Pane seca causou 44 acidentes aéreos e 11 mortes no Brasil desde 2006
Na tarde do dia 19 de outubro de 2009, o coronel Antônio Sotto do Cabo Júnior, piloto da Polícia Militar de Alagoas, estava a três minutos de chegar ao aeroporto e encerrar um patrulhamento que fazia em Maceió. Nesse momento, o motor do helicóptero que pilotava parou repentinamente de funcionar. Começava ali uma emergência causada por pane seca em aeronave, similar à que se suspeita que seja a causa do acidente que matou 71 pessoas e deixou seis feridas na Colômbia na madrugada de segunda-feira (28) para terça-feira (29).
O helicóptero com Júnior caiu, mas felizmente os ocupantes sobreviveram. O acidente em Maceió foi um dos 44 causados no Brasil, entre 2006 e 2015, por pane seca segundo as investigações do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) --órgão ligado à Aeronáutica. Esse número inclui acidentes e incidentes graves. Nesse período, cinco acidentes resultaram em 11 mortes.
Como as investigações chegam a superar o período de um ano, há casos mais recentes em investigação e que ainda terão causa apontada nos próximos meses. As investigações do Cenipa são apenas para identificar as causas do acidente e dar recomendações a integrantes da aviação para evitar novas ocorrências. Não há punições.
O caso mais grave ocorreu em Paranavaí (PR), no dia 2 de novembro de 2008. Um avião modelo Beech P35 saiu de Rondonópolis (MT) com destino a Arapongas (PR) com cinco pessoas --três de uma mesma família--, mas caiu após pane seca.
Outro acidente grave ocorreu eu Silvânia (GO), em 19 de setembro de 2007. O piloto e um passageiro morreram quando a aeronave em que estavam, um Beech 60, perdeu os dois motores por falta de combustível. O avião caiu próximo à pista, e os dois integrantes morreram na hora. No dia 2 daquele mesmo mês, um passageiro morreu e três ocupantes ficaram gravemente feridos após a queda de um Cessna 182C a 120 metros da cabeceira da pista, em Palmas.
Os outros acidentes com morte ocorreram em Iperó (SP), em 2010, com a queda de Embraer 810-C que deixou dois mortos; e em Lucas do Rio Verde (MT), em 2013, no qual o piloto de um avião agrícola Embraer 202A morreu.
Feridos e caso em Alagoas
Além das mortes, pelo menos outros 13 acidentes deixaram pessoas feridas. Ao todo, segundo levantamento feito pelo UOL nos relatórios do Cenipa, 27 ocupantes de aviões e helicópteros se machucaram na queda ou em pousos forçados de aeronaves em pane seca.
Um dos acidentes que deixaram dois feridos foi justamente o do coronel da PM de Alagoas, em 2009. Antonio Júnior conta que já estava retornando de um patrulhamento em direção ao aeroporto quando percebeu algo errado.
“Quando passava em cima de um shopping, o motor apagou. Eu fui para o procedimento de emergência; não dá tempo para pensar o que causou. Do momento em que apagou o motor até colidir com o muro, foram 20, 30 segundos. Primeiro tem que escolher onde vai pousar, enquanto isso com pé e mãos fazendo manobras”, contou o piloto, que teve uma fratura na coluna e passou 12 dias internado em hospital para tratamento. “Passei um ano sofrido.”
Pela baixa altura baixa em que estava (característica dos voos de patrulhamento), Júnior conta que não tinha tempo para ir longe com a aeronave. “Eu escolhi um terreno bem grande que vi, só que não daria tempo chegar. Aí vi que só chegaria a uma fila de casas que tinha e falei: 'Agora vai ser o plano B'. Escolhi então um terreninho ao lado de uma casa, de mais ou menos 70 m². Só que nem nesse terreno consegui chegar direito, aí tive de usar o resto da sustentação que tinha, puxei coletivo para livrar a casa; quando livrei da casa, bati no muro”, explicou.
O erro de cálculo com o helicóptero foi causado por uma falsa indicação do liquidômetro (como se chama o marcador de combustível). A aeronave tinha passado por uma manutenção na semana anterior, e o marcador ficou apontando para uma quantidade maior de combustível do que o real. Porém a informação não foi repassada ao piloto, que não teve noção, ao cair, de que se tratava de uma pane seca.
“O marcador apontava que tinha 40 minutos de voo, e eu estava a três do pouso. Na minha cabeça estava tudo certo. Quando cheguei ao hospital, veio o pessoal da Aeronáutica, e eles viram que não tinha combustível nenhum quando foram ao local da queda. Eu disse que tinha, eles,que não e ficou aquele impasse. Foi então que lembrei que, alguns minutos antes da queda, tirei uma foto do painel porque o vento estava muito intenso, e nela era possível ver o liquidômetro”, contou.
Outros casos
Um dos casos de grande repercussão foi o da aeronave Cessna PP-FFR que caiu na floresta Amazônica, em outubro de 2010, em Roraima, quando fazia um transporte de uma paciente. Os cinco ocupantes foram achados seis dias após o pouso apenas com ferimentos leves.
Nos relatórios do Cenipa, há casos menos graves e que resultaram em pousos curiosos de aeronaves. Em abril de 2008, por exemplo, um avião fez uma aterrissagem de emergência em plena praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, após o Cessna 185-A perder potência ao ficar sem combustível.
Em outubro de 2010, um mesmo Cessna T182T fez um pouso no canteiro central da BR-101, no Recife. Na pista, ele ainda atingiu e destruiu uma placa de sinalização, mas o piloto não ficou ferido.
Também em outubro de 2010, um piloto fez um pouso forçado no lago Erepecu, às margens do rio Trombetas, em Oriximiná (PA), após informar Centro de Controle de Área Amazônico que perdera os motores do Piper PA-31. O piloto e o tripulante tiveram apenas ferimentos leves.
Tipos de pane seca
Segundo o piloto aposentado Ricardo Coutinho, casos de pane seca não deveriam ser comuns na aviação. “Costumo dizer que a pane seca é uma pane que desmoraliza o piloto, porque ele tem de andar certo, tem de fazer o que mandam as regras de segurança, calculando direito sua rota”, comentou.
O comandante explica que existem três tipos de panes secas e que em dois deles os pilotos não são culpados. “Existe um primeiro tipo que ocorre porque o piloto arriscou e foi no limite --e que parece ser o caso do avião que caiu na Colômbia. O segundo é fora do limite, quando você encontra condições adversas, e o piloto é obrigado a voar bem mais que o previsto. O terceiro é um defeito, como um vazamento, uma falha na informação do liquidômetro; mas esses são muito raros”, disse.
Coutinho conta que já enfrentou uma pane seca por voar mais que o esperado. "Só não cai porque não esperei, disse ao controlador que ia pousar. Eu estava em Manaus e não tinha mais autonomia para ir até Santarém (PA). E tive que pousar com um mau tempo terrível. Era uma trovoada enorme, mas consegui pousar", disse o ex-piloto da extinta empresa TransBrasil.
Ele explica que situações assim são levadas em conta na hora de fechar um plano de voo. "Primeira coisa para fazer um plano é pegar as condições meteorológicas. Aí você faz um cálculo do ponto A para o B, e do B para o C, mais 30 minutos de espera, mais 10% de combustível."
"Vamos dar como um exemplo um voo Salvador-Recife. Você [piloto] escolhe qual o aeroporto alternativo vai em caso de problema no destino --que seria o ponto C. No caso, por exemplo, seria Natal. Aí o que ocorre: quando você chega ao Recife, tem uma aeronave quebrada na pista. OK, você vai para alternativa C, que é Natal; mas aí chega lá e tem mau tempo e também não consegue pousar. Por isso você tem que ter esse extra para poder aguardar, voar mais”, explicou.
Números (entre 2006 e 2015)
- 39 acidentes com aviões (cinco com morte)
- 5 acidentes com helicópteros (sem mortes)
- 11 mortos
- 27 feridos
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