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Com trens lotados, moradores da zona sul de SP correm por exame de filha e faltam ao emprego

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

21/11/2018 09h27Atualizada em 21/11/2018 09h52

Enquanto a Prefeitura de São Paulo ainda não sabe afirmar o que causou a queda parcial de parte de um viaduto na marginal Pinheiros, seis dias atrás, e nem quanto tempo a reforma --junto a restrições no trânsito-- durará, moradores da periferia da capital, acostumados a se deslocar ao centro no início da manhã em vagões de trens e metrô lotados, se adaptam a uma nova realidade nesta quarta-feira (21): espera de até 30 minutos só para poder passar a catraca, mais meia hora para entrar em uma composição.

Com o incidente do viaduto, próximo à ponte do Jaguaré, na região oeste, a linha 9-esmeralda da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que liga Osasco, na Grande São Paulo, ao Grajaú, bairro do extremo sul da capital paulista, circula com velocidade reduzida na região do viaduto.

A redução é necessária para que o atrito do trem junto à ferrovia não ameace a estrutura do viaduto, que tem ao menos um pilar comprometido e em análise 24 horas por dia.

Esta quarta-feira é o primeiro dia útil na cidade após os feriados prolongados da Proclamação da República e da Consciência Negra.

Moradores do Grajaú, no entanto, são obrigados a se virar em meio a situação.

Muitos que costumavam entrar na estação por volta das 7h se adiantaram, com receio de não chegar ao seu local de destino a tempo.

Quem deixou para chegar entre 7h e 7h30, teve de encarar longas filas para passar a catraca e, depois, uma multidão até conseguir embarcar e seguir viagem.

Houve quem ligou ao chefe avisando que chegaria atrasado, alguns que decidiram deixar de ir ao trabalho hoje e até pais que tiveram de se virar para que o filho, pequeno, não perdesse um exame médico marcado há meses.

Usuários do trem ouvidos pelo UOL temem pela volta do trabalho no fim do dia e tentam se acostumar a um serviço de transporte público, considerado por eles ruim, ainda pior.

O casal André Arthur, 24, instalador de piso de borracha, e Ketyla Letícia, 20, cabeleireira, levariam de trem a filha de 1 ano e 10 meses ao Brooklyn, para fazer um exame marcado há seis meses.

Eles tinham de chegar ao local de exame às 8h30. Até 7h30, esperaram a fila para passar na catraca desafogar. Não aconteceu. Foram de Uber.

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O casal André e Ketyla levariam a filha, de um ano e dez meses, para fazer um exame marcado há seis meses
Imagem: Luís Adorno/UOL

“A gente não costuma pegar o trem. A gente sabe que é lotado, mas não desse jeito. Vamos ter que nos virar, porque ela [filha] não pode perder esse exame de jeito nenhum. Vai ser um sacrifício se tivermos de remarcar”, afirmou a mãe.

“Já está difícil assim. Vamos ter que gastar um pouco mais para tratar a menina”, complementou o pai.

O casal e a criança estavam acompanhados na manhã desta quarta com a prima de Ketyla, a técnica veterinária Nicoly Santos, 19, que desistiu de ir ao trabalho hoje.

“Não tem a menor condição. E ainda esqueci o celular, vou ter que voltar para casa e, de lá, avisar a chefia. Amanhã vou ter que chegar muito mais cedo aqui se continuar assim”, afirmou.

Outros três moradores do Grajaú relataram à reportagem que iriam esperar até que fosse possível ao menos chegar à plataforma sem fila.

São os casos do eletricista Geneton de Oliveira, 56, da consultora imobiliária Elisabete Antonio, 60, e do montador de óculos Franklin Rodrigues, 27.

“Pego aqui [o trem] para a Cidade Jardim, onde trabalho, todo santo dia. Dificilmente está assim, com tanta gente só para passar a catraca. Vou esperar um pouco. Estou criando coragem para enfrentar isso aí. Imagina você: é isso na ida e na volta. Acaba com o peão”, afirmou Oliveira.

Rodrigues disse que vai se acostumar à situação. “O que é que a gente pode esperar? A gente paga caro por um serviço ruim, que, a cada dia, fica pior e é isso aí. Não vai mudar. Quando muda, é para pior. E o povo que só se ferra vai continuar se ferrando e se adaptando a tudo que é oferecido. É sempre assim”.

Já Elisabete afirmou que pretende mudar o trajeto dependendo de como forem os próximos dias. “Talvez eu pegue ônibus, um ou dois a mais, mas a gente tem que enfrentar sempre os desafios. É um leão por dia”.

A reportagem embarcou em um trem na estação Grajaú às 8h30 e chegou a Osasco, no outro extremo da Linha 9 às 9h29. Durante a viagem, só foi informado que haveria redução na velocidade entre as estações Cidade Universitária e Villa-Lobos Jaguaré quando a composição chegava no trecho.

O percurso entre as duas estações durou dois minutos e a redução de velocidade só pôde ser sentida ao chegar na estação Villa-Lobos. Sob o viaduto que cedeu, usuários da CPTM apontavam para a estrutura e tiravam fotos.

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O montador de óculos Franklin Rodrigues disse que vai ter que se acostumar com a situação de caos
Imagem: Luís Adorno/UOL