Parentes aguardam no IML: "Não tenho esperança de encontrar nem o corpo"
Célio Roberto Sales, 38, ajudante de caminhoneiro, mostra o celular e diz "olha aqui. Já liguei mais de 40 vezes. Vou ligando, mas sei que não vai atender".
Sentado na entrada da Academia da Polícia Civil de Minas Gerais, em Belo Horizonte, Sales se refere ao celular da prima, a motorista de caminhão Luciana Ferreira Alves, 37. Ela estava trabalhando na Mina do Feijão, na sexta-feira (25), quando a barragem da Vale ruiu, despejando milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro na região. Desde então, ninguém atende o celular de Luciana.
"Ela trabalha com caminhão-pipa. Eu já trabalhei lá. O reservatório onde os caminhões fazem a captação da água ficava mais de 30 metros abaixo da barragem", afirma Sales. "Não tenho esperança nenhuma. Nem de encontrar o corpo."
Ele diz que a mãe de Luciana não teve condições de ir ao IML (Instituto Médico Legal), que funciona num prédio anexo ao da Academia de Polícia. "A mãe está lá daquele jeito. Prostrada numa cadeira. Nem conversa", afirmou. "Eu vou ficar aqui esperando alguma notícia."
Dezenas de desaparecidos
A movimentação no IML da capital mineira, que recebe os corpos das vítimas do desastre da Vale, é grande. Parentes e amigos das vítimas permanecem no local, aguardando notícias.
A todo momento, vans estacionam nas ruas no entorno, trazendo famílias de Brumadinho, que procuram seus desaparecidos. O IML fica a cerca de 10 quilômetros do centro de Brumadinho. Dezenas de voluntários recebem essas pessoas e dão apoio médico, psicológico e espiritual logo que elas chegam.
Mesas com lanches, como sanduíches de presunto, salgados e biscoitos, além de sucos, água, chá e café são oferecidos para quem circula no local, onde não há comércio nem vendedores ambulantes.
Uma empresa de assistência funerária instalou um veículo em frente à entrada do IML, e funcionários da companhia oferecem planos e serviços.
Três caminhões frigoríficos foram estacionados no pátio do IML na manhã deste domingo (27). A Polícia Civil não confirma se esses veículos guardam corpos de vítimas. Foram identificados 16 dos 37 corpos encontrados até o momento, mas não há confirmação de quantos corpos estariam no instituto.
Os familiares das vítimas são orientados a fornecer informações para ajudar na identificação dos corpos, como características físicas dos desaparecidos, fotografias, raio x da arcada dentária, dentre outras.
'Falta de notícias deixa a gente em desespero'
Widy Augusto Ferreira da Silva, 28, foi ao IML em busca de notícias do irmão, Wiryslan Vinícius Andrade Souza, 25, que trabalhava como ajudante de serviços gerais em uma empresa terceirizada da Vale. O último contato que Souza teve com os parentes foi às 12h24 de sexta-feira. Silva diz acreditar que o irmão estava no refeitório da companhia naquele momento. O refeitório foi completamente destruído pela onda de lama.
"Estamos buscando informações em todos os lugares. Fomos ao Hospital João XXIII, andamos em todos os lugares em Brumadinho. Agora, estamos aqui. A falta de notícias é que deixa a gente em desespero".
À procura do irmão e do primo
Desde as 13h15 de sexta-feira, o vigia Jhonatan Douglas Gonçalves, 30, não fala com o irmão, o pintor industrial Jhobert Donadoni Gonçalves Mendes, 28. Mendes trabalhava na Mina do Feijão, também em uma empresa terceirizada da Vale.
"Estou procurando ele [o irmão] e meu primo, que também está desaparecido", diz.
O primo é Tiago Tadeu Mendes da Silva, pai de Ana Laura, 4, e Iago, de sete meses. Mecânico, ele trabalhava numa empresa terceirizada da Vale no dia do desastre.
"Se eu tenho esperança?", diz Gonçalves após fazer o registro dos dois parentes desaparecidos. "Tenho muita esperança. Nós vamos encontrá-los. Com vida, claro."
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