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STF deve analisar hoje legalidade de vara colegiada para julgar facções criminosas

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

08/03/2012 06h00

O STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar nesta quinta-feira (8) a ação do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) que pede a extinção da 17ª Vara Criminal da Capital, de Alagoas. Criada em abril de 2007, a vara é a única do país formada por um colegiado de juízes, que analisa apenas casos envolvendo facções criminosas.

Segundo a pauta de julgamentos do STF, o relator do processo, ministro Luiz Fux, deverá apresentar seu voto na sessão que tem início previsto para as 14h. Como outros 14 processos também estão na pauta desta quinta-feira, há também a possibilidade do julgamento ser adiado.

A 17ª Vara foi criada com objetivo de dar segurança aos magistrados que julgavam integrantes de facções criminosas, tirando o caráter individualista das sentenças. A medida foi elogiada em relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que considerou a iniciativa um dos melhores exemplos jurídicos dos últimos anos no Brasil. A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) também manifestou apoio à vara.

Segundo o Conselho Federal da OAB, a lei alagoana que criou a vara é questionável porque não haveria previsão legal para que um colegiado de juízes analisasse processos. A OAB alega ainda que a vara cria, indevidamente, uma tipificação criminal. Como a ação é contra a Assembleia Legislativa e o governo do Estado, a defesa da Vara no STF será feita pela PGE (Procuradoria Geral do Estado). O parecer da Procuradoria Geral da República foi a favor da constitucionalidade.

Caso o STF opte pela extinção, todas as dezenas de sentenças e mandados de prisão serão automaticamente extintos, e os processos terão que voltar às respectivas varas onde deveriam tramitar naturalmente.

Segundo o presidente da OAB em Alagoas, Omar Coelho de Melo, a ação de inconstitucionalidade tem como objetivo criar um debate sobre a legalidade da vara antes que os recursos cheguem ao STF –o que poderia resultar em anulações de processos no futuro. “Ninguém dentro da OAB é contra o combate ao crime organizado. Queremos a punição para todos os criminosos. Mas as questões constitucionais precisam ser resolvidas. O que a gente quer é evitar que processos julgados pela 17ª Vara venham, daqui a 10, 15 anos de tramitação, serem julgados inconstitucionais pelo próprio STF, o que pode gerar prescrições. Por isso a OAB resolveu questionar o caso”, disse.

Melo argumentou que a lei que criou a 17ª Vara Criminal não levou em conta princípios legais e precisa de uma chancela do STF. “Não existe no nosso sistema constitucional a possibilidade de uma vara de primeira instancia trabalhar coletivamente. Ela atinge a questão do juiz natural e cria a figura do ‘juiz sem rosto’”, afirmou, citando o modelo italiano onde os juízes que julgavam ações contra acusados de integrar a máfia não eram identificados.

Outro argumento da OAB é que a lei fere o regimento administrativo dos juízes. “Os juízes são nomeados em comissão, o que fere o princípio da inamovibilidade da magistratura --que diz que o juiz só sai de uma vara se quiser. Na 17ª Vara, eles passam dois anos e são reconduzidos ou não”, afirmou Melo.

A pedido do UOL, a PGE encaminhou parte da peça que argumenta pela legalidade da 17ª Vara e será apresentada durante o julgamento. “Alagoas é um Estado que comporta em si características especiais de violência. A realidade do ambiente implica a mudança de paradigmas. A necessidade da manutenção da 17ª Vara Criminal no nosso Estado não é apenas uma questão de observância à constitucionalidade, mas uma própria garantia de sobrevivência de magistrados e de enfrentamento da violência”, diz o documento.

A PGE ainda alega que a vara não criou uma tipificação penal, como denunciado. “O conceito de crime organizado, bem como o de organização criminosa, serve, só e tão só, para fixação de competência de juízo, tarefa, nas unidades federativas, das leis estaduais de organização judiciária. Não há, portanto, nem de longe, ofensa à competência privativa da União para criação de delitos.”

Sobre o colegiado, o argumento utilizado é de que ele é necessário para garantir a segurança dos magistrados. “A pluralidade é para proteção contra o crime organizado em Alagoas. Não seria possível uma vara contra o crime organizado composta por um só magistrado que viesse a enfrentar por anos, sozinho, o problema da criminalidade organizada em Alagoas.”

A vara

A ideia de criar uma vara colegiada em Alagoas surgiu após o avanço do crime organizado no Estado no início da década passada. O modelo, inédito no país, criou, em abril de 2007, um grupo formado por cinco juízes --nomeados a cada dois anos--, que analisa apenas ações contra facções criminosas.

Criador e coordenador do Núcleo de Combate ao Crime Organizado em 2006, que viria se tornar a 17ª Vara um ano depois, o juiz Diógenes Tenório afirmou ao UOL que a criação veio para dar segurança aos magistrados nas decisões contra grupos que aterrorizavam Alagoas. “O enfrentamento do crime organizado por um único juiz é algo muito difícil. Unidos, os magistrados têm mais capacidade de enfrentamento. Outro ponto importante é que, com a vara, você passou a dar a cada juiz uma tarefa específica”, explicou, afirmando que o modelo apresentou "excelentes resultados."

Após a ação, várias autoridades estaduais saíram em defesa da vara. O governador Teotonio Vilela Filho (PSDB) chegou a visitar, em julho de 2011, o ministro Luiz Fux para pedir o voto pela legalidade da vara. À época, Vilela argumentou que a extinção da vara seria um retrocesso no combate à violência e causaria grande prejuízo à população do Estado mais violento do país.

O procurador-geral de Justiça de Alagoas, Eduardo Tavares, também defendeu a manutenção da vara e disse que ela é fundamental para manter o combate ao crime organizado. “A 17ª Vara se revestiu de uma grande importância para o Estado. É evidente que ela deu certo, nos ajuda a combater a violência e faz escola --já que outros Estados querem montar vara semelhante. A vara não criou um tipo penal novo, como alegam, pois o crime organizado já existia. Ou seja, se há detalhes, devemos aprimorá-la, jamais extingui-la”, afirmou.