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Justiça de São Paulo faz "audiências fantasmas" com presos

Wellington Ramalhoso*

Do UOL, em São Paulo

18/02/2017 04h00

A Justiça de São Paulo realizou audiências de custódia sem a presença das pessoas presas em flagrante, o que contraria a Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil. A revelação foi feita por um estudo da organização não governamental Conectas Direitos Humanos, a que o UOL teve acesso.

Das 393 audiências acompanhadas presencialmente pela pesquisa entre julho e novembro de 2015, três foram fantasmas. Vídeos, como o que abre esta reportagem, comprovam o problema, já que todas as audiências são gravadas pelo Tribunal de Justiça. A Conectas obteve autorização do Poder Judiciário para analisar o vídeo exibido acima.

Nas audiências de custódia, o juiz analisa a legalidade da prisão, decide se ela dever ser mantida ou não e verifica se o detido foi vítima de violência. Se não está presente, o detido não pode dar sua versão sobre a prisão em flagrante nem denunciar eventuais violências sofridas.

A Convenção Americana de Direitos Humanos determina que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo”.

“Chocados com as audiências fantasmas"

Nos três casos revelados pela pesquisa, o preso estava hospitalizado. Nessas circunstâncias, a audiência é realizada sem que o próprio defensor tenha contato prévio com o detido.

Segundo Rafael Custódio, advogado e coordenador do programa de Justiça da Conectas, é necessário que os órgãos de Justiça tenham conhecimento do estado de saúde do preso e que a audiência aconteça depois da alta hospitalar.

“Ficamos chocados com as audiências fantasmas. É obrigatória a presença física do preso diante do juiz. Permitir esse ato sem a pessoa estar presente é uma completa irracionalidade”, frisou. Há o risco, segundo o coordenador da Conectas, de que a internação seja consequência de tortura e maus-tratos sofridos pelo preso.

Casos excepcionais ou frequentes?

Coordenador das audiências de custódia realizadas pelo Tribunal de Justiça na capital paulista, o juiz Antonio Maria Patiño Zorz afirmou que os casos de audiências fantasmas são "irrisórios e excepcionais".

O magistrado também recordou que a pesquisa da Conectas foi realizada antes de o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinar, em dezembro de 2015, a realização da audiência no local onde o preso está internado ou depois de restabelecida sua condição de saúde. A normatização que vigorava antes em São Paulo, um provimento do Tribunal de Justiça, previa a possibilidade de audiência a acontecer sem o preso.

O defensor público Bruno Shimizu, que atua em São Paulo, disse, no entanto, que audiências fantasmas continuam acontecendo com frequência. “É bem comum ter três, quatro audiências fantasmas por semana.” Nestes casos, os defensores costumam pedir a liberdade do preso ou a prisão domiciliar. Mas, se a prisão preventiva é determinada, Shimizu entende que ela pode ser anulada.

O juiz Zorz argumentou que em alguns casos não é possível fazer audiências depois da alta hospitalar. “Rapidamente, algum flagrante se transforma em acusação formal e processo. Não tem cabimento fazer audiência de custódia posteriormente, quando o processo já está com outro juiz.”

Neste caso, afirmou Zorz, nada impede que o magistrado responsável pelo processo analise questionamentos da defesa relacionados à audiência de custódia.

* Colaborou Flavio Costa