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Réus de protesto anti-Temer que vão a julgamento nesta sexta relatam "terror"

Familiares, amigos, jovens e estudantes secundaristas recepcionam os jovens soltos ano passado após audiência no Fórum Criminal da Barra Funda - Paulo Ermantino/Estadão Conteúdo
Familiares, amigos, jovens e estudantes secundaristas recepcionam os jovens soltos ano passado após audiência no Fórum Criminal da Barra Funda Imagem: Paulo Ermantino/Estadão Conteúdo

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

21/09/2017 04h00

Dezoito jovens presos pela Polícia Militar ano passado pouco antes de um ato contra o governo de Michel Temer (PMDB), em São Paulo, têm nesta sexta-feira (22) a primeira audiência judicial desde que foram acusados pelo Ministério Público de associação criminosa e corrupção de menores.

O grupo, que contava ainda com três adolescentes, foi detido no CCSP (Centro Cultural São Paulo), zona sul da capital paulista, antes mesmo de seguir para o ato, que pediu eleições diretas e reuniu, segundo os organizadores, cerca de 100 mil pessoas da Paulista até o Largo da Batata, zona oeste da cidade.

Para o promotor Fernando Albuquerque de Souza, os denunciados “associaram-se para a prática de danos qualificados consistentes na destruição, inutilização e deterioração do patrimônio público e privado e lesões corporais em policiais militares.”

No final do mês passado, a juíza da 3ª Vara Criminal do Fórum Criminal da Barra Funda, Cecília Pinheiro da Fonseca, aceitou a denúncia e transformou os 18 em réus. O processo, entretanto, corre em segredo de Justiça, já que há três menores de idade citados.

No momento da detenção, quem também estava no grupo era um oficial infiltrado pelo Exército, o então capitão Wilson Pina Botelho. Promovido a major em dezembro passado, Botelho se apresentava ao grupo em redes sociais e aplicativo de paquera como o militante de esquerda “Baltazar Nunes”.

A presença do militar foi revelada à imprensa por manifestantes e admitida pelo próprio Exército. Botelho chegou a ter conduta investigada em um inquérito que acabou arquivado, no fim do ano passado, pela Justiça Militar. A denúncia do promotor contra os 18 jovens – a maior parte deles, na faixa dos 20 anos – não faz menção ao oficial.

O major do Exército William Pina Botelho se apresentava nas redes sociais como "Balta Nunes" - Reprodução/SBT - Reprodução/SBT
O major do Exército William Pina Botelho se apresentava nas redes sociais como "Balta Nunes"
Imagem: Reprodução/SBT

“Os ora denunciados e os menores acertaram que parte do grupo levaria consigo os objetos utilizados nas depredações – barra de ferro e disco metálico, parte carregaria produtos de enfermagem para realizar pequenos curativos em caso de lesões sofridas no confronto, outros transportariam máscaras e capuzes – para ocultar a identidade de todos – e um deles transportaria os telefones celulares dos demais em uma mochila”, observou a denúncia.

Um dos denunciados, que teve apreendidos equipamentos de foto e vídeo, faria, segundo o promotor, “registro das ações criminosas e posterior divulgação em redes sociais e outros meios de veiculação de ideias”. Outros deles, destacou a denúncia, “ficaram encarregados de levar consigo máscaras e capuzes, frascos contendo vinagre – utilizado para minorar os efeitos do gás que a polícia usa para debandar arruaceiros”.

Souza aponta ainda a apreensão de um “disco de metal que seria utilizado como escudo e barra de ferro para desferir golpes que lesionariam policiais e danificariam patrimônio público e particular” e defendeu que, no local das prisões, os manifestantes “partiriam para os locais de destruição e confronto.”

O promotor elencou quatro policiais militares e um delegado da Polícia Civil como testemunhas da acusação no processo. De acordo com a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, a audiência desta sexta servirá para que testemunhas e réus possam ser ouvidos, e eventuais provas, apresentadas.

"Até hoje não sei mais o que é dormir direito"

Uma das rés no processo, a cineasta Janaina Roque, 29, nega que seja adepta da tática black bloc e que tivesse, portanto, intenção de depredação de patrimônio público ou privado. A jovem relatou ao UOL que aquele seria o segundo protesto de que participaria na vida –o primeiro, em abril, também contestava o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).

“Nesse último ano, perdi dois empregos, porque o nome fica vinculado a algo que não fiz. Você vive um terror; eu sempre acho que alguém está me perseguindo em todo lugar a que eu vou. Se pego Uber, dou print na tela do celular e envio ao meu marido porque sempre temo pelo que possa acontecer. Isso tudo é um absurdo do começo ao fim, e o pior é que não dá para saber o que esperar”, desabafou.

A jovem relatou ter marcado com amigos o encontro no CCSP. Como integrava um grupo de primeiros socorros a vítimas de violência policial em atos públicos, disse, carregava material de primeiros socorros em caso de necessidade.

“Eu tinha gaze, soro, máscara, luvas, Dorflex e pomada para contusão. Fomos revistados diversas vezes, tanto no CCSP quanto na delegacia e no fórum, inclusive revistas íntimas, e não havia nada que nos incriminasse. Nossos celulares nunca foram devolvidos”, afirmou. “A barra de ferro foi plantada por um policial, vários de nós vimos isso. E na mochila de um colega que nem era o dono da mochila. Mesmo assim, o promotor denunciou –e detalhe é que até hoje lutamos pelas imagens do centro cultural”, enfatizou.

Sobre uma de suas demissões, Janaina explicou que foi indagada pelo empregador sobre o porquê de não ter mencionado o episódio de setembro já no processo seletivo. “Como é que eu ia dizer que fui presa injustamente?”, indagou, para completar: “ Não sou, nem nunca fui, black bloc; sou contra depredar algo que eu também ajudo a pagar. Até aquele dia, por sinal, eu sequer sabia o que era um P2 [policial à paisana, da área de inteligência]. E até hoje não sei mais o que é dormir direito. O que a gente vive é um terror”, classificou.

"Eu escutava sirene de ambulância e achava que era a polícia atrás de mim"

Também detido no dia do protesto, o estudante Felipe González Zolesi, 21, teve o equipamento de foto e vídeo avaliado em R$ 8 mil apreendido. Até hoje, mais de um ano depois, nada foi devolvido.

“Essa é uma situação que causa muito nervosismo, porque a gente sabe que uma denúncia dessas é ridícula e jamais deveria sequer ser recebida por algum juiz. Eu tentava passar na universidade e isso me afetou bastante, e nem black bloc eu sou --nem de preto, aliás, eu estava”, disse.

O estudante contou que passa por tratamento psicológico, desde a prisão, a exemplo de outros colegas. “Agora melhorei, mas teve uma época, nesse tempo, em que eu escutava sirene de ambulância e achava que era a polícia atrás de mim; ainda tomo remédios. Isso afetou a minha família, também, minha ficou muito mais nervosa com essa situação. E eu não depredei e nem depredaria nada –não tinha por que ser denunciado”, definiu.

Na denúncia, o promotor escreveu que “populares notaram o que estava por ocorrer e acionaram policiais militares, os quais foram até o endereço acima referido e prenderam os ora denunciados em flagrante”. Essas supostas testemunhas, entretanto, não constam do processo nem do boletim de ocorrência registrado à época.

O UOL tenta ouvir o promotor sobre o caso desde a semana passada. Nessa quarta (20), a assessoria de imprensa do Ministério Público informou, por e-mail, que Souza não foi localizado.

Juiz que havia soltado manifestantes criticou ação da PM

Ano passado, os jovens foram postos em liberdade no dia seguinte à prisão por decisão do juiz Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo. O magistrado decidiu soltar o grupo e criticou a ação da Polícia Militar: "O Brasil como Estado Democrático de Direito não pode legitimar a atuação de praticar verdadeira 'prisão para averiguação' sob o pretexto de que estudantes poderiam, eventualmente, praticar atos de violência e vandalismo em manifestação ideológica. Este tempo, felizmente, já passou".

"Destaco que a prisão dos indiciados decorreu de um fortuito encontro com policiais militares que realizavam patrulhamento ostensivo preventivo, e não de uma séria e prévia apuração, de modo que qualificar os averiguados como criminosos à míngua de qualquer elemento investigativo seria, minimamente, temerário", escreveu o juiz em sua decisão. O magistrado acrescentou: "não há, mínima, prova, de que todos se desconheciam."