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Milícia Escritório do Crime atua como imobiliária ilegal na Muzema, no Rio

Bombeiros trabalham no local onde dois prédios desabaram na comunidade da Muzema, no bairro de Itanhangá, zona oeste do Rio de Janeiro.  - Reprodução/Twitter/OperacoesRio
Bombeiros trabalham no local onde dois prédios desabaram na comunidade da Muzema, no bairro de Itanhangá, zona oeste do Rio de Janeiro.
Imagem: Reprodução/Twitter/OperacoesRio

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

12/04/2019 12h34Atualizada em 12/04/2019 18h55

"Escuta, fala com o velho aí que o quarto andar tá fechado, daquele jeito que ele falou, que ele aprovou. Sessenta parcelas de quatro mil [reais], valor final 150 mil. (sic)".

A fala acima foi retirada de um diálogo entre integrantes da milícia conhecida como Escritório do Crime e refere-se à venda de um apartamento construído de maneira ilegal na comunidade da Muzema, na zona oeste do Rio, onde dois prédios desabaram hoje. O Corpo de Bombeiros confirmou a morte de duas pessoas, além de um número não conhecido de pessoas desaparecidas e feridas.

As informações constam na denúncia da Operação Os Intocáveis, deflagrada em janeiro pelo MP (Ministério Público). Para os promotores, líderes da milícia atuam como "sócios investidores", aplicando dinheiro obtido em atividades ilícitas nos empreendimentos imobiliários irregulares das comunidades de Muzema, Rio das Pedras e seus arredores.

O Escritório do Crime é comandado pelo ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Adriano Magalhães de Nóbrega, que está foragido há quase dois meses. Capitão Adriano, como é conhecido, é amigo do policial militar reformado Fabrício de Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), quando este foi deputado estadual.

Queiroz admitiu ter indicado a mãe e a mulher de Capitão Adriano para trabalhar no gabinete do filho mais velho do presidente da República, Jair Bolsonaro.

Veja imagens do local onde dois prédios desabaram no Rio

UOL Notícias

Dinheiro de extorsão financia construções ilegais

Os dois prédios que caíram eram construções irregulares e estavam em uma área "dominada por milícia", de acordo com a Prefeitura do Rio. Por isso, a administração municipal disse que só conseguiu chegar ao local em novembro de 2018 com apoio da Polícia Militar. As obras foram interditadas na ocasião.

A denúncia do MP detalha a atuação da milícia nas comunidades de Muzema, Rio das Pedras e seus arredores. A organização criminosa atua de forma setorizada age "em grilagem, ramo imobiliário com venda e locação ilegal de imóveis". Seus integrantes também cometem os crimes de "receptação de carga roubada, posse e porte ilegal de arma de fogo".

A milícia arrecada dinheiro com a extorsão de moradores e comerciantes da região, cobrando taxas referentes a "serviços" prestados, como segurança. O grupo age também no ramo da agiotagem e detém o monopólio da venda do gás de cozinha, entre outras atividades.

A renda proveniente dessas atividades ilegais financia os empreendimentos imobiliários irregulares.

Em chamada interceptada do dia 5 de novembro de 2018 entre dois investigados, um suspeito diz para o outro não deixar uma moradora entrar caso ela não pagasse o aluguel no dia. Segundo o MP, "a utilização da força e a demonstração de poder resta claro nos diálogos".

"Se ele não pagar o aluguel hoje, amanhã é pra travar não deixar ela entrar", diz o suspeito ao seu interlocutor.

Antes de ser preso na Operação Os Intocáveis, em janeiro, o major Ronald Paulo, da Polícia Militar, mantinha armazenadas diversas plantas de apartamentos, loteamentos de terrenos, imagens de empreendimentos em construção, contratos de locação e compra e venda de imóveis não declarados em seu Imposto de Renda, de acordo com o MP. A defesa do policial não se pronunciou publicamente sobre as acusações.

operação intocáveis - Gustavo Stephan/Agência Globo - Gustavo Stephan/Agência Globo
Em janeiro, operação no Rio prendeu cinco integrantes do Escritório do Crime, mas líder escapou
Imagem: Gustavo Stephan/Agência Globo

"Fica uma lição', diz prefeito do Rio

"A prefeitura já havia notificado, comunicou o Ministério Público, veio aqui, tentou interditar, lançou diversas multas e infrações, mas, infelizmente, as obras continuaram", disse o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), em vídeo publicado em sua página no Facebook. "Peço a todos que orem por nós".

Para o prefeito, "fica uma lição": "Quando a prefeitura notificar, multar, pelo amor de Deus, não continuem as obras porque tem risco de vida".

A construção dos prédios não foi autorizada pelos órgãos fiscalizadores, segundo nota da prefeitura. A região onde eles estão é uma APA (Área de Proteção Ambiental).

"Os prédios ali construídos não respeitam a legislação em vigor", disse a administração municipal. "Na Muzema, as construções não obedecem aos parâmetros de edificações estabelecidos, como afastamento frontal, gabarito, ocupação, número de unidades e de vagas".

Ouvinte relata cenário de destruição após desabamento de prédios no Rio

Band News

Lama nas ruas atrapalha equipes

Os prédios que desabaram ficam dentro de um condomínio de casas e prédios no interior da comunidade da Muzema. Em vários pontos de acesso ao local da tragédia, é possível ver alagamentos e concentrações de lama que impedem a chegada de socorro ao local. Na região também é possível ver diversas construções abandonadas ou em andamento.

Apenas ônibus e caminhões têm conseguido chegar ao local da tragédia, por serem mais altos. Veículos mais baixos não conseguem passar pelos bolsões que se formaram.

Uma equipe da concessionária Light, enviada para desligar a energia, está com dificuldade de chegar ao local da ocorrência devido ao acúmulo de lama após as chuvas no Rio. Segundo a empresa, os bombeiros pararam a seis quadras de distância do local devido à dificuldade nos acessos

O governador Wilson Witzel (PSC) lamentou as mortes. "Situação lamentável, que acompanho com atenção", escreveu em sua página no Twitter.