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Polícia esclarece apenas um a cada quatro casos de chacina na Grande SP

Chacina cometida na Grande São Paulo deixou 23 mortos em agosto - Edu Silva/Futura Press/Estadão Conteúdo
Chacina cometida na Grande São Paulo deixou 23 mortos em agosto Imagem: Edu Silva/Futura Press/Estadão Conteúdo

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

05/11/2015 06h00

A Polícia Civil esclareceu sete de 27 chacinas ocorridas na Grande São Paulo entre janeiro de 2014 e agosto de 2015. Isso representa 26% de casos solucionados. Ou seja, praticamente três de cada quatro chacinas não foram solucionadas.

As chacinas não aparecem nas estatísticas oficiais divulgadas na internet pela Secretaria de Estado da Segurança Pública, o que dificulta o acompanhamento desse tipo de crime. Uma chacina consiste no assassinato de três pessoas ou mais. Nas estatísticas do governo paulista, as matanças engrossam a lista de homicídios.

Questionada inicialmente pelo UOL sobre a quantidade de chacinas e as investigações dos casos cometidos em 2015 no Estado, a secretaria informou ter esclarecido sete casos na região metropolitana desde 2014, mas não informou o total de ocorrências no período. Procurada novamente, a pasta disse não possuir o dado sobre o total de chacinas. Para chegar a ele e verificar a proporção de casos solucionados, a reportagem utilizou como base dados obtidos recentemente pelo Instituto Sou da Paz pela Lei de Acesso à Informação.

A gestão Geraldo Alckmin (PSDB) informou ao instituto que aconteceram 23 casos na Grande São Paulo entre janeiro de 2014 e junho de 2015. Levantamento próprio do UOL sobre os meses de julho e agosto serviu de complemento para o cálculo. Nesses dois meses, assassinos cometeram ao menos quatro chacinas na região metropolitana de São Paulo.

23 pessoas foram mortas na maior chacina do ano

Foi em agosto que aconteceu a maior matança do ano. De acordo com as investigações, um grupo de ao menos seis policiais militares e um guarda civil executou 23 pessoas nos dias 8 e 13 daquele mês nos municípios de Osasco, Barueri, Carapicuíba e Itapevi.

Com isso, a quantidade de casos de 2015, que já vinha em alta, acabou superando ainda em agosto a soma de todo o ano de 2014, quando a secretaria computou 13 chacinas, com 49 mortes.

Com os casos verificados em setembro e outubro, o total em 2015 é de ao menos 17, com 83 vítimas. Quando questionada pelo UOL sobre as investigações das chacinas deste ano, a Secretaria da Segurança Pública comentou, por meio de sua assessoria de imprensa, somente quatro, das quais três tiveram policiais entre os autores.

“Em Osasco e Barueri, o trabalho da força-tarefa instituída para investigar as mortes de agosto resultou, até o momento, na prisão de sete suspeitos”, informou a pasta em nota.

Sobre as oito mortes na sede da Pavilhão 9, torcida organizada do Corinthians, no mês de abril, a secretaria afirmou que “a investigação resultou no indiciamento de dois suspeitos, que estão presos preventivamente desde maio”. Os suspeitos são um policial militar e um ex-PM. A Polícia Civil continua investigando o caso.

De acordo com a secretaria, a chacina que deixou quatro mortos em Carapicuíba no dia 19 de setembro “foi motivada por vingança” e também teve participação de ao menos um policial. “O PM Douglas Gomes foi preso e encaminhado para o Presídio Romão Gomes. A Polícia Civil investiga a participação de mais envolvidos nas mortes”.

O único caso comentado pela pasta que não contou com a participação de policiais aconteceu em 27 de julho no Jardim Presidente Dutra, em Guarulhos. Três pessoas da mesma família foram assassinadas na ocasião. “Dois homens foram presos e confessaram serem autores do crime”, informou a secretaria.

A pasta do governo estadual não designou nenhum representante para conceder entrevista sobre o tema. Ainda por meio de nota, afirmou que o número de chacinas diminuiu “drasticamente” na comparação com 2002, quando houve 43 casos. Também declarou que o número de homicídios caiu no Estado nos últimos meses.

“Falta transparência”

Ivan Marques, diretor executivo do Sou da Paz, reclama da dificuldade em se obter dados a respeito das chacinas – sobre a quantidade de casos e as investigações -- no Estado de São Paulo. “A população tem direito a ter o acesso aos dados. Falta transparência. Não dá para a secretaria achar que esse não é assunto de interesse público. O Estado precisa prestar contas disso”.

A ausência de dados completos, diz ele, dificulta a elaboração de uma análise a respeito do tema, a própria formulação de políticas de combate a esse tipo de crime e a fiscalização da atuação das polícias. “Quando não tem ninguém fiscalizando o Estado pode fazer o que quer. E isso não é democracia. A proximidade da sociedade é benéfica para as políticas públicas e para a conduta dos agentes [públicos]”.

“Investigação boa é investigação ágil”

Daniela Skromov, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo, afirma que o índice de 26% de solução de chacinas está “muito longe do ideal” e que “a boa investigação é a ágil”. “Provavelmente, esses 20 casos [cometidos entre janeiro de 2014 e agosto de 2015 e ainda não esclarecidos] nunca serão solucionados. A memória [do crime] some com o tempo”.

De fato, há casos antigos sem solução. Em 31 de outubro de 2012, assassinos mataram sete pessoas a tiros em São Carlos (232 km a noroeste de São Paulo) em uma das maiores chacinas dos últimos anos no interior paulista. Três anos depois, o crime ainda não foi esclarecido. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, “a Delegacia de Investigações Gerais do município segue com a investigação”.

“São crimes graves com baixa efetividade na investigação”, declara Daniela. “A ida [da perícia] à cena no crime com a preservação é essencial. Ainda se mexe muito na cena. Evidências são apagadas; cápsulas, recolhidas [antes da chegada da perícia]”.

Participação de policiais

Em entrevista à "BBC Brasil", o sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP (Universidade de São Paulo), afirmou que “as chacinas costumam ser fruto de disputas pelo controle de território e de negócios ilícitos, seja entre grupos criminosos ou entre criminosos e a polícia”.

Também declarou que elas fazem parte de “ciclos de vinganças”. “Um policial é assassinado e a partir daí várias pessoas são executadas, muitas delas sem qualquer envolvimento com atividades criminosas”.

A própria Secretaria da Segurança Pública reconheceu que as 23 vítimas de agosto em Osasco, Barueri, Carapicuíba e Itapevi eram inocentes. Na ocasião, o secretário Alexandre de Moraes negou que haja grupos de extermínio no Estado.

Para Daniela Skromov, a participação de policiais torna os crimes mais previsíveis, e chacinas poderiam ser evitadas se PMs envolvidos com homicídios fossem tirados das ruas ou transferidos para outros batalhões. “O Estado tinha que mexer nas suas entranhas. Identificar as áreas de batalhões que têm mais mortes, deslocar policiais, fazer mudanças”.

A defensora pública classifica como “região clássica de chacinas” os municípios de Osasco, Barueri e Carapicuíba, locais da maior matança do ano. “O Estado tinha meios para evitar aquilo [a chacina de agosto]. Era seu dever evitar aquilo”.

Vítimas jovens

Segundo Sérgio Adorno, “as chacinas têm um componente racial muito forte”. “A imensa maioria das vítimas é jovem, negra e pobre. E moradora da periferia das regiões metropolitanas”.

Dados do Instituto Sou da Paz mostram que os jovens de 15 a 29 anos formam o maior grupo de vítimas de chacinas no Estado de São Paulo. No primeiro semestre de 2015, essa faixa etária englobou 65,8% dos mortos. Na primeira metade de 2014, esse grupo representou 72,2% das vítimas.

O risco de um jovem morrer em uma chacina seria maior do que ser vítima de um homicídio comum. Ainda de acordo com os dados do Sou da Paz, os jovens de 15 a 29 anos representaram 34,5% das vítimas de homicídios no primeiro semestre de 2015 e 34,1% nos primeiros seis meses do ano anterior.

Como combater as chacinas?

Além de propor mudanças nos batalhões da Polícia Militar, Daniela Skromov sugere que os órgãos de perícia e da polícia especializada na investigação de crimes contra a vida sejam fortalecidos e que as famílias de vítimas recebam indenizações rapidamente.

Ivan Marques também propõe a formação na Polícia Civil de grupos especializados em investigar chacinas. Sérgio Adorno defende uma reforma da política de segurança e a condenação dos assassinos.