Com salário de R$ 7.400, faltam médicos nos presídios de SP; prisões têm 41 mortes por mês
Entre janeiro de 2014 e junho de 2017, 1.728 detentos morreram em unidades prisionais do Estado de São Paulo. Os dados, da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), foram obtidos pela reportagem do UOL através da Lei de Acesso à Informação. Eles apontam para uma média de 41 mortes por mês no sistema penitenciário paulista nos últimos três anos e meio.
Cerca de 90% desses óbitos (1.558) foram classificados pelas autoridades como "mortes naturais". Ou seja, não são fruto de episódios violentos, como homicídios provocados por brigas ou suicídio. A maioria dos mortos tem entre 18 e 29 anos.
Entre as causas de mortes naturais estão, principalmente, doenças como Aids, tuberculose, câncer e hepatite. Segundo secretário de Administração Penitenciária, Lourival Gomes, muitos presos já ingressam no sistema penitenciário com enfermidades graves.
"Todos os reeducandos do sistema penitenciário paulista têm atendimento médico garantido em todas as unidade prisionais do Estado", afirmou o secretário, em um documento entregue à Ouvidoria Geral do Estado.
A garantia de atendimento, entretanto, tem esbarrado na dificuldade da SAP em recrutar médicos e profissionais de saúde para oferecer auxílio médico aos presidiários.
Desde 2010, foram abertas 42 vagas via concursos públicos para médicos, além de 165 para psicólogos, 117 para enfermeiros, 91 para assistentes sociais, 46 para dentistas, e 11 para farmacêuticos no sistema prisional, segundo Lourival Gomes. A remuneração inicial para médicos, por 20 horas de trabalho semanais, é de R$ 5.400. Por prêmio de produtividade médica, o salário pode chegar, inicialmente, a R$ 7.400.
O valor, entretanto, não é suficiente para atrair profissionais. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em média, um médico brasileiro ganha R$ 8.400. A Fenam (Federação Nacional dos Médicos) recomenda um piso mínimo maior, de R$ 10,9 mil para 20 horas semanais de trabalho.
"Tem concurso, mas não vão conseguir completar o quadro", alerta diretor de defesa profissional da APM (Associação Paulista de Medicina), Marun David Cury. Ele, afirma que, para os médicos, não vale a pena prestar concurso para trabalhar em presídios. Além do salário pouco atraente, questões relacionadas à segurança também afastam o profissional. "É preciso reiterar que não faltam vagas", afirmou o secretário. "Não há candidatos interessados em preenchê-las."
"Eu acho que é um somatório de situações. Não tem plano de carreira para esses médicos e o salário é muito baixo. No Estado, na faixa de R$ 12,7 mil, é muito pouco, porque o piso nacional está na faixa de R$ 17,5 mil", afirma Cury. "O indivíduo que trabalha 40 horas semanais, com abono, ganha em torno de R$ 12,7 mil no Estado. É uma aberração. Se pegar um menino recém-formado, fazendo plantão de 12 horas, ganha muito mais do que isso [em hospitais privados]. Às vezes, três vezes mais. Além disso, o local é muito distante, e é um 'mundo cão'."
Presidiário precisa de transfusão
Camila Nunes Dias estuda o sistema penitenciário do Brasil há anos e refuta a alegação de que as mortes são "naturais". "Morte natural é quando o corpo vai se desgastando com a idade", afirma ela, reforçando que a maioria dos presos são jovens. Para ela, "o Estado mata o preso deixando que ele morra aos poucos".
A mãe de Jonatas Oliveira da Costa, 26, acha que esse é o caso de seu filho. Preso em Franco da Rocha, na Grande SP, sob a suspeita de ter roubado um carro, Costa tem talassemia, uma doença grave. Ela é hereditária e afeta a capacidade de produzir os glóbulos vermelhos, responsáveis por transportar o oxigênio pelo corpo.
"O Jonatas não está fazendo tratamento. Ele toma sangue e conforme toma, tem que usar um remédio para tirar o excesso de ferro. Senão, ele pode ter ataque fulminante no coração. Eles não levam ao hospital, nem fazem o tratamento dentro. Meu medo é que ele morra lá a qualquer momento", afirma a mãe, a dona de casa Jussara Mota de Oliveira Costa, 48.
Segundo a família, o presídio teria informado que não o leva para o médico por falta de escolta. "Para ele tomar os remédios corretamente, tem que fazer um tratamento aqui fora. Acham que, porque está preso, tem que morrer. Os caras do presídio não tão nem aí. Ele fez uma coisa errada e está pagando e bem caro por isso, mas tem que ficar vivo", diz a mãe.
Procurada, a SAP informa que desde que Costa entrou na unidade prisional, tem comparecido periodicamente para realização de transfusão sanguínea no Hospital São Paulo, contando com o acompanhamento pela equipe de hematologia do hospital e da penitenciária.
A nota da SAP também afirma que o paciente faz exames para controle de seus componentes sanguíneos com periodicidade não superior a 30 dias.
Superlotação agrava o problema
Ainda segundo documento assinado pelo secretário, a população carcerária paulista cresce "exponencialmente" e é a maior do país, com 226.101 pessoas presas. "A Secretaria da Administração Penitenciária depara-se com a superlotação em todo o sistema prisional", diz o documento.
Para a professora Camila, a superlotação agrava o problema. "Nós, que costumamos entrar nos presídios para pesquisas, vemos que a superlotação e condições absolutamente precárias de vida, deixam os presos com vários problemas, principalmente doenças de pele, como sarna e carrapato, que se transmitem de um para outro", afirma
Atendimento é garantido a todos, diz secretário
O secretário da Administração Penitenciária, Lourival Gomes, informa à Ouvidoria Geral que São Paulo tem se esforçado para tratar a saúde de quem está preso sob custódia do Estado. "Informo que esta Secretaria de Estado não se exime de prestar atendimento médico-hospitalar a toda a população prisional do Estado", diz o secretário.
Ao entrar no sistema prisional, o preso pode informar em entrevista se tem alguma doença. "Se trazem consigo medicamentos prescritos por médicos, os quais, se confirmados, continuam a ser ministrados pelos funcionários da área de saúde, caso contrário, passam por nova consulta para confirmar ou não nova prescrição", explica.
Os casos mais complexos são encaminhados à rede pública de saúde ou ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário da Fundação ABC. Quando os detentos necessitam de atendimento em especialidades, as consultas e procedimentos médicos são agendados por meio do sistema Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços em Saúde).
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