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Ato é repugnante, mas não é crime, diz juiz que soltou suspeito de ejacular em passageira em SP

Evandro Quesada da Silva, 26, ao deixar ontem o 30º DP rumo à audiência de custódia que o libertou, nessa quarta-feira (27), em SP - Marcelo Chello/Estadão Conteúdo
Evandro Quesada da Silva, 26, ao deixar ontem o 30º DP rumo à audiência de custódia que o libertou, nessa quarta-feira (27), em SP Imagem: Marcelo Chello/Estadão Conteúdo

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

28/09/2017 13h07

O homem preso em flagrante nesta quarta-feira (27) depois de ejacular em uma passageira de ônibus na cidade de São Paulo foi solto pela Justiça menos de dez horas depois de ser pego pela polícia. Evandro Quessada da Silva, 26, havia sido preso por atacar uma passageira que estava de pé e de costas para ele no veículo que circulava pela região do Tatuapé, na zona leste paulistana. O ataque de Silva, que até então não tinha passagens pela polícia, foi o terceiro, de natureza sexual, registrado pela polícia em ônibus da capital em pouco mais de quatro horas.

O caso foi registrado pela Polícia Civil, no 30º DP (Distrito Policial), como flagrante de violação sexual mediante fraude --crime que é inafiançável e rende até seis anos de prisão. “O agressor usou de uma forma que impossibilitou a defesa da vítima e que foi contrária à vontade dela”, disse, ontem, o delegado Rubens Salles Pereira.

O juiz que assinou a soltura de Silva na audiência de custódia realizada no Fórum Criminal da Barra Funda, Rodrigo Tellini de Aguirre Camargo, entendeu que a conduta do rapaz se enquadrou em contravenção penal, e não crime.

“O crime de posse sexual mediante fraude pressupõe o emprego de ardil como meio de execução e, no caso concreto, não houve qualquer contato anterior entre o averiguado e vítima que pudesse indicar ter sido ela enganada. Ademais, a surpresa, por si só, não configura meio fraudulento hábil a justificar a adequação típica”, escreveu o magistrado.

Segundo ele, na qualificação dada pela Polícia Civil, “se exige a adesão da vontade da vítima à prática do ato libidinoso”, manifestação que “deve estar viciada pela fraude empregada pelo autor que com ela pratica o ato libidinoso”.

A hipótese é distinta, na avaliação do juiz, “daquela narrada nos autos, em que a vítima só percebeu a ação do acusado quando surpreendida pela ejaculação em sua perna, não praticando qualquer ato com o autor”.

Em outro trecho da decisão, Camargo pondera que "a conduta do indiciado é bastante grave e repugnante, atos como esse violam gravemente a dignidade sexual das mulheres, mas, infelizmente, penalmente, configuram apenas contravenção penal”.

Vítima relata "sensação de nojo, de desrespeito"

Em entrevista ontem, a vítima de Silva, uma assistente administrativa que seguia para o trabalho, disse ter gritado assim que percebeu o ocorrido. “Senti um movimento, e, depois, um negócio caindo na minha perna e no meu pé. Vi que estava sujo. Na hora desacreditei, pensei: ‘não é isso’. Mas, quando olhei para ele, vi que estava fechando o zíper”, disse ela.

Ainda assustada, a jovem disse ter acompanhado outros casos semelhantes pela imprensa. "Tenho visto isso na TV e jamais imaginei que aconteceria comigo. É uma sensação de nojo, desrespeito, não sei explicar direito --nunca tinha passado por isso. Minha perna está tremendo até agora”, afirmou aos jornalistas, na delegacia, mais de duas horas após o ocorrido. “Minha primeira reação foi gritar."

O UOL não localizou o suspeito. Procurado, o advogado de Silva citado nos autos, Marcílio Ribeiro Paz, também não foi encontrado pela reportagem para comentar o caso.

Segundo solto em um mês após ejacular em passageira

Há menos de um mês, também em uma audiência de custódia no fórum da Barra Funda, outro preso por ejacular em uma passageira de ônibus era liberado pela Justiça sob a análise de que havia cometido contravenção penal, e não crime.

A decisão proferida então pelo juiz José Eugênio do Amaral Souza Neto libertou o auxiliar de serviços gerais Diego Ferreira de Novais, 27, que atacara, em 29 de agosto, uma passageira de ônibus na avenida Paulista. Na ocasião, ele foi preso em flagrante por estupro depois de ejacular no pescoço da mulher.

O caso gerou comoção pública --tanto pelo entendimento do magistrado de que Novais não havia cometido a violência descrita no Código Penal como estupro, tampouco subjugado a vítima, como pelo histórico do agressor: ele tinha ao menos 17 boletins de ocorrência anteriores por estupro e assédio sexual no transporte público.

Entidades ligadas à Promotoria e aos magistrados defenderam o juiz e o promotor do caso, Márcio Nakada. 

Novais acabou preso quatro dias depois de ser solto ao atacar outra mulher em um ônibus na região da Paulista. Enquadrado ali por estupro, foi preso preventivamente e denunciado por esse crime, semana passada, pelo Ministério Público paulista.

Há um mês, TJ lançou campanha contra assédio no transporte

Casos como os de ontem em São Paulo vêm à tona pouco menos de um mês após o lançamento de uma campanha pelo Tribunal de Justiça paulista, em parceria com as empresas de transporte público, para o combate aos casos de assédio nesses ambientes.

A proposta é que, a partir de outubro, homens presos em flagrante nessas situações passem por uma espécie de curso de reciclagem com questões como machismo e masculinidade, desde que não sejam reincidentes. Isso valeria como uma alternativa de pena a crimes de menor potencial ofensivo.

O curso será ministrado pelo sociólogo Sérgio Barbosa no fórum da Barra Funda e já é aplicado a autores de violência doméstica. De acordo com a juíza, a ação resultou em queda de 77% para 6% no índice de reincidência.