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Inaugurado em 2014, presídio em São Paulo nunca teve médico ou dentista

Detentos da penitenciária masculina de Taquarituba (SP) não têm atendimento médico - Divulgação/Defensoria Pública de São Paulo
Detentos da penitenciária masculina de Taquarituba (SP) não têm atendimento médico Imagem: Divulgação/Defensoria Pública de São Paulo

Flávio Costa*

Do UOL, em São Paulo

29/06/2018 04h00Atualizada em 29/06/2018 17h05

Em 15 de fevereiro passado, o preso Diego Leandro Ramos desmaiou dentro de sua cela na Penitenciária Masculina de Taquarituba, cidade distante 326 km de São Paulo. Após examiná-lo, duas auxiliares de enfermagem afirmaram que "ele não tinha nada". Um diretor do presídio decidiu então colocá-lo em uma cela disciplinar, onde Ramos passou mal. De volta à enfermaria, ficou em observação até morrer ao final daquele dia. Em nenhum momento, ele foi atendido por um médico.

O relato acima consta em uma ação civil pública da Defensoria Pública de São Paulo, cujo objetivo é fazer com que o governo paulista, por meio da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária), e a prefeitura da cidade instalem uma equipe mínima de saúde no presídio, como prevê a legislação. Desde que foi inaugurada, em 26 de dezembro de 2014, a unidade prisional nunca teve um médico ou um dentista.

Uma equipe mínima de saúde para presídios prevê a contratação de médicos, dentistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos e assistentes sociais.

"A situação constatada é bárbara, caótica, degradante e desumana", afirmam os defensores públicos na petição inicial. Eles inspecionaram a penitenciária em 16 de março de 2018, um mês depois da morte do preso acima mencionado. O processo tramita desde da última sexta-feira (22) na Vara Cível e da Fazenda Pública de Taquarituba.

Após a publicação desta reportagem, a SAP enviou nota em que afirma que a população carcerária de São Paulo "recebe atendimento médico, seja dentro da própria unidade, seja por meio da rede do Sistema Único de Saúde". (Leia resposta completa abaixo).

Leia Mais:

Dados obtidos pelo UOL, por meio de Lei de Acesso à Informação, mostram que quatro presos da penitenciária morreram durante o ano de 2017. Dois por broncopneumonia, um por embolia pulmonar e um por enforcamento (um possível caso de suicídio).

"Por mais trágico, triste e ilegal que pareça, essa unidade foi inaugurada sem ter uma equipe mínima de saúde, como determina norma do Ministério da Saúde", afirma o defensor público Mateus Moro, um dos coordenadores do Núcleo Especializado de Situação Carcerária.

"A população carcerária é um grupo mais vulnerável a doenças como tuberculose, devido às condições insalubres aos quais os presos são submetidos nas unidades prisionais. A ausência de uma equipe mínima de saúde agrava essa situação", afirma Moro.

Segundo dados do Ministério da Saúde, obtidos pela reportagem com fontes ligadas ao Depen (Departamento Penitenciário Nacional), "pessoas privadas de liberdade têm, em média, chance 28 vezes maior do que a população em geral de contrair tuberculose. A taxa de prevalência de HIV/Aids entre a população prisional era de 1,3% em 2014, enquanto entre a população em geral era de 0,4%".

UOL teve acesso a fotografias da inspeção que revelam presos com lesões corporais, com precária higiene bucal (cáries) e até um com um tumor abdominal de enorme extensão. As imagens mostram também a superlotação carcerária na unidade.

Duas auxiliares de enfermagem para quase 2.000 presos

De acordo com a Defensoria Pública, as únicas profissionais que trabalham na penitenciária de Taquarituba são as duas auxiliares de enfermagem citadas no começo deste texto. Elas ministravam medicamentos aos presos doentes sem qualquer prescrição médica, irregularidade constatada pelo Coren (Conselho Regional de Enfermagem). Um agente penitenciário admitiu aos defensores públicos que também ministrava remédios aos presos.

Um preso chegou a enviar uma carta à presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministra Cármen Lúcia, denunciando a falta de condições mínimas de saúde na unidade prisional.

No dia da inspeção feita pela Defensoria Pública, cumpriam pena no presídio 1.815 pessoas. A unidade foi construída para abrigar 847 pessoas.

O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística) estima que Taquarituba tenha uma população de 23.240 pessoas.

Taquarituba - Divulgação/Defensoria Pública de São Paulo - Divulgação/Defensoria Pública de São Paulo
A Penitenciária Masculina de Taquarituba está superlotada
Imagem: Divulgação/Defensoria Pública de São Paulo
Em relação à prefeitura da cidade, os defensores afirma que a atual gestão se nega a celebrar convênio para repasse de verba federal e a aderir à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional. A prefeitura presta apenas atendimento de pronto-socorro aos detentos. 

Por meio desses recursos federais, médicos poderiam ser contratados pela Prefeitura de Taquarituba para trabalharem no presídio, já que pela legislação os presos são considerados cidadãos do município onde cumprem pena. 

"A competência nesse caso é tanto do município quanto do estado. Quando é destinada uma verba federal para a área de saúde, já entra no cálculo a população carcerária. Se a prefeitura adere a esse convênio, ela receberá mais uma outra verba para garantir o atendimento", afirma o defensor público Mateus Moro.

 Outro lado

Publicada em 1º de setembro de 2017, reportagem do UOL revelou que a garantia de atendimento médico nas penitenciárias paulistas tem esbarrado na dificuldade da SAP em recrutar médicos e profissionais de saúde. O salário de R$ 7.400 é considerado pouco atrativo.

Após a publicação desta reportagem, a SAP enviou nota em que afirma que a população carcerária de São Paulo "recebe atendimento médico, seja dentro da própria unidade, seja por meio da rede do Sistema Único de Saúde".

Leia a nota completa:

"A Secretaria da Administração Penitenciária informa que toda a população prisional do Estado recebe atendimento médico, seja dentro da própria unidade, seja por meio da rede do Sistema Único de Saúde. Os casos mais complexos são encaminhados à rede pública de saúde, ao Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, que é o único do país  e funciona no Complexo do Carandiru, que presta atendimento exclusivo a presos, aos hospitais de referência em saúde e quando necessitam de atendimento em especialidades podem agendar por meio do Sistema CROSS – Central de Regulação de Ofertas de Serviços em Saúde em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde.

A Pasta vem ainda reiteradamente realizando concursos para contratação de médicos para os presídios, contudo, há falta de interesse dos profissionais em preencher as vagas. Para tentar suprir a deficiência de médicos a SAP estabeleceu parcerias com os municípios em que há um incentivo financeiro para aqueles que aceitarem assumir a Atenção Básica dentro dos ambulatórios de saúde das unidades prisionais."

Por sua vez, a prefeitura de Taquarituba afirmou, em nota, que "inicialmente solicitou para que o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] inclua a população carcerária de Taquarituba nas estimativas do Censo e posteriormente será ajustado o convênio, pois essa população é inexistente teoricamente para o município".

* Colaborou Leonardo Martins, do UOL, em São Paulo