Análise: Revogação de aumento das tarifas demorou, mas mudou diálogo entre governos e sociedade
O anúncio da revogação do aumento das tarifas de transporte coletivo em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (19), demorou para acontecer, foi realizado em meio ao acirramento de protestos que comprometeram a dinâmica do cidadão, mas evitaram que movimentos como o do Passe Livre perdessem o controle da situação para grupos radicais.
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A avaliação é de cientistas políticos ouvidos pelo UOL após a medida ser anunciada no Rio pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), e, em São Paulo, pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) e pelo prefeito Fernando Haddad (PT).
Para o professor de sociologia e teoria política na faculdade Rio Branco Luís Antônio Vital Gabriel, a revogação, que passa a ser efetivamente válida a partir da próxima segunda-feira (24), aconteceu “só após a situação chegar a um ponto realmente muito perigoso”.
“Não podemos atribuir atos de vandalismo como o dessa terça ao MPL [Movimento Passe Livre], mas sem dúvida que a repercussão disso complicou a dinâmica da cidade”, disse. “E a pressão dos últimos dias mostrou que, como o movimento num todo não tem uma liderança clara, efetiva, fica difícil controlar atos de vandalismo que estavam se acirrando”, completou.
Na opinião do estudioso, o caso paulista antecipa o debate eleitoral pela sucessão no governo do Estado, uma vez que forças políticas opostas como PT e PSDB estiveram no centro da questão. Mais que isso, porém, ele defendeu, é preciso “encontrar um canal de diálogo claro entre os governos e a sociedade”.
“Esse movimento precisa ser estudado com mais cuidado, ainda não é algo claro para a sociedade. Mas como é apartidário e sem lideranças, no frigir dos ovos alguém terá que se sentar com o governador e o prefeito para tentar encontrar canal de comunicação permanente sobre propostas. É um novo momento de participação política”.
"Redução teria sido um marco após protestos de segunda"
Já o cientista político Fernando Abrucio, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), também defendeu que houve demora por parte dos governantes em responder aos movimentos sociais, mas classificou: “Antes tarde do que nunca. Acho que essa resposta os governantes deveriam ter dado pelo menos após a manifestação de segunda; ali teria sido um marco. Mas o fato de eles cederem mostra também que o governo ouve a sociedade. E quando consegue ouvir a voz das ruas, ganha mais legitimidade”, afirmou.
No ato de segunda, cerca de 250 mil protestaram em todo o país contra o aumento das tarifas de transporte. Só em São Paulo, segundo o instituto Datafolha, 65 mil pessoas foram às ruas em passeata pacífica.
Conforme o cientista político, a decisão também enfraquece “grupos radicais, eventualmente de extrema direita ou mesmo do crime organizado”, infiltrados em manifestações originariamente pacíficas. Na avaliação de Abrucio, o MPL “já não sabia mais como agir com esses grupos menores”.
“A tendência agora é que essas manifestações continuem ao longo do tempo. A principal causa foi aceita, os grupos radicais se enfraquecem, mas agora será mais difícil de a classe política conter essa mobilização”, aposta. “O que resta ser feito é se constituir um fórum para discutir a mobilidade urbana em São Paulo, Rio e no Brasil, e não só nas prefeituras e Estados como também no Congresso. E essas cidades geraram um efeito dominó, ou um efeito bola de neve, que tornou difícil não reduzir a tarifa. Mas financiamento de transporte público nas regiões metropolitanas é algo que precisa ser debatido –quem sabe isso tudo não foi o início de algo que venha a se institucionalizar?”, indagou.
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