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'Vou me esconder na hora do jogo', diz símbolo dos protestos de 2013

Carlos Eduardo Cherem

Do UOL, em Belo Horizonte

04/07/2014 06h00

O juiz aposentado Sílvio de Albuquerque Mota, 69, foi um dos símbolos dos protestos de junho de 2013 ao enfrentar um batalhão de policiais militares durante manifestação antes de um jogo no Castelão, em Fortaleza.

Nesta sexta-feira (4), quando a seleção brasileira volta a jogar no estádio cearense, ele diz que não vai protestar. Na opinião dele, uma intensa propaganda da elite, um processo de folclorização das reivindicações e a força do futebol junto à população brasileira esvaziaram os protestos que, durante a Copa das Confederações, em 2013, reuniram milhares de pessoas e hoje juntam apenas algumas centenas, quando muito.

Em resumo, Dilma Rousseff perdeu um eleitor, e os protestos, ao menos um importante manifestante.

Ex-coordenador do Comitê pela Verdade, Memória e Justiça do Ceará e coordenador do núcleo cearense da Associação Juízes pela Democracia, ele se tornou capa do dia 28 de junho do ano passado no jornal norte-americano "The New York Times" com o registro diante da Tropa de Choque.

“Eu fui protestar. Eles me agrediram. Me levantei e fui tomar satisfações. Aquilo foi uma violação de tudo”, disse então naquele dia. Hoje, acha que "o pão e circo funcionaram". "Como os protestos não eram organizados por ninguém, não se repetiram. As elites brasileiras foram competentes no campo da propaganda”, afirmou Mota ao UOL

"Querer acabar com a Copa, como queriam esses meninos [jovens ativistas presentes nos protestos], é até engraçado. É a mesma coisa de querer acabar com o Carnaval. Vai contra as raízes culturais do povo brasileiro. Os protestos contra a Copa viraram uma coisa folclórica. Como 'não vai ter Copa'? Isso não existe”, diz.

Perguntado sobre a violência nos protestos e a participação de movimentos black blocs, o juiz ri. "Esse movimento dos black blocs tem de tudo. Eles estão infiltrados até na polícia.”

Quanto à violência, diz que é uma “tradição” em protestos políticos em qualquer lugar do mundo. “Em Fortaleza, por exemplo, os protestos de estudantes contra aumento dos preços das passagens de ônibus são chamados de 'quebra-quebra'. Já sabemos que vão terminar em tumultos”, afirmou.

Para Mota, apesar da situação atual de protestos esvaziados, eles vão voltar às ruas das cidades brasileiras. “O governo está jogando a poeira para debaixo do tapete. Os protestos vão voltar. Não sei de que modo nem quando, mas vão voltar, até que o país tenha a solução para muitos de seus problemas.”


Desilusão

Nesta sexta-feira (4), quando a seleção brasileira estiver entrando em campo para enfrentar a Colômbia, Mota pretende se esconder. “A família vai assistir o jogo pela TV, claro. Mas eu vou me esconder. A casa é grande, vou para um cantinho qualquer. Vou ler. No máximo, só vou ouvir os foguetes, porque minha casa fica mais ou menos próxima do Castelão.”

O juiz explica que torceu, “durante a juventude”, para o Flamengo, mas nunca ligou muito para o futebol. “Acompanhava normal. Mais ou menos. Mas agora tomei ojeriza. Não assisti nenhum jogo da Copa nem vou assistir esse. Não importa que seja aqui [em Fortaleza]”, disse. “Sou a favor dos esportes e do futebol, lógico. Mas sou contra a profissionalização dos atletas. Sou contra o lado comercial disso tudo. A exploração comercial."

“Tirei o retrato da Dilma que conservava em meu escritório. Sempre votei no PT, mas esse ano não sei em quem vou votar. Devo anular o voto”, afirmou o juiz aposentado. “Ela só cumpriu uma promessa, em relação à saúde. Mesmo assim, graças aos médicos estrangeiros. Nada mais ela cumpriu”, afirmou, se referindo ao programa federal Mais Médicos.