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Bolsa Família amplia inscritos em 3 anos e contradiz discurso sobre o 13°

Edson Silva - 2011/Folhapress
Imagem: Edson Silva - 2011/Folhapress

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

12/04/2019 04h00

O governo federal anunciou ontem que irá pagar 13º às famílias cadastradas no Bolsa Família com o dinheiro economizado por cortes de beneficiários irregulares do programa social.

Entretanto, o UOL pesquisou os dados oficiais fornecidos pelo Ministério da Cidadania e viu que, desde a posse de Michel Temer (MDB) na Presidência, em abril de 2016, houve aumento do número de famílias beneficiárias e de gastos. Tampouco houve redução na folha de pagamento como dito pelo governo.

Em 2019, devem ser gastos mais de R$ 30 bilhões com o auxílio.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) fez uma postagem no Twitter dizendo que os recursos para pagar o 13° são "oriundos em sua esmagadora maioria de desvios e recebimentos indevidos".

O ministro da Cidadania, Osmar Terra, afirmou na segunda que "de 17 milhões de famílias em 2015, hoje tem 13,9 milhões". "E isso foi graças a um pente fino e isso reflete no orçamento deste ano."

Terra era ministro da então chamada pasta do Desenvolvimento Social durante o governo Temer.

Segundo dados oficiais, em maio de 2016, primeiro mês completo de Temer no poder, o Bolsa Família beneficiou 13,8 milhões de famílias, com pagamento total de R$ 2,23 bilhões.

Em dezembro de 2018, quando Michel Temer deixou o cargo, esse número era de 14,1 milhões de famílias, com gasto de R$ 2,64 bilhões. Ou seja, os números de famílias e de gastos com o programa só se ampliou no período: 330 mil famílias e R$ 407 milhões a mais.

No mês de março deste ano, 14,1 milhões de famílias receberam valores do Bolsa Família, ao custo de R$ 2,63 bilhões --praticamente os mesmos números de dezembro do ano passado.

Ainda segundo o governo, não haverá reajuste do valor do auxílio pela inflação neste ano por conta da implantação desta 13ª parcela.

Nunca houve 17 milhões de inscritos no programa

A afirmação do ministro Osmar Terra de que em 2015 havia 17 milhões de beneficiários também não encontra respaldo nos dados oficiais. Na análise durante todos os meses desde janeiro de 2004, quando o programa foi criado, o recorde em número de famílias aconteceu em novembro de 2018, com 14.227.451 pagamentos.

Durante discurso na Marcha de Prefeitos, na última terça-feira, o ministro afirmou que em 2015 havia 17 milhões de famílias inscritas no programa, mas que apenas 15 milhões recebiam o benefício. Outros 2 milhões estariam numa fila de espera.

Entretanto, em e-mail enviado ao UOL em 8 de agosto de 2017, o mesmo ministério informou que "a média mensal [era] de 840 mil famílias [na fila de espera] (maio/15 a abril/16) na gestão anterior". À época do questionamento, a fila de espera era de 551 mil famílias.

Osmar Terra - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
O ministro da Cidadania, Osmar Terra
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

O que diz o governo?

Procurado para comentar os dados e de onde virão os recursos para o pagamento extra, o Ministério da Cidadania não respondeu aos pedidos da reportagem. Receberam as perguntas e foram procurados por duas vezes por telefone, mas não atenderam a solicitação. O texto será atualizado assim que uma resposta for enviada.

Em publicação em sua página no último dia 5, o ministério da Cidadania informou que não existe mais fila de espera e que todos que solicitam a inclusão passam rapidamente a receber o valor devido se tiverem direito.

"O Bolsa Família já teve fila de milhões de pessoas que precisavam participar do programa e que não conseguiam, porque a vaga estava ocupada por quem não necessitava. Acabou a fila para proteger aqueles que realmente carecem do benefício", disse Osmar Terra no texto do site do governo.

Em postagem em sua rede social, Terra disse que "o Bolsa Família ficará com o maior poder aquisitivo da sua história", o que "equivalerá a um aumento de 8,3% neste ano, que será pago integralmente em dezembro".

Bolsa Família se consolida como política pública

Para o professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Cícero Péricles, o 13° do Bolsa Família é uma iniciativa positiva "na medida em que se reconhece a importância de uma política pública de transferência direta de renda".

"Ao atravessar os governos Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro, o Bolsa Família fica sedimentado como status de política de Estado e não mais de governo", afirma o pesquisador. "Depois de 15 anos de existência, passa a fazer parte do conjunto de iniciativas como o BPC [Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos de baixa renda e deficientes], um programa que transfere renda dos setores mais ricos para os mais pobres."

Para ele, o problema é a falta de reajuste, que deveria ser automático, como é o do BPC. "Comprovadamente, esses dois programas, mais os ganhos reais do salário mínimo, permitiram, nas duas últimas décadas, melhorias na vida da imensa maioria dos brasileiros", diz.

Regras do programa

O Bolsa Família beneficia todas as famílias com renda per capita de até R$ 89 mensais e as que tenham renda por pessoa entre R$ 89,01 e R$ 178 mensais com crianças ou adolescentes até 17 anos. O número de beneficiários varia mês a mês, a depender de pedidos de desligamentos, suspensões, cancelamentos e adesões.

Segundo o Ministério da Cidadania, o programa possui uma série de mecanismos de controle e suspende beneficiários que não atualizam as informações cadastrais. Também há cortes pelo descumprimento dos compromissos nas áreas de educação e de saúde.

O beneficiário pode pedir o desligamento do programa em caso de melhoria de renda. De 2004 a 2018, 520 mil famílias deixaram o programa voluntariamente.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.