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Presos se "autogovernam" e governo do AM é "omisso", diz relatório federal de 2016

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

03/01/2017 12h09

Nos presídios do Estado do Amazonas, os presos se "autogovernam" e a ação da administração penitenciária "é bastante limitada e omissa diante da atuação das facções criminosas". É o que aponta o relatório do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), órgão ligado ao Ministério da Justiça.

Uma briga entre facções criminosas rivais seguida de rebelião no maior presídio do Amazonas --o Compaj (Complexo Penitenciário Anisío Jobim)-- deixou 56 mortos nesta segunda-feira (2) em Manaus. 

Publicado há um ano, após vistorias realizadas por quatro peritas do MNPCT em quatro unidades penitenciárias do Amazonas, inclusive o Compaj, o documento já apontava para o risco de assassinatos decorrentes das rivalidades entre as facções dentro do sistema penitenciário do Estado.

Além de criticar as condições precárias dos presídios amazonenses, as peritas destacaram ainda que "todas as unidades visitadas estavam sob um clima de grande inquietação". Presos mantidos no "seguro", isto é, isolados dos demais por justamente pertencerem às facções criminosas revelaram ao grupo do MNPCT o medo de serem assassinados.

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"Várias pessoas isoladas relataram que os presos dos pavilhões possuem ferramentas capazes de quebrar as paredes das unidades que são, aparentemente, frágeis. Então mesmo 'isoladas', sentem muito receio de estarem em locais de fácil acesso e, assim, serem torturadas e morrer nas mãos da massa carcerária", lê-se no relatório.

Manaus - Divulgação/SSP-AM - Divulgação/SSP-AM
A atuação do governo é "limitada", diz relatório federal
Imagem: Divulgação/SSP-AM
O documento afirma ainda que o "Estado não exerce efetivamente sua função primária de monopólio legítimo da força nem realiza sua tarefa de supervisão da execução penal".

Formado por 11 peritos que exercem mandatos de três anos, o MNPCT tem como função a prevenção e combate à tortura no país. A sua principal função é vistoria, sem prévio aviso, "a instituições de privação de liberdade", a exemplo de presídios e cadeias públicas. O órgão é ligado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que desde o início do governo Temer perdeu o status de ministério e passou a fazer parte da estrutura do Ministério da Justiça.

Divisão de presos

As peritas do MNPCT criticam ainda a divisão dos presos nas unidades penitenciárias do Amazonas por facções criminosas.

"Desse modo, a administração penitenciária não deveria ceder à lógica de rivalização das facções criminosas e, por conseguinte, separar os presos pelo critério de pertencimento a estes grupos. Esse tipo de medida reforça, inclusive, a baixa ingerência dos funcionários da administração penitenciária nas rotinas prisionais."

O Compaj foi inaugurado em 1999 e, desde meados de 2014, é administrado pela empresa Umanizzare, responsável pela gestão prisional privada em um sistema de cogestão, informa o relatório.

Todos os agentes responsáveis pelos presos são prestadores de serviços contratados pela empresa. No total, 153 funcionários se dividem em turnos diurno e noturno, em número de 55 e 20 pessoas, respectivamente.

Outro lado

O UOL procurou o secretário de Administração Penitenciária do Amazonas, Pedro Florêncio Filho, que afirmou, no primeiro contato na segunda-feira, "ter tido acesso ao relatório", mas que naquele momento "não poderia discorrer sobre as circunstâncias nem detalhes do relatório".

A reportagem voltou a contatá-lo no final da manhã desta terça-feira (3). O secretário afirmou que "provavelmente atenderia mais tarde a reportagem", mas que no momento estava acompanhando a visita do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Em paralelo, o UOL enviou, por e-mail os questionamentos da reportagem à assessoria de imprensa da Seap, mas até o presente momento não obteve resposta.