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Tratamento inadequado do volume morto traz riscos; entenda

Fabiana Maranhão e Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

25/04/2014 06h00Atualizada em 29/04/2014 21h49

Alternativa para amenizar a crise no abastecimento de água que atinge o Estado de São Paulo, o volume morto traz riscos à saúde dos consumidores caso não seja tratado de forma adequada, de acordo com especialistas ouvidos pelo UOL.

O volume morto é a água que fica no fundo das represas, abaixo do nível de captação das comportas e que acumula sujeira, sedimentos e até metais pesados. A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) informa que o tratamento será o mesmo usado atualmente, "dentro dos rígidos padrões de qualidade seguidos pela Sabesp".

A Sabesp pretende retirar a partir do dia 15 de maio 200 bilhões de litros de água do volume morto do Sistema Cantareira, que tem 400 bilhões de litros de reserva.

Há pouco mais de um mês começaram a ser construídos canais e instaladas bombas para a retirada da água nas represas Atibainha, em Nazaré Paulista, e Jaguari/Jacareí, em Bragança Paulista. De acordo com a companhia, essa água será "suficiente" para abastecer a região até setembro.

Para Sílvia Regina Gobbo, professora de ecologia da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), o tratamento de água usado atualmente não consegue resolver os problemas dos metais pesados que podem estar acumulados no fundo dos reservatórios.

"O tratamento tradicional não elimina a contaminação por metais pesados, que são provenientes de indústrias de celulose, tecidos, tintas, solventes. Quando não fazem o tratamento adequado, liberam na água metais como mercúrio, chumbo e cádmio", disse. 

De acordo com Maria Aparecida Marin Morales, especialista em toxicologia ambiental do campus Rio Claro da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o volume morto exige um tratamento "mais delicado, sensível e com técnicas muito mais eficazes".

"Possivelmente, teria de se fazer um tratamento terciário da água, que é mais eficiente porque tira todos os contaminantes que estão na água, deixando-a mais isenta possível", disse.

Riscos à saúde

Na opinião do médico clínico Paulo Olzon, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), haverá sérios riscos para a saúde do consumidor caso o tratamento não elimine os metais pesados da água proveniente do volume morto.

O corpo humano, afirma Olzon, tem dificuldade para eliminar os metais. “A tendência é os metais pesados se depositarem nos tecidos do organismo”. Eles se acumulam em pontos como os rins, o fígado, o coração e o cérebro, e alteram as células e causam inflamações crônicas. 
 
Segundo ele, os metais pesados podem, por exemplo, provocar insuficiência renal, desequilibrar o sistema nervoso central, causar depressão ou aumentar a agressividade. E possuem “efeito de massa” quando há a presença de mais de um no organismo. “Um elemento aumenta a toxicidade do outro”, diz Olzon.
 
Ainda de acordo com o clínico, há o risco de os metais provocarem câncer, sobretudo no aparelho digestivo.
 

Danos ao meio ambiente

No último dia 10, o superintendente de Regulação da ANA (Agência Nacional de Águas), Rodrigo Flecha, demonstrou preocupação com os riscos ambientais que podem ser causados pelo uso do volume morto.

Sílvia Regina Gobbo alerta que a utilização dessa água pode provocar o esgotamento das bacias hidrográficas do Piracicaba, Capivari e Jundiaí, já que as represas do Sistema Cantareira estão nas cabeceiras desses rios.

Maria Aparecida Marin Morales chama a atenção para mudanças que vão ocorrer no ecossistema dos reservatórios, que podem comprometer o sistema e levar anos para ser recuperado.

"Na represa, existem organismos biodegradadores que estão ali depurando, fazendo a limpeza do sistema, minimizando os impactos dos poluentes. Se você tira [essa água], os impactos serão acentuados. E para recuperar a qualidade e a quantidade desses organismos leva muitos anos. Não dá nem para estimar", disse.