Interdição na marginal põe à prova capacidade de São Paulo resistir ao "caos"
Após o feriado prolongado de seis dias, a rotina de milhões de pessoas que circulam pela cidade de São Paulo deverá ser modificada a partir desta quarta-feira (21) em razão do viaduto que cedeu na madrugada do dia 15 de novembro e obrigou a interdição por tempo indeterminado de cerca de 10 km da pista expressa da marginal Pinheiros.
Medidas emergenciais estão sendo adotadas, mas é consenso entre especialistas e integrantes do próprio governo municipal que nenhuma delas compensará a "perda" de uma das principais artérias da capital paulista. Quanto pior ficará o trânsito na cidade, no seu primeiro dia de grande teste, ninguém sabe.
O viaduto, que cedeu cerca de 2 metros, tem mais de 500 m de extensão, e 200 m dele foram afetados pelo colapso parcial. Fica junto ao parque Villa-Lobos, a cerca de 500 m da ponte do Jaguaré, na zona oeste da capital paulista, e é rota de acesso à rodovia Castelo Branco (SP-280), principal ligação da Grande São Paulo com o interior paulista, e à marginal Tietê.
Inaugurado há 40 anos, em outubro de 1978, com a promessa de encurtar a distância de motoristas entre as marginais e eliminar gargalo de congestionamentos, o viaduto feito de concreto protendido (com resistência adicional em relação ao concreto comum), dispõe de cinco faixas de tráfego e, segundo a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), 1.500 veículos circulavam em cada uma delas por hora.
Após o acidente, 20 km da pista expressa da marginal Pinheiros chegaram a ser interditados. Desde segunda-feira (19), o bloqueio da via expressa caiu para 10 km, entre a ponte Eusébio Matoso e o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, nas cercanias do local do acidente. Não há previsão para o fim dessa interdição.
Tráfego por trechos de 5 km contra efeito "funil"
As autoridades responsáveis pelos transportes em São Paulo lançaram medidas de emergência para mitigar o impacto da perda de parte estratégica da marginal Pinheiros.
Trecho 1: da ponte João Dias, na zona sul, até a ponte Octavio Frias de Oliveira (Estaiada), no sentido Castelo Branco.
Trecho 2: Da ponte Estaiada até a ponte Eusébio Matoso, no sentido Castelo Branco. Nesse ponto, os veículos são levados definitivamente para a pista local, pois a partir dali o bloqueio da pista expressa é total.
A prefeitura promete a criação de novos desvios (no mínimo, três) para os veículos ao longo dos trechos liberados da via expressa. Por seu caráter expresso, de fluxo veloz, a via possui poucas saídas.
Segundo os técnicos, serão acessos com mais de uma faixa, desenho geométrico e nivelação do solo adequados e asfaltados, de modo a preservar a segurança dos motoristas. A expectativa é de que novos acessos estejam disponíveis em uma semana.
Técnicos da Prefeitura de São Paulo e da CET avisam que novas medidas poderão rever ou mesmo ampliar as já adotadas, segundo um monitoramento atento e dinâmico do trânsito na cidade de São Paulo.
Escolha rotas alternativas
- Dentro da cidade: utilizar as avenidas Brigadeiro Faria Lima, Pedroso de Morais, Prof. Fonseca Rodrigues e Dr. Gastão Vidigal, onde o motorista pode optar por seguir em frente para a marginal Tietê, sentido rodovia Ayrton Senna, ou pegar acesso em direção à ponte dos Remédios.
- Chegada à cidade: quem chegar pelas rodovias Anchieta, Imigrantes, Régis Bittencourt e Raposo Tavares deve utilizar o Rodoanel e a rodovia Castello Branco.
- Quem vem da zona sul: quem for no sentido centro deve pegar as avenidas Interlagos, Washington Luís, Moreira Guimarães, Rubem Berta, 23 de Maio e passar pelo túnel Anhangabaú. Para o sentido Santo Amaro, as avenidas Senador Teotônio Vilela, Atlântica, passando pelo Largo do Socorro e chegando à avenida Washington Luís.
"Novo cálculo da rota"
Autoridades da prefeitura estimam que o trânsito vá se "acomodar" em duas ou três semanas, auxiliado em grande medida pelo uso de aplicativos de rotas de trânsito, como o Waze e o Google Maps.
Desde setembro de 2017, a prefeitura paulistana e o Waze firmaram parceria e compartilham dados em tempo real da movimentação pelas vias, favorecendo intervenções mais rápidas e correções oportunas.
Conforme dados do Waze, que pertence ao Google, são 4,4 milhões de usuários ativos do aplicativo na Grande São Paulo, o número mais expressivo da empresa entre todas as regiões metropolitanas no mundo.
A frota total (carros, caminhões, ônibus, motos etc.) registrada na capital paulista vem crescendo ano a ano e é de 8,76 milhões de veículos, conforme dados de julho deste ano do Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo).
Em 2011, obras duraram seis meses
O cidadão e o motorista paulistanos devem se preparar para a média ou longa duração dessa nova realidade da mobilidade local. Em novembro de 2011, por exemplo, parte da amurada da ponte dos Remédios, sobre a marginal Tietê, ruiu e o tráfego só foi liberado definitivamente após seis meses de obras.
Especialistas em mobilidade e planejamento urbanos ouvidos pelo UOL frisam que os aplicativos de trânsito devem ser essenciais para ajudar a desafogar o fluxo, mas insuficientes contra a inevitável lentidão provocada pela ausência de uma das grandes artérias da capital.
"Nas avenidas Pedroso de Moraes e Faria Lima, que são espelho [paralelas] da marginal Pinheiros, pode haver mais trânsito. Isso porque há uma tendência dos aplicativos de trânsito entenderem esses canais como rotas alternativas e sobrecarregarem o fluxo. Isso justifica a urgência máxima na tomada de decisões da administração", diz Creso Peixoto, professor de engenharia civil da FEI (Fundação Educacional Inaciana) e mestre em transportes.
O engenheiro explica que a maior circulação de caminhões e ônibus em vias próximas ao local interditado deve impactar diretamente a velocidade com que os carros trafegam e ainda poluir mais o meio ambiente.
"Não é que sou contra caminhões, pois são essenciais. Mas, nesse contexto, vão criar mais dificuldades. Se transitarem pelo Morumbi [zona sul], por exemplo, onde tem morros, a poluição aumenta, e o deslocamento é mais lento", afirma.
Buscando novos caminhos
O professor e pesquisador Ciro Biderman, do Cepesp (Centro de Estudos da Política e Economia do Setor Público), da FGV (Fundação Getulio Vargas), acredita que a população procurará alternativas para evitar passar pela região e esse fluxo deve se diluir pela cidade.
"Antigamente, demorava mais o ajuste de caminhos. Você tinha um problema intenso na região bloqueada e com o tempo isso diluía, pois a população achava alternativas. Com os aplicativos de mobilidade, o ajuste é rápido. Ele te indica um caminho e você já troca. Mas vai ter um gargalo ocorrendo certamente", avalia.
Ele explica que a marginal Tietê, na ligação com a rodovia Castelo Branco, pode ter trânsito complicado por ser uma alternativa a Pinheiros, mas não acredita em "muitos impactos" sobre o transporte coletivo como um todo. Para Biderman, a velocidade dos trens e ônibus é baixa e os passageiros talvez não sintam tanto a mudança.
"Hoje o transporte coletivo é lento. Então acredito que vai ficar mais devagar, mas nada muito fora da realidade que já acontece todos os dias. Talvez até mais pessoas procurem o transporte coletivo, que deve ser uma alternativa aos veículos em vias congestionadas", considera.
Viadutos para quê?
Para Biderman, o uso de viadutos na cidade deveria ser repensado. Ele considera que as "obras de arte", como os engenheiros nomeiam pontes e viadutos, espalhadas pela cidade, muitas vezes são construídas para favorecer o fluxo de carros e isso compromete a circulação viária.
Ele cita o viaduto que cedeu e compara com a estrutura viária sobre a avenida 9 de Julho, que liga o centro da capital paulista à região sudoeste, que chegou a ser exclusivo para ônibus e, atualmente, também comporta carros.
"Quando um viaduto não passa por cima de um rio, não ultrapassa um obstáculo ou algo assim, a obra de arte que foi construída não ajuda no fluxo da cidade. Isso barateia o custo para a sociedade e se acontecer algo grave, como abrir um buraco na via, em poucos dias se resolve. Mas, agora, como se conserta um viaduto em pouco tempo? Não tem como, além de que a manutenção é cara", contabiliza.
Ele ainda cita o Minhocão, ou elevado Presidente João Goulart, na região central. "Se transformasse o Minhocão em um parque, o fluxo iria se distribuir e o impacto ia ser pequeno. Algumas pessoas que fazem esse trecho talvez migrassem para bicicleta. Então tem alternativas. Destruir é complexo, mas tem o que se fazer e talvez valha a pena pensar nesses custos em vez de se pensar em manutenção do fluxo de veículos", sugere.
Na visão de Creso Peixoto, um questionamento pertinente é sobre os critérios utilizados para fiscalizar os viadutos. "Desde 1987 há uma intensa motorização no país e os contextos mudam. É preciso que se tenha uma análise com critérios definidos sobre a manutenção dessas estruturas. São temas viários imprescindíveis, quando há muitos veículos em uma cidade. Eu sempre digo que viaduto não é telhado. Não se pode, por exemplo, construir comércio embaixo deles. Sua utilidade é outra, não foram feitos para isso", questiona Peixoto.
"Negligência e incompetência"
Nos cálculos do engenheiro Luiz Célio Bottura, consultor nas áreas de transporte e planejamento urbano, "um terço da cidade de São Paulo será afetado pela interdição, sobretudo suas porções sul-sudeste".
"Vai ser um caos, em especial nesta quarta-feira (21), porque as pessoas ainda não conhecem seus novos caminhos e não puderam desmarcar seus compromissos", explica Bottura. "Os profissionais da CET têm se empenhado, mas não dá para fazer milagre devido à importância do trecho da marginal atingido."
O engenheiro prevê alguma regularização do trânsito de veículos em dois ou três dias, com a acomodação e incorporação de novas rotas à rotina do motorista na cidade.
Para Bottura, entretanto, o transtorno adicional à vida dos cidadãos e motoristas que circulam por São Paulo, já marcada por congestionamentos, seria desnecessário caso houvesse preocupação continuada com o monitoramento e manutenção das edificações da capital paulista.
"Um viaduto, uma ponte, qualquer edificação é um ser vivo e precisa ser acompanhado ao longo de toda a sua vida, como um ser humano", compara.
"Mas quando se pede dinheiro do orçamento público para manutenção, esse dinheiro logo é cortado, porque não se considera prioridade, trata-se como frescura, não dá visibilidade política, mas o acontecimento depois é trágico", pontua, com a experiência de quem participou da gestão pública, como presidente da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.) nos anos de 1980 e conselheiro dela nos anos de 1990.
"A zeladoria em São Paulo é nota 0,5, mas é muito mais barato saber com antecedência o que vai acontecer." Para Bottura, a causa do acidente com o viaduto é clara, embora ainda não tenha sido apresentada oficialmente pelas autoridades: "Negligência e incompetência".
A Prefeitura de São Paulo informou que pedirá ao TCM (Tribunal de Contas do Município) liberação de verba emergencial para estudos e obras de manutenção de todo o conjunto de pontes e viadutos que se elevam sobre a cidade.
Escoras e estacas sob o viaduto
No viaduto que cedeu, obras emergenciais estão sendo realizadas 24 horas por dia, mesmo sob chuva. Dos 200 m afetados pelo colapso parcial, 120 m receberam o reforço de escoras de estruturas metálicas para minimizar o risco de colapso total.
Dez estacas, de tamanhos diferentes, estão sendo cravadas no solo, a profundidades variadas (até tocarem terreno impenetrável e nele se apoiarem) para dar sustentação extra à estrutura.
Em seguida, sobre uma base colocada embaixo do vão do viaduto afetado, se colocará um macaco hidráulico para suspender a estrutura, retirando o peso do pilar afetado, e tornando possível avaliar o grau de comprometimento do conjunto.
Só aí, então, mediante medições, se decidirá pela recuperação ou mesmo demolição do trecho. A prefeitura não projeta prazos de recuperação. Também ainda não se sabe quanto custará a obra.
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