Eu abortava e ao mesmo tempo sofria abuso, diz vítima de médico investigado
Uma das 24 mulheres que dizem ter sido assediadas sexualmente pelo médico ginecologista e obstetra Orcione Ferreira Guimarães Júnior, 40, em Vitória da Conquista (BA), relatou ao UOL que sofreu "abuso sexual" ao mesmo tempo em que passava por um aborto espontâneo de uma gravidez que buscava confirmar no exame. Durante a consulta, o médico disse à vítima que havia características de aborto espontâneo.
O relato foi feito à reportagem pouco depois de registrar queixa na Deam (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher), onde até ontem já havia 13 queixas contra o médico. O advogado de Orcione, Paulo de Tarso, nega que o médico tenha cometido os supostos assédios.
A mulher que conversou com o UOL tem pouco mais de 30 anos e pediu para não ter identidade revelada. Ela disse que foi atendida duas vezes pelo médico, sendo que na primeira vez já se sentiu incomodada com elogios do profissional com relação ao seu corpo. A vítima havia buscado o médico em busca de orientação para engravidar pela segunda vez.
"Ele me abraçou e me deu um beijo no rosto próximo da boca, disse que eu era muito bonita, perguntou se tinha namorado e por que estava ali. Eu disse que queria preparar o meu corpo para uma segunda gestação. Então ele ironizou e falou que 'eu não precisava preparar meu corpo, porque meu corpo era lindo'", relembrou.
A primeira consulta foi suficiente para a mulher não querer mais voltar a ser atendida pelo médico, contudo uma situação emergencial (sangramento vaginal) fez com que ela o procurasse, depois de passar por dois hospitais que sugeriam procurar atendimento especializado.
No consultório de um hospital particular onde o médico atendia, ela diz ter relatado o sangramento e que poderia ser uma gestação.
Ele me fez o toque intravaginal e constatou que o útero apresentava características de aborto espontâneo...Quando terminou, ele tirou as luvas e começou a massagear meus seios, o que não era mais natural numa situação de aborto, já não fazia mais parte do protocolo. Começou a massagear, não era uma massagem de um médico, era um toque de homem
Vítima de assédio sexual de médico investigado na Bahia
Segundo ela, o médico alisava o seu corpo, "inclusive minha vagina, sem luva". "Ele acariciava todo o meu corpo, dizia que era uma criança em má formação, que eu poderia ter outras gestações, pediu exames e que eu retornasse. Eu não voltei", explicou a vítima.
"Eu saí dali muito desesperada, meu noivo na época estava do lado de fora. Eu chorava muito, e ele entendia que era por conta do aborto, mas não era só por isso. Eu estava abortando um filho que eu não tinha nem certeza que estava esperando e, ao mesmo tempo, tinha acabado de sofrer um abuso sexual", disse.
Relatos de procedimentos semelhantes
Uma outra mulher de 30 anos que também prestou queixa contra o médico afirma que, durante o exame ginecológico, o médico "começou a estimular o meu clitóris" com a mão esquerda e sem luva.
"No momento, eu fiquei travada, não tive reação, imaginei que fosse coisa da minha cabeça, ele não falava nada e não perguntava nada também, minhas pernas tremiam, demorou uns 4 a 5 minutos, mas para mim foi uma eternidade", disse a vítima, que também pediu não ser identificada.
Segundo ela, o médico solicitou que voltasse com os resultados dos exames em 30 dias, mas ela não retornou. "Na época, não quis comentar com ninguém porque, como disse a colega, imaginei que era só comigo, então por ser algo constrangedor e vergonhoso não quis comentar", afirmou.
Ela contou que "achava que as pessoas fossem me julgar ou dizer que dei ousadia a ele, liberdade a ele, então não comentei". Mas há pouco mais de um ano, ela acabou fazendo um breve relato num grupo de WhatsApp composto por mulheres.
"Uma mulher pediu indicação de ginecologista e alguém colocou o nome dele. Eu dei um relato rápido de que não gostei da postura dele e depois umas três ou quatro mulheres também falaram. A gente pensa que acontece com um grupo restrito, imagina que seria minoria diante de um médico, a gente tem esse receio de denunciar", analisou.
As mulheres que estão fazendo as denúncias contra o médico estão recebendo apoio jurídico da Subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), local onde os relatos foram feitos inicialmente na segunda-feira passada, depois que os casos de assédio sexual vieram à tona por meio de um perfil no Instagram (diganaovca). Segundo a OAB, as mulheres que se dizem assediadas têm entre 18 e 30 anos, e os relatos são de que os supostos assédios ocorriam há pelo menos seis anos.
Outro lado
Numa decisão liminar (provisória), a Justiça determinou ontem que o Instagram torne provisoriamente indisponível o perfil "diganaovca". O Instagram, que informou não ter sido notificado da decisão, tem 48h a partir da notificação para tomar as providências, sob pena de multa diária de R$ 500. O perfil, com 7,6 mil seguidores, já mudou de nome e agora se chama "diganaovdc".
A decisão foi dada pela juíza Arlinda Souza Moreira, da 1ª Vara do Sistema dos Juizados de Vitória da Conquista e determina também que o Instagram "forneça os dados cadastrais que permitam identificar o usuário que criou o referido perfil, como IP, data e hora de acesso".
A medida é uma resposta a ação impetrada pela defesa, que alega estar havendo "um linchamento virtual contra o médico Orcione Júnior, vítima de calúnia e difamação".
Uma cópia da decisão liminar foi fornecida hoje por advogados do médico durante uma entrevista coletiva para a imprensa, na qual o médico ficou de comparecer, mas alegou que iria num culto ecumênico em sua clínica particular no bairro Brasil (oeste da cidade).
Na coletiva, a advogada Palova Parreira, especializada em direito médico, leu uma carta de Orcione Júnior na qual ele afirma que "estamos falando com a verdade" e que "vamos identificar a página criminosa". Para o médico, "existe algum outro profissional que não quer aparecer na denúncia e tenta me prejudicar".
Questionado se há alguma investigação contra Orciole Júnior, o Cremeb (Conselho Regional de Medicina da Bahia) informou que "não pode compartilhar informações sobre denúncias e processos que tramitam no Tribunal de Ética Médica, pois estes conteúdos estão sob sigilo processual".
A Sogiba (Associação de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia) e o Ministério Público da Bahia informaram que não comentarão o assunto.
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