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Rio: 35 crianças morreram vítimas de bala perdida na década; só neste ano, foram 5 mortes

5.jul.2017 - Pai de Vanessa, morta com um tiro na cabeça na porta de casa, faz protesto - Guilherme Pinto/Agência O Globo
5.jul.2017 - Pai de Vanessa, morta com um tiro na cabeça na porta de casa, faz protesto Imagem: Guilherme Pinto/Agência O Globo

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

05/07/2017 15h59Atualizada em 05/07/2017 16h33

Nos últimos dez anos, 35 crianças morreram vítimas de bala perdida no Estado do Rio de Janeiro, segundo levantamento da ONG Rio de Paz. Somente neste ano, foram cinco mortes --todas na zona norte carioca. Mais da metade das mortes (22) verificadas na última década ocorreu nos últimos dois anos e meio, de acordo com a organização que acompanha casos de violência no Rio. Considerando todos os casos registrados, 29 ocorreram na capital fluminense, enquanto seis se deram na Baixada Fluminense e região metropolitana do Rio.

O último caso ocorreu na terça-feira (4) --a menina Vanessa Vitória dos Santos, 11, foi atingida na cabeça na porta da casa onde morava na comunidade Camarista Méier, também na zona norte. A família acusa policiais militares de terem invadido o imóvel atrás de bandidos. Para o pai dela, o pedreiro Leandro Monteiro de Matos, 39, o tiro partiu de um policial durante troca de tiros na favela. A Divisão de Homicídios investiga o caso.

“Primeiro entrou um policial na casa. Ele podia ter tirado minha filha lá de dentro. Depois chegaram outros. Eles cismaram que tinha bandido em casa e ignoraram o fato de ter uma criança ali. A madrinha dela foi tirá-la do local, quando Vanessa foi colocar o chinelo para sair, ela foi atingida. Meu filho mais velho ajudou a socorrê-la”, disse o pai da vítima.

 

Nesta quarta-feira (5), uma adolescente foi atingida nas costas por uma bala perdida dentro de uma escola em Belford Roxo, Baixada Fluminense, durante troca de tiros entre traficantes de comunidades vizinhas. Ela teve um dos pulmões perfurados e seu estado de saúde é estável.

A Secretaria Municipal de Educação informou que unidades escolares no Complexo do Lins, Acari, Rollas e Vigário Geral estão sem atendimento nesta quarta-feira (dia 5) na capital fluminense. Ao todo, são 2996 alunos sem aulas. No total são quatro escolas, sete creches e um Espaço de Desenvolvimento Infantil.

Além da menina Vanessa, outras quatro crianças morreram vítimas de bala perdida somente neste ano. Uma delas foi a menina Maria Eduarda Alves da Conceição, 13, que morreu dentro do Colégio Daniel Piza, em Acari, zona norte. Ela estava na aula de educação física quando foi atingida. O caso ocorreu em abril.

Na ocasião, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, chegou a afirmar que a prefeitura compraria argamassa especial para blindar a escola, que fica em área de conflito entre policiais e traficantes.

No mesmo mês, o menino Paulo Henrique de Oliveira, 13, morreu após ser baleado durante tiroteio no Complexo do Alemão, também na zona norte do Rio. Ele estava em casa quando foi atingido na barriga, na localidade conhecida como Chuveirinho, na Grota. Ele chegou a ser levado para o hospital, mas não resistiu.

Já a menina, Fernanda Adriana Caparica Pinheiro, 7, morreu enquanto brincava no terraço de casa, na favela Parque União, Complexo da Maré. O tiro atingiu o tórax da criança, que chegou a ser socorrida e levada para o Hospital Federal de Bonsucesso, mas não resistiu aos ferimentos.

No começo do ano, foi a vez de Sofia Lara Braga, de apenas dois anos. Ela foi baleada durante perseguição policial. A família estava no parquinho de uma lanchonete na zona norte quando um dos tiros entre policiais e bandidos acertou a menina.

O fundador da ONG Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, destaca como as mortes de criança se intensificaram nos últimos dois anos. Das 35 crianças mortas na última década, 22 morreram a partir de 2015.

“Vinte e duas crianças tiveram o mesmo destino da Vanessa dos Santos [morta nesta terça na comunidade Camarista Méier]. Em geral, as vítimas são meninos e meninas pobres, moradores de favela, cujas vidas são interrompidas por força de confronto entre traficantes ou operações da polícia. Isso demanda ação urgente por parte do poder público. A guerra às drogas, a disputa das facções criminosas por controle territorial e o tráfico de armas e munições são os principais responsáveis por essas tragédias", comentou.

Bebê atingido na barriga da mãe

No último dia 30, Claudineia dos Santos Melo, grávida de 39 semanas, foi baleada na barriga na Favela do Lixão, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense. Ela precisou ser submetida a uma cesariana de emergência.

De acordo com os médicos, o pequeno Arthur teve a coluna fraturada em duas vértebras e está paraplégico. Entretanto, o quadro não é irreversível, conforme informou o neurocirurgião e diretor do Hospital Municipal Moacir do Carmo, Eduardo França de Aguiar.

"Não avaliamos a medula ainda porque o importante é mantê-lo vivo, com respiração e alimentação. Mas, sim, ele pode voltar [a ter o movimento das pernas], disse o médico.

O estado de saúde do bebê é considerado gravíssimo. Além da coluna, Arthur teve os dois pulmões perfurados e passou por uma drenagem no órgão assim que nasceu. Ele respira por aparelhos e permanece sedado.

A mãe se recupera bem e está internada em outro hospital da cidade. Ela já sabe que o filho também foi atingido pela bala e que o tiro provocou lesões graves.

A polícia ouviu seis PMs que participavam da operação no dia em que mãe e filho foram feridos. Todos negaram ter feito disparos.

O pai do menino também prestou depoimento. Ele tem esperança na recuperação do filho. "Espero que ele se recupere para ter ele nos meus braços". Klebson Cosme da Silva, 27, registrou na última segunda-feira (3) o pequeno Arthur Cosme de Melo, que nasceu no último sábado (1º).