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Perito questiona laudo sobre morte de João Victor; defesa quer reconstituição do crime

João Victor, morto após confusão no Habib"s - Reprodução
João Victor, morto após confusão no Habib's Imagem: Reprodução

Bruna Souza Cruz

10/03/2017 20h53Atualizada em 10/03/2017 22h20

O perito particular Eduardo Llanos e o médico Levi Miranda analisaram o laudo do IML (Instituto Médico Legal) que atesta as causas da morte do garoto João Victor Carvalho, morto em frente ao Habib’s no último dia 26. Para a equipe, a conclusão do IML foi falha e deixa pontos questionáveis sobre as circunstâncias do óbito do garoto.

O perito defende que o menino teve um refluxo e suas vias aéreas foram obstruídas por alimento durante a tentativa de fuga. Segundo ele, o médico legista do IML não considerou em sua conclusão o fato de que existiam restos de alimento no pulmão do adolescente-- informações contidas no documento oficial, mas descartadas na avaliação como causa da morte. A declaração foi feita na tarde desta sexta-feira (10), durante coletiva de imprensa. 

João Victor teve um mal súbito no dia 26 de fevereiro depois de ser perseguido por funcionários de uma unidade da lanchonete na zona norte de São Paulo. Ele foi socorrido, mas morreu a caminho do hospital diante de uma parada cardíaca. De acordo com o laudo, o garoto teve um infarto “agravado por uso de substâncias entorpecentes/ ilícitas”, cocaína e lança-perfume no caso. Além disso, foram detectadas alterações cardíacas crônicas em João Victor.

“Tem uma parte no laudo que diz que foram encontrados restos de comida nas vias aéreas. Isto significa que ele teve um refluxo. Possivelmente se afogou [asfixiou] e acabou morrendo com a parada cardíaca”, afirmou Llanos. “Se faz um esforço muito grande [para se desvencilhar das agressões] e se tem um refluxo [alimento volta às vias aéreas e provoca asfixia]”, disse.

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou, por meio de nota, que o IML levou em consideração todos os elementos, inclusive a presença de alimento nas vias respiratórias do garoto. "Esses exames identificam a presença e a dosagem de substâncias lícitas ou ilícitas no sangue", diz trecho do texto.

Segundo a secretaria, "as amostras foram realizadas em duplicata, seguindo os padrões científicos internacionais para esse tipo de exame, por peritos altamente qualificados". O órgão explica que as amostras guardadas poderão ser solicitadas pela Justiça para eventual contraprova.  

A Polícia Civil investiga a conduta dos funcionários do restaurante, que são suspeitos de agredir João Vitor. Até o momento, duas testemunhas foram ouvidas pela polícia e ambas disseram ter visto o garoto ser agredido e arrastado por dois funcionários do restaurante.

Em depoimento, os funcionários disseram à polícia que o garoto ameaçou clientes e outras pessoas que trabalhavam na unidade do Habib’s e negam a agressão.

 No dia seguinte à divulgação do laudo do IML, a família anunciou que pediria a exumação do corpo numa tentativa de fazer uma contraprova sobre as causas da morte.

De acordo com o perito particular, a reconstituição dos fatos é necessária para auxiliar a defesa no processo judicial. Segundo os advogados, os próximos passos da investigação serão ouvir as testemunhas que faltam e concluir o inquérito. “Assim que for para a Justiça, entraremos com o pedido oficial de exumação do corpo”, afirmou o advogado da família do garoto, Francisco Carlos da Silva. Todo o trabalho de análise do caso está sendo feito de forma voluntária, segundo Llanos e os advogados.

Perito particular questiona laudo

O perito Llanos questiona a velocidade com que o laudo foi concluído. A autópsia foi realizada no dia 27 de fevereiro, um dia após a morte de João Victor. A conclusão do laudo foi divulgada oficialmente na terça-feira (7). “Um laudo do IML costuma demorar até 30 dias. É estranho ter ficado pronto tão rápido. De um dia para o outro”, afirmou o Llanos.  

De acordo com a SSP, o IML concluiu o laudo em até 10 dias, prazo estipulado pela lei. 

O laudo do IML descreve que o exame toxicológico de João Victor evidenciou a presença de cocaína na concentração de 38 ng/ml de sangue, além das substâncias benzoilecgonina, ecgonina e éstermetilecgonina, que foram identificadas no relatório como produtos de biotransformação da cocaína.

Tricloroetileno e clorofórmio também foram detectados e, segundo o médio legista, são itens presentes na composição do lança-perfume.

Para o perito e os advogados, o erro está em fazer analogias com as drogas citadas sem considerar outras possibilidades. Os argumentos que eles defendem é que algumas delas podem ser encontradas em colas, tintas, removedores de tintas e até analgésicos.

“Elas não existem apenas no lança-perfume. Como então o médico pode afirmar que ele tinha feito o uso de lança-perfume?”, afirmou o advogado Gustavo Silva.

Segundo a SSP, o IML analisou todas as substâncias encontradas no corpo da vítima. "Outros exames, como tomografias, também não encontraram sinais de que a morte tenha sido causada por agressão", afirma o órgão. 

Outro caso de repercussão nacional

O perito Llanos esteve presente em outro caso polêmico. Ele participou do pedido de reabertura da investigação em 2014 da morte de Odilaine Uglione, mãe do menino Bernardo, que foi encontrado morto em um buraco há 80 km da casa onde vivia com o pai e a madrasta, no Rio Grande do Sul.  

Segundo a alegação, ao contrário do que concluiu a investigação policial da época, a mãe do garoto não se suicidou e sim foi morta pelo marido. A perícia particular foi contratada pela mãe de Uglione. A Justiça autorizou a reabertura do caso, mas após novas investigações concluiu-se que Uglione realmente tinha cometido suicídio.?

Outro lado

A Secretaria de Segurança Pública se posicionou por meio de nota. Leia a íntegra: 

A Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) esclarece que o laudo emitido pelo Instituto Médico Legal (IML) é um documento oficial, que é remetido ao delegado para inclusão no inquérito, e, após o trabalho de investigação, encaminhado ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.

Caso haja dúvida sobre o conteúdo do documento por parte do delegado responsável pela investigação, do MP ou do Judiciário, o IML está à disposição para respondê-los. O instituto reitera todas as afirmações contidas no laudo sobre a morte de João Victor e informa que os peritos só estão autorizados a discutir os resultados se questionados pelos órgãos oficiais citados.

Cabe esclarecer que o IML levou em consideração todos os elementos, inclusive a presença de alimento nas vias respiratórias do garoto, no momento de elaborar a conclusão. As amostras foram analisadas por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas sequencial e por cromatografia gasosa com detector de chama. Esses exames identificam a presença e a dosagem de substâncias lícitas ou ilícitas no sangue. Todas as análises foram realizadas em duplicata, seguindo os padrões científicos internacionais para esse tipo de exame, por peritos altamente qualificados. As amostras foram guardadas, preservando-se toda a cadeia de custódia do material, para eventual contraprova, se solicitada pelo Poder Judiciário.

Além disso, o IML concluiu o laudo dentro do prazo estipulado no Código de Processo Penal, que é de até 10 dias. Cabe ressaltar que o IML conta com o melhor laboratório de toxicologia do Brasil, que analisou todas as substâncias encontradas no corpo da vítima. Outros exames, como tomografias, também não encontraram sinais de que a morte tenha sido causada por agressão.

A SPTC informa ainda que o IML não faz nenhuma recomendação para o caixão ficar lacrado, salvo casos em que o corpo esteja em estado avançado de decomposição ou em caso de ossadas. Sobre a troca de roupa, esclarece que o procedimento padrão para corpos em que se realiza necropsia é realizado por um funcionário do IML, por determinação desta SPTC desde 2015, mas que se algum familiar solicitar acompanhamento, não há impedimento. Contudo, para o procedimento do adolescente João Victor, não houve pedido por parte da família.