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Desafio de promotora é convencer jurados de que Lindemberg teve intenção de matar, diz jurista

Débora Melo

Do UOL, em Santo André (SP)

16/02/2012 08h42Atualizada em 16/02/2012 09h34

No quarto e, espera-se, último dia de julgamento Lindemberg Alves, o desafio da promotora Daniela Hashimoto será o de convencer os jurados de que o réu teve intenção de matar Eloá Pimentel. Essa é a opinião do jurista e professor de direito Luiz Flavio Gomes, que assistiu ao interrogatório de Lindemberg ontem.

O réu manteve a ex-namorada Eloá em cativeiro durante mais de cem horas em 2008, no apartamento da família dela em Santo André (Grande SP), e o cárcere privado terminou com a morte da jovem.

"A promotora vai ter que provar que ele tinha intenção de matar pelo menos Eloá", disse. Para ele, o réu, que foi interrogado durante mais de cinco horas, não foi instruído. "Um depoimento instruído se sustenta por meia hora. Ele foi totalmente bem articulado nas palavras, foi firme. O fato de ele ter confessado alguns crimes pode ter impressionado os jurados. Ele disse 'estou na cadeia pagando pelo que fiz', mas disse também que não teve intenção de matar. Isso gera dúvida nos jurados", analisa Gomes.

Para o jurista, a promotora terá que se valer das transcrições das gravações feitas durante as negociações entre Lindemberg e a polícia. Em uma delas --lida pela promotora ontem-- ele diz "vou matar as duas [Eloá e Nayara Rodrigues, amiga da vítima] e vou me matar". Ao ser questionado pela promotora, Lindemberg disse que tudo não passava de "blefe".

O jurista disse acreditar que Lindemberg poderá  pegar de 30 a 40 anos de prisão.

Ele não se arrependeu, diz advogado

Ao chegar ao fórum de Santo André hoje, o advogado José Beraldo, assistente de acusação, afirmou que Lindemberg premeditou o crime. “Vamos mostrar que o passado dele não é bom e que ele sequer teve um momento de arrependimento”.

O advogado afirmou que a perícia mostrou que o tiro que matou a jovem foi de execução, de cima para baixo e a poucos centímetros de distância. “Foi um tiro na cabeça de Eloá e um na parte íntima [virilha] dela. Típico de um animal”, afirmou.

Segundo Beraldo, o réu foi ao apartamento de Eloá, que estava com amigos, por ciúmes, porque achava que eles estavam “namorando”. Mas, que ao chegar lá, percebu que estavam fazendo um trabalho da escola.

Beraldo também disse não acreditar no pedido de desculpas feito por Lindemberg ontem. “Aquele pedido de perdão foi uma ameaça, foi um recado [à família de Eloá]. Uma ameaça que fala: ‘Perdeu? Pode perder mais”, declarou.

Terceiro dia

O terceiro dia do julgamento de Lindemberg foi quase totalmente dedicado ao depoimento do réu, que falou pela primeira vez sobre o caso. Ele ficou mais de cinco horas respondendo a perguntas da juíza e da acusação. Já os questionamentos da defesa duraram cerca de dez minutos.

Lindemberg confessou que atirou em Eloá, mas negou que tenha planejado a morte da vítima. Também negou que tenha disparado contra um policial que participava das negociações e que tenha feito os amigos de Eloá reféns --eles teriam ficado por opção, segundo Lindemberg. No começou de seu depoimento, o réu pediu perdão à mãe de Eloá.

O réu é acusado de cometer 12 crimes, entre eles homicídio duplamente qualificado por motivo torpe (contra Eloá), tentativa de homicídio (contra Nayara Rodrigues, amiga de Eloá, e contra o sargento Atos Valeriano, que participou das negociações), cárcere privado e disparos de arma de fogo. Ele assumiu que atirou em Eloá, mas apenas após a ação policial. "Quando a polícia invadiu, a Eloá fez menção de levantar e eu, sem pensar, atirei [contra ela]. Foi tudo muito rápido. Pensei que ela fosse pegar minha arma", afirmou. A fala contraria a versão dos policiais, que alegam ter invadido o local apenas quando ouviram um disparo.

Sobre o tiro que acertou Nayara, Lindemberg  disse não se lembrar. "Não posso dizer se atirei ou não na Nayara. Eu não me lembro."

Lindemberg também negou que já estivesse planejando atirar em Eloá, como relataram diversas testemunhas nos dois primeiros dias do julgamento. "Muita coisa que eu disse foi blefe para manter a polícia longe do local", disse. "Eu estava muito nervoso e tomei atitudes impensadas. Atirei para o chão para manter a polícia longe do apartamento."

O réu disse ainda que chegou a encarar o cárcere como uma "brincadeira". "Infelizmente foi uma vida que se foi, mas em alguns momentos levamos aquela situação como se fosse uma brincadeira", disse. Após o depoimento, a sessão foi suspensa.

Os dias de cárcere

Lindemberg afirmou que entrou no apartamento apenas para conversar com Eloá, com quem manteve um relacionamento amoroso por dois anos e três meses. Segundo ele, eles haviam retomado o namoro cinco ou seis dias antes, mas os pais dela ainda não sabiam. "A Eloá ficou assustada ao me ver", relembrou.

Veja frases de Lindemberg

Quero pedir perdão para a mãe dela em público

Quando a polícia invadiu, a Eloá fez menção de levantar e eu, sem pensar, atirei

Quando a polícia chegou, fiquei apavorado. Não sabia o que fazer

Eu estava muito nervoso e tomei atitudes impensadas. Atirei para o chão para manter a polícia longe do apartamento

Eu não vim aqui para dar show, para comover ninguém

O réu alega que foi surpreendido com a presença dos amigos dela no apartamento quando ele chegou ao local e que só estava armado porque estaria recebendo ameaças. "Estava armado pois dias antes recebi ameaças de morte pelo telefone. Era para garantir minha segurança", declarou, sem dar detalhes. "Comprei o revólver de uma pessoa em um parque. Paguei R$ 700 por ela", falou sobre a arma do crime.

"Mandei os três [amigos] saírem do apartamento pois eu queria conversar com ela sozinho. Mas eles se recusaram", disse, referindo-se a Nayara Rodrigues, Victor Lopes de Campos e Iago Oliveira, que estavam reunidos para fazer um trabalho de escola --todos foram feitos reféns no primeiro dia do cárcere.

Para Lindemberg, Eloá estaria o traindo com Victor. Ele então teria pedido para conversar com a vítima e ela teria gritado. "Puxei a arma para Eloá quando ela começou a gritar comigo, mentindo que ela não tinha ficado com o Victor", alegou. "Qualquer outra pessoa teria tido uma reação extrema. Eu fui muito calmo."

Ele afirmou ainda que ficou com medo da chegada da polícia. "Quando a polícia chegou, fiquei apavorado. Não sabia o que fazer", relatou. "Só não saímos pois tínhamos medo da reação da polícia". E completou: "Procurávamos nos distrair durante o tempo que ficamos no apartamento. Ouvíamos música e conversávamos bastante".

O réu reiterou que não confiava no trabalho da polícia. "Eu não tinha confiança na polícia, até pelo que aconteceu naquele ônibus do Rio de Janeiro [o sequestro do ônibus 174, em 2000, terminou com a morte de uma refém]. Então uma delas deu a ideia de que seria mais confiável falar com a imprensa do que com a polícia", afirmou, justificando o fato de ter dado entrevistas durante o cárcere. A advogada de Lindemberg, Ana Lúcia Assad, já deixou claro que a linha da defesa seria tentar mostrar que a imprensa e a ação da polícia também contribuíram para o fim trágico do caso.

3º dia de julgamento: Lindemberg admite que atirou em Eloá

Sobre os relatos das testemunhas de que Lindemberg teria batido em Eloá durante o cárcere, ele negou, dizendo que apenas a empurrou no sofá quando ela tentou pegar sua arma. Já sobre as manchas roxas vistas pelo corpo da vítima, ele minimizou: "Quando a Eloá ficava nervosa, apareciam manchas no corpo dela".

Ao responder ao advogado José Beraldo, assistente de acusação, porque ele não se emocionava ao falar de Eloá, o réu disse que não estava lá "para dar show, para comover ninguém".

Antes do réu, falou apenas uma testemunha: Paulo Sergio Schiavo, que hoje é primeiro-tenente da Polícia Militar, mas na época era agente do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) e comandou a operação de invasão do cárcere privado.

Segundo ele, quando ajudou a imobilizar Lindemberg após a invasão, o réu dizia “matei, matei”. “Ele disse, eufórico, que havia conseguido matá-la: ‘matei, matei’”, relembrou. Schiavo também reiterou que a polícia só invadiu o cativeiro quando ouviu um disparo.

Segundo dia

O segundo dia de julgamento teve como destaque a versão dos familiares da vítima sobre o caso. Os dois irmãos de Eloá prestaram depoimento nesta terça-feira (14). O primeiro foi Ronickson Pimentel, 24, o irmão mais velho. Ele afirmou que Lindemberg é "um monstro", embora sua família o tratasse como "um filho". “Ele é um monstro, é capaz de tudo”, afirmou Ronickson. A testemunha disse que o comportamento de Lindemberg na frente da família de Eloá era completamente diferente da sua postura na rua –geralmente uma pessoa briguenta, especialmente quando jogava futebol.

Ronickson se emocionou ao citar o impacto da morte de Eloá para o irmão mais novo, Everton Douglas, 17. “Meu irmão se fechou bastante. Acho que ele se sente um pouco culpado porque foi ele que apresentou Lindemberg para minha irmã. Eles eram amigos.”

Ao dar seu depoimento mais tarde, Everton confirmou que “infelizmente” era muito amigo de Lindemberg.

A mãe de Eloá, que foi arrolada como testemunha da defesa, chegou a entrar no plenário para depor, mas foi impedida pela advogada Ana Lúcia Assad, que voltou atrás e dispensou o depoimento.

No período em que esteve no plenário, Ana Cristina Pimentel encarou o réu. "Não vi arrependimento nele, ele não pediu perdão", afirmou depois aos jornalistas.

Também prestaram depoimento nesta terça outras testemunhas de defesa, entre elas dois jornalistas que fizeram a cobertura do caso.

Dois policiais que participaram das negociações para libertar Eloá também foram arrolados como testemunhas. O delegado Sérgio Luditza disse que os planos de resgate mudaram quando o réu disse a seguinte frase: “eu estou ouvindo um anjinho e um capetinha e o capetinha está vencendo".

Também prestou depoimento por cerca de 4 horas o agente do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) Adriano Giovanini. Ele disse que Lindemberg “espancava muito Eloá durante o cárcere”. De acordo com o agente, o réu anunciava constantemente que ia matar a jovem e cometer suicídio. Segundo Giovanini, um tiro disparado dentro do apartamento motivou a invasão do local.

O agente também foi questionado sobre a volta da outra refém, Nayara Rodrigues, ao cativeiro. “A volta da Nayara não foi planejada, foi um excesso de confiança na Nayara porque o Lindemberg tinha dito que se entregaria na presença dela e do irmão mais novo de Eloá”, alegou.

Primeiro dia

O primeiro dia de julgamento durou pouco mais de nove horas e foi encerrado às 20h de segunda-feira (13). As quatro testemunhas que prestaram depoimento confirmaram que Lindemberg fazia ameaças de morte durante o cárcere privado. O testemunho mais esperado do dia era o da amiga de Eloá, Nayara Rodrigues, que foi feita refém junto com a jovem. Nayara pediu que Lindemberg fosse retirado da sala enquanto ela falasse.

Outros dois amigos de Eloá, que também foram mantidos reféns, afirmaram que Lindemberg os ameaçava de morte. "Ele dizia que ia fazer uma besteira", disse Victor Lopes de Campos respondendo às perguntas da promotora Daniela Hashimoto. Já Iago Oliveira afirmou que "ele ameaçava a Eloá a toda hora, e dizia que ela não ia sair viva de lá: ou ele ia matar todo mundo e se matar, ou matar a Eloá e se matar".

O sargento Atos Antonio Valeriano, policial militar que iniciou o trabalho de negociação com Lindemberg, disse que o jovem estava nervoso e dizia que “ia matar os quatro” e depois ameaçava também se matar.

Entenda o caso

Lindemberg Fernandes Alves, então com 22 anos, invadiu o apartamento de sua ex-namorada Eloá Cristina Pimentel, 15, no segundo andar de um conjunto habitacional na periferia de Santo André, na Grande São Paulo, no dia 13 de outubro de 2008. Armado, ele fez reféns a ex-namorada e outros três amigos dela, que estavam reunidos para fazer um trabalho da escola.

Em mais de cem horas de tensão, Lindemberg chegou a libertar todos os amigos, mas Nayara Rodrigues acabou voltando ao cativeiro, no ponto mais polêmico da tragédia --a polícia, que trabalhava nas negociações, foi bastante criticada por ter permitido o retorno.

Em depoimento, Nayara afirmou que, após ter sido liberada, foi procurada por policiais que queriam que ela tentasse convencer Lindemberg a libertar Eloá pelo telefone. Então ela os acompanhou até o local do sequestro e foi orientada pelo rapaz ao celular a subir as escadas. Nayara disse que Lindemberg prometeu que os três desceriam juntos, mas, quando chegou à porta, viu que ele estava com a arma apontada para a cabeça de Eloá. Então, ele puxou Nayara para dentro do apartamento e não a libertou mais.

Mais tarde, policiais militares do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais) invadiram o apartamento, afirmando que ouviram um estampido do local. Em seguida, foram ouvidos mais tiros. Dois deles atingiram Eloá, um na cabeça e outro na virilha, e outro atingiu o nariz de Nayara. Eloá morreu horas depois. Lindemberg foi preso.