"Mais cedo ou mais tarde ele ia aprontar mesmo", diz policial sobre jovem
Era quase 14h30. Fazia mais de 40ºC. Um calor infernal. No pequeno galpão, transformado em casa de três cômodos, mora o adolescente I.V.I, 15. Na residência estava o marceneiro aposentado João (todos os nomes de parentes são fictícios), 63, pai do menor, e os dois irmãos mais novos. Naquele horário o almoço ainda estava sendo preparado. Em uma única panela de pressão estavam sendo cozidas unhas de boi. As duas crianças, irmãs dele (M., três anos, e J., dois anos) estavam inquietas. A fome e a curiosidade da visita dos repórteres era notória.
I.V.I. é o segundo filho. Há um mais velho, que tem 16 anos e não mora com os pais. Vive, como o próprio João destacou, “amancebado com uma menina”.
A casa estava muito bagunçada. Havia muita sujeira dividindo espaço com a simplicidade do lugar. As paredes estavam riscadas e as camas desarrumadas. O único utensílio que parecia ter menos de cinco anos era uma geladeira. Não havia guarda-roupas. Uma mesa, cheia de malas velhas, fazia o papel de lugar em que eram colocadas as roupas dos moradores da casa. O lugar não tinha porta. A rua é dividida por um portão, que é fechado com dois panos que servem de cortinas.
Os pais e as crianças dormem em duas camas, todas separadas do que é a sala por um balcão (parece que antes o lugar era um bar). I.V.I. dormia em uma rede, também no pequeno salão. Ele foi preso em casa enquanto descansava na rede (que ainda continua no mesmo lugar e armada, como se esperasse a volta do dono). Pelo humor do pai, sua presença não está fazendo falta.
A residência em que moram, na região de limite entre o centro e a periferia de Castelo do Piauí, foi cedida pela irmã do pai do garoto. Ele conta, constrangido, que até o início do ano moravam no bairro Cohab, mas, por causa de série de crimes cometidos por I.V.I. terminaram expulsos da região.
A família de I.V.I. vive da aposentadoria do pai do garoto, que é inválido e toma remédios controlados, e do Bolsa Família. São sustentados por menos de R$ 1.000 mensais.
O garoto nasceu em São Paulo. Veio para Castelo do Piauí aos quatro anos de idade. Ele só recebeu seu primeiro documento de identidade com mais de dois anos de vida.
I.V.I. completou 15 anos no 1º dia deste ano. Ele não teve festa com a família. O aniversário de debut foi comemorado regrado a muita droga em uma boca de fumo da região.
Diariamente o rapaz, tido como o mais frio e o com mais passagens pela polícia dos quatro menores envolvidos no caso das garotas, usava crack. Para alimentar o vício roubava, furtava e atacava vítimas. Não escolhia idade, nem lugar. Era contumaz corredor. Já tinha avançado do cargo de tomador de celulares e produtos para abordador de pessoas usando facas e facões.
Sob encomenda, furtava motos e as levava para o vizinho município de Juazeiro do Piauí. O esquema rendia algumas pedras de crack para sustentar o vício.
Em um desses crimes, perseguido por policiais, se acidentou em uma moto. Levou quase 40 pontos na cabeça; sofreu várias raladuras no corpo, mas não deixava de roubar.
A foto dele divulgada em redes sociais, que está com uma espécie de penteado moicano (mas ao contrário) não é um estilo, mas a raspagem capilar por causa da cicatrização dos pontos depois do acidente.
O currículo de I.V.I. é estendido por quase cem passagens pela delegacia de Castelo do Piauí. Somente no ano passado e este ano ele coleciona nove processos já em tramitação na Justiça.
Segundo a Polícia Civil de Castelo do Piauí, uma semana antes do estupro, ele espancou e roubou o comerciante Joaquim Laurentino de Oliveira. Também segundo a polícia, esse assalto foi feito em parceria com o adolescente B.F.O., 15 anos, também preso sob acusação da barbárie contra as estudantes. No dia 27 de maio, o mesmo dia do crime de estupro coletivo, I.V.I. é acusado de ter roubado uma moto no período da manhã.
“Ele aprontava praticamente todo dia. Era o terror da cidade”, revelou um dos policiais civis de Castelo do Piauí, dizendo que somente ele já tinha prendido I.V.I. mais de 20 vezes.
O pai do garoto diz que I.V.I. começou a realizar roubos desde os oito anos de idade. De lá nunca mais parou de cometer crimes.
“Ele odiava a mãe”, revelou João. I.V.I., por várias vezes, teria tentado (e conseguido) agredir a própria genitora. O pai diz que o menino nunca levou uma surra caseira. “Só apanhou da polícia”. O motivo de tanto ódio era porque a mãe o queria sempre na escola. “Esse ano ele foi matriculado e ficou três dias no Colégio Osmarina. Nunca mais foi lá”, destacou o pai. “Para ele nada acontecia. Não se importava”. I.V.I. estudou até a terceira série. Sua assinatura nos inquéritos e processos judiciais constatam que ele mal sabe escrever: desenhava o nome.
“Ele só aparecia aqui em casa para comer, banhar e dormir. Passava o dia na rua”, revelou o pai que revela saber que o filho é usuário de drogas pesadas. “Na outra casa ele tentou levar drogas para lá. Eu não aceitei”, confessou o pai de I.V.I.
Nem a própria casa escapava. O garoto, segundo o próprio pai, já tinha roubado três facões, batedeira e aparelhos celulares. Outra prática de I.V.I. era “sequestrar” o celular da mãe. O crime consistia no garoto “sumir” com o aparelho e dizer que só devolvia se dessem dinheiro para ele. “Ele recebia o dinheiro, geralmente R$ 50, e ainda sumia com o aparelho. Ia tudo para a droga”, disse, envergonhado o pai do menino.
Tentativa de matar um policial
Um dos casos que transformou I.V.I. conhecido em Castelo do Piauí foi quando ele tentou matar um dos policiais militares da cidade. O PM tinha ido prendê-lo. Para não ser levado o adolescente atacou o policial com uma faca. O crime só não foi consolidado porque outros policiais, apontando armas para o adolescente, o fizeram desistir do intuito.
“Ele tinha coragem de fazer isso. Mais cedo ou mais tarde ia aprontar mesmo”, revelou um dos PMs que estava de plantão no Grupamento de Policiamento Militar da cidade. “Olha só a cidade como está tranquila”, refletiu.
I.V.I. já esteve no CEM, em Teresina, duas vezes. O juiz da cidade preparava o terceiro pedido para esta semana. Voltou novamente agora pelos crimes de estupro e homicídio.
Desde a última prisão na capital do Piauí, terminada em fevereiro deste ano, em vez de vir para casa foi direto para uma boca de fumo. Voltou a delinquir no mesmo dia e só parou novamente após ser preso acusado de ser estuprador das meninas.
O pai diz saber que o filho se envolveu com gente errada e afirma que o mesmo tem de pagar caso seja comprovado que está no meio dos que estupraram e tentaram matar as meninas. Diz não se preocupar muito nem se impressionar com o que pode ocorrer com o filho. “Senão não durmo. Os remédios controlados que tomo não resolvem se eu me preocupar”.
Seu João passa o dia em casa, cuidando dos filhos. Ele guarda com carinho um álbum com fotos de quando I.V.I. era criança. Sobraram nove fotos. Outras foram destruídas em ataques de fúria. Em uma delas há um recorte na cabeça do pai. “Ele fez isso dizendo que era meu chifre. Só Deus para ajeitar tudo isso e ajeitar esse menino”, finalizou.
Confira as outras histórias dos acusados de envolvimento no caso:
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