Witzel entra na mira da PGR por defender 'abate' de suspeitos
A PGR (Procuradoria-Geral da República) abriu investigação preliminar para apurar possíveis crimes cometidos pelo governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, (PSC) em razão de reiteradas declarações em defesa do "abate" de suspeitos durante operações policiais.
A decisão foi tomada na última sexta-feira (3) após a PGR receber ao menos três representações contra o governador por esse motivo --as duas primeiras enviadas pelo deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e pela deputada estadual Renata Souza (PSOL).
No fim de abril, o CNDH (Conselho Nacional dos Direitos Humanos) também protocolou uma representação contra Witzel. É a primeira vez na história que a entidade --principal conselho do Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos composto por integrantes da sociedade civil e do poder público-- denuncia um governante ao Ministério Público Federal por possíveis violações aos direitos humanos.
Segundo a PGR, a notícia de fato (como é chamado o procedimento aberto pela PGR a partir das representações) irá apurar se há indícios para a abertura de um inquérito, etapa na qual Witzel se tornaria formalmente investigado. Após a instauração da investigação preliminar, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, deve agora solicitar oficialmente informações sobre o caso.
Em diversas oportunidades, Witzel defendeu que policiais atirem para matar ao verem criminosos armados, ainda que não haja risco iminente de confronto --condição necessária para configurar legítima defesa, segundo a legislação atual. Em novembro, logo após ser eleito, ele afirmou ao jornal "O Estado de S. Paulo" que "a polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... fogo! Para não ter erro".
Na tarde de ontem, o CNDH decidiu apresentar uma segunda representação contra Witzel, dessa vez por conta de um vídeo --divulgado nas redes sociais do governador-- em que ele acompanha uma operação da Polícia Civil em Angra dos Reis, na costa verde fluminense, de dentro de um helicóptero.
Durante a ação, realizada no último fim de semana, é possível ver um sniper da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), a força de elite da Polícia Civil, disparando uma rajada de fuzil contra uma tenda utilizada por evangélicos que fazem vigílias na região, segundo vídeo exibido pela "TV Globo".
A ação viola protocolos estabelecidos pelo próprio governo do Rio. Em outubro, após decisão liminar obtida pela Defensoria Pública do estado, a Secretaria de Segurança do Rio (extinta por Witzel em janeiro) publicou uma instrução normativa com uma série de orientações para a realização de operações policiais. Entre elas, está a proibição de que atiradores em helicópteros disparem rajadas contra comunidades, como ocorreu em Angra.
Os policiais podem usar apenas o "modo intermitente" das armas, segundo o regulamento. Apesar das imagens, a Polícia Civil alega ter cumprido todas as normas referentes ao uso de helicópteros durante a operação em Angra dos Reis.
CNDH: Witzel adota "política de extermínio"
Na última segunda-feira (6), o uso de helicópteros foi novamente alvo de críticas após uma operação da Core no Complexo da Maré, zona norte do Rio, terminar com oito mortos. Moradores denunciaram que a aeronave da Polícia Civil fazia disparos a esmo. Durante uma vistoria das defensorias públicas do estado e da União na localidade, em companhia de movimentos sociais da Maré, moradores afirmaram que algumas das vítimas já estavam rendidas quando foram mortas pelos policiais.
Leonardo Pinho, presidente do CNDH, afirma que a entidade decidiu tomar uma ação inédita por entender que Witzel promove "uma política de extermínio" incentivada por declarações que configuram "discurso de ódio".
A gente entendeu que o governador que promove um discurso violador da legislação incentiva seus subordinados a adotar esse tipo de postura. Ele fala em atirar na cabecinha e em abater pessoas. Dessa forma, está decretando o instituto da pena de morte, que não existe no Brasil.
Leonardo Pinho, presidente do CNDH
"Agora ele passa do discurso de ódio para uma prática ao presenciar tiros a esmo em um caso onde não havia nenhum tipo de confronto. Se na presença do governador essa é a prática das forças policias do Rio, o que acontece quando nem ele estiver presente?", completou.
O Conselho Nacional dos Direitos Humanos decidiu ontem organizar uma visita oficial ao Rio de Janeiro para articular ações com órgãos públicos e instituições da sociedade civil sobre o aumento da violência policial no estado.
Dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) mostram que 434 pessoas foram mortas pelas polícias no Rio no primeiro trimestre --maior número desde que esses casos começaram a ser registrados, em 1998. Reportagem do UOL revelou nesta semana que o governo Witzel acumula, em cinco meses de gestão, as duas ações policiais com mais mortes desde 2013.
Procurado pela reportagem após a abertura da investigação preliminar na PGR, o governador fluminense defendeu sua política de segurança pública.
"O Governo do Estado do Rio de Janeiro ainda não foi notificado e reafirma que a operação em Angra dos Reis, no último sábado, foi para reconhecimento de áreas atingidas pela criminalidade e não houve vítimas. O Estado ressalta que sua política de segurança é baseada em inteligência, investigação e aparelhamento das polícias Civil e Militar", afirma.
O governo ainda diz que, "nas ações em áreas conflagradas, a missão da Polícia Militar é primordialmente a prisão de criminosos e apreensão de arma e drogas".
Juízes manifestam repúdio a Witzel
A AJD (Associação Juízes para a Democracia) publicou ontem uma nota de repúdio aos índices de letalidade policial registrados no primeiro trimestre do governo de Witzel.
No início da semana, a Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) já havia denunciado o ex-juiz federal à ONU (Organização das Nações Unidas) e à OEA (Organização dos Estados Americanos) por aquilo que considera uma "agenda genocida" praticada no mandato dele. Em nota, a ANJ afirma que Witzel tem incentivado as mortes no estado.
"O Governador, na qualidade de autoridade máxima, respondendo pelas polícias Civil e Militar, e pelas consequências de suas ordens, tem, sem constrangimentos, feito declarações em redes sociais e nos diversos veículos de comunicação, autorizando e incentivando o que ele mesmo denomina de 'abate' de pessoas por snipers (atiradores de elite, a longa distância), em absoluta afronta ao marco legal civilizatório", diz a nota.
A associação de magistrados afirma que Witzel adota o "extermínio de populações como política governamental" e lembra que a aplicação sumária de pena de morte expressamente é vedada pelo sistema jurídico constitucional.
"A pena capital não é aceitável, quer na concepção religiosa, à qual se vincula o Governador, quer na concepção humanista de uma sociedade moderna e desenvolvida", defende a entidade.
Procurada pela reportagem sobre o repúdio da associação de juízes, a assessoria de imprensa de Witzel encaminhou a mesma nota em que defende as ações das polícias nos primeiros meses de governo.
O comunicado destaca o aumento do valor do RAS (Regime Adicional de Serviço) (espécie de hora extra de policiais); a convocação de 391 policiais civis e planos para aumentar os quadros da PM em 3.000 homens até o fim do ano; ampliação do Departamento de Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro e a redução dos índices de homicídios e aumento da apreensão de armas.
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