro Celso de Mello é positivo para quem defende o uso medicinal dos entorpecentes. Segundo ele, o ministro “sinalizou a tendência de que, se o tribunal for suscitado sobre este tema, pode se manifestar favoravelmente”.

O ministro Ricardo Lewandowiski, em seu voto, retomou o tema, dizendo que o debate sobre o uso medicinal das drogas é necessário. “O que é droga? Aquilo que é considerado droga hoje, poderá não mais vir a sê-lo no futuro”, disse. Ele citou como exemplo as drogas moderadoras de apetite, que “hoje [são] objeto de intensíssimo debate nos meios médicos”.

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