Sob Witzel, Rio tem as duas operações policiais com mais mortes desde 2013
Eleito tendo como plataforma o "abate" de criminosos, o governo de Wilson Witzel (PSC), acumula, em pouco mais de cinco meses de gestão, as duas operações policiais mais letais no Rio de Janeiro desde 2013, conforme mostram dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) obtidos pelo UOL por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). Uma delas é a ação da Polícia Civil realizada ontem no Complexo da Maré, zona norte do Rio, que terminou com oito mortos.
O número de mortos na operação da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), força de elite da Polícia Civil do Rio, só é superado por uma ação da Polícia Militar nas comunidades do Fallet e Fogueteiro, em Santa Teresa, realizada em fevereiro. Na ocasião, 15 pessoas morreram. A Divisão de Homicídios e o Ministério Público investigam denúncias de moradores sobre a ação --segundo eles, ao menos nove das vítimas, que estavam em uma casa em um dos acessos às comunidades, teriam sido mortas pelos policiais mesmo após se renderem.
Segundo dados do ISP que registram individualmente todas as mortes em confronto com as forças de segurança entre janeiro de 2013 e dezembro de 2018, houve 15 operações com mortos na Maré no período. Até então, a ação com mais vítimas havia ocorrido em junho do ano passado --na ocasião, sete pessoas morreram. O caso ganhou repercussão internacional por conta da morte do estudante Marcos Vinícius da Silva, de 14 anos, baleado pelas costas durante a ação policial.
Antes de morrer, o menino teria dito que os tiros que o atingiram foram disparados de um "caveirão", como são conhecidos os blindados usados pela PM no Rio. "O meu filho falou: 'mãe eu tomei um tiro. Eu sei quem atirou em mim, eu vi. Foi o blindado, ele não me viu com a roupa de escola?'", relatou à época Bruna Silva, mãe de Marcos Vinícius.
Segundo a Polícia Civil, a ação de ontem na Maré teve como objetivo prender Thomaz Jhayson Vieira Gomes, conhecido como "3N", suspeito de ser o responsável pela guerra entre facções criminosas na comunidade do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. O criminoso, porém, conseguiu fugir.
Rajada de tiros a partir de helicóptero
Moradores denunciaram a ocorrência de muitos disparos feitos por helicóptero contra a comunidade. Em vídeos publicados nas redes sociais, é possível ver uma aeronave policial sobrevoando a Maré em baixa altitude. São ouvidos muitos tiros, mas não é possível identificar se eles eram disparados por snipers a partir do helicóptero. Por meio de nota, a Polícia Civil disse apenas, sem citar o emprego do helicóptero, que "todos os protocolos para a realização da operação foram tomados".
Em outubro do ano passado, após decisão liminar obtida pela Defensoria Pública do estado, a Secretaria de Segurança do Rio, extinta por Witzel, publicou uma instrução normativa com uma série de orientações para a realização de operações policiais. Entre as providências, está a proibição de que atiradores em helicópteros disparem rajadas contra comunidades. Os policiais podem usar apenas o "modo intermitente" das armas, segundo o regulamento.
No fim de semana, o governador Wilson Witzel participou de um sobrevoo em um helicóptero da Core durante uma operação em Angra dos Reis, na costa verde do Rio. Em um vídeo feito de dentro da aeronave e exibido pelo telejornal "RJTV", da TV Globo, é possível ver que um atirador de elite disparou ao menos uma rajada contra uma área de mata.
A Polícia Civil alegou que os disparos foram feitos contra uma casamata montada por traficantes em uma área de vegetação, mas moradores afirmam que o local é utilizado por integrantes de igrejas evangélicas da região. A corporação afirmou que todas as normas sobre o uso de aeronaves foram respeitadas durante a ação.
Outro ponto da instrução normativa estabelece que deve haver um canal de comunicação sigiloso com autoridades das áreas de saúde e educação, de modo que sejam reduzidos os riscos para a população que utiliza esses equipamentos públicos. Na operação de ontem, porém, estudantes da rede municipal tiveram que correr em meio ao tiroteio após serem liberados da escola.
Segundo o defensor público Daniel Lozoya, do Nudedh (Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos), até hoje o governo fluminense não cumpriu a determinação judicial de elaborar um plano para a redução de danos durante as operações. Ele afirma que denúncias de moradores sobre a operação de ontem serão encaminhadas ao Ministério Público. Hoje, MP e Defensoria fazem uma visita à Maré.
"A gente está em contato com a ONG Redes da Maré. Eles já encaminharam testemunhas sobre a atuação dos policiais. Esses relatos serão encaminhados ao MP", disse Lozoya.
De acordo com o ISP, as mortes em confrontos com policiais no Rio chegaram a um nível recorde no primeiro trimestre deste ano. Ao todo, 434 pessoas foram mortas em ações das forças de segurança, o maior número desde o início da série histórica do ISP, iniciada em 1998. O número representa um aumento de 41,8% em relação ao mesmo período de 2018, quando foram registradas 306 mortes em confronto.
Governador endossa ação na Maré
A Polícia Civil afirma ainda que todos os mortos na ação eram suspeitos de envolvimento com tráfico. "Houve resistência dos criminosos e oito suspeitos de fazerem parte do tráfico foram baleados e morreram no confronto. Outros três foram conduzidos à delegacia, entre eles um segurança pessoal do 3N e a mulher dele", disse a polícia por meio de nota.
Os nomes dos baleados não foram divulgados. A ação ainda teve a apreensão de sete fuzis, três pistolas, carregadores com munição, 14 granadas, cerca de R$ 35 mil e drogas.
Ao jornal "O Globo", Witzel endossou a ação da Core na Maré.
Se você reclamar da atuação da polícia, é melhor não ter polícia. Se formos reclamar que tem polícia na rua e trabalhando, então é melhor fechar isso aqui e entregar a chave para o tráfico de drogas. A princípio, quem foi morto é porque estava de fuzil e atirou contra a polícia.
Wilson Witzel, governador do Rio
Em fevereiro, Witzel disse, mesmo diante das denúncias de abusos, que "o que aconteceu no morro Fallet-Fogueteiro foi uma ação legítima da PM".
Witzel foi procurado para comentar os recordes de letalidade em seu governo, através de sua assessoria de imprensa, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
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