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Estrutura da PM deve ser repensada, diz associação de cabos e soldados

Márcia Foletto/Agência O Globo
Imagem: Márcia Foletto/Agência O Globo

Vladimir Platonow

Da Agência Brasil, no Rio de Janeiro

26/08/2017 15h25

A morte do centésimo policial militar no Rio de Janeiro este ano, na manhã deste sábado (26), é um reflexo de uma estrutura hierárquica excessivamente rígida, condições de trabalho precárias e salários baixos, que obrigam o soldado a trabalhar em bicos para complementar a renda, na avaliação do presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro (Aspra), Vanderlei Ribeiro: "É preciso mudar toda essa estrutura, todo esse modelo atual, para poder melhorar e evitar esse número assustador de mortes de policiais".

Para Vanderlei a estrutura militar é incompatível com o exercício da atividade policial. "Muitos policiais estão escalados em áreas de risco, sem planejamento, e quando ocorre uma infelicidade, nenhum comandante é responsabilizado. O policial é mal escalado e não tem suporte. O policial de base fica vulnerável, porque é surpreendido pelo criminoso", disse Vanderlei.

Segundo ele, é necessário haver uma polícia profissionalizada e menos militarizada, dando espaço à tropa de falar e ser ouvida sobre o trabalho diário. "Se não mexer no sistema militarista que existe hoje, nada vai mudar, vão se repetir os erros. O policial da ponta não é ouvido, ele é um instrumento, um cumpridor de ordens. Ele tem que ser ouvido. Quem está na rua, vivenciando os problemas é ele, é o homem da ponta. Quando vai se fazer uma reunião de planejamento, tem que chamar o policial, para melhorar e dar segurança ao homem, com confiança no seu comandante. A maioria dos policiais não confia nos seus oficiais, eles temem os oficiais."

Outro problema, segundo o presidente da associação, é a falta de treinamento adequado para os recrutas, que ficam pouco tempo na academia e são logo enviados às ruas. "É bobagem abrir concurso e aumentar efetivo. Porque simplesmente vai aumentar o número de mortes. Não tem tempo suficiente para aprender, ter habilidade e maturidade para enfrentar o crime. Aí muitos morrem, porque estão imaturos, são jovens. A maioria que morre é tudo praça, você não vê um oficial [morrendo]. O policial vai à rua sem o suporte de oficiais, no máximo um tenente. No enfrentamento, quem morre é soldado, cabo e sargento. Não tem treinamento de tiro periódico e são armas e munições velhas, que falham na hora do enfrentamento. Viaturas velhas, que param, até por falta de combustível."

Os baixos salários, que começam por volta de R$ 2.000, segundo Vanderlei, também contribuem para aumentar o número de militares mortos, seja em serviço ou durante as folgas, pois a maioria busca trabalhar em bicos, como seguranças, para complementar a renda, quando atuam sozinhos e ficam mais vulneráveis. "O exercício da função policial é muito estressante. Ele ganha mal, é obrigado a ir para o bico, dali volta para o serviço e não tem um repouso normal. Ele já vai para o trabalho abalado emocionalmente. Aí ele não tem condições psicológicas de atuar. Por isso que muitas vezes se vê uma série de falhas, o policial vai atirar, acerta um inocente. Não é que ele faça aquilo porque ele quer matar, porque é arbitrário. Ele pratica esses atos por cansaço físico e mental, por esgotamento. Ele é ser humano, tem direito a ficar cansado, a ter sono, ele não é máquina."

Centésima vítima

O sargento Fábio José Cavalcante e Sá, lotado no 34º BPM (Magé), foi morto a tiros na manhã deste sábado, em São João de Meriti. Ele foi vítima de uma tentativa de assalto. O comandante da PM, coronel Wolney Dias, publicou um texto na página da corporação com o título Não Somos Números, Somos Cidadãos e Heróis, no qual lamenta a morte do sargento e questiona o papel da sociedade nas causas da violência.

"A Polícia Militar não é a responsável pelo controle das fronteiras e pela investigação do tráfico internacional de armas, nem tampouco pela reforma de leis penais. Também não pode ser responsabilizada pela crise econômica e pela falta de investimento em projetos sociais. Mas cabe à Polícia Militar enfrentar os efeitos de todos esses indutores de violência. Somos a última barreira entre a ordem e o caos. Estamos fazendo o possível e o impossível para ampliar ao máximo o policiamento ostensivo. E pagando injustamente uma conta que não é apenas nossa. É de todos. A sociedade precisa fazer a sua parte. Precisa refletir com seriedade sobre as causas da violência e se mobilizar para construir um novo cenário", escreveu o comandante.

A PM foi procurada, por meio de sua assessoria, mas até a publicação desta matéria não se pronunciou sobre as demandas ou as críticas feitas pelo presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Rio de Janeiro.