'Vale teve muito tempo para fazer algo em relação ao talude', diz agência
Diretor da ANM (Agência Nacional de Mineração), o engenheiro Eduardo Leão disse "considerar estranho" que a Vale não tenha tomado uma atitude antes de o talude norte da mina Gongo Soco, em Barão de Cocais (MG), chegar à situação em que está, prestes a cair e pôr em risco a barragem Sul Superior, que fica a 1,5 km de distância.
"A Vale teve muito tempo para fazer algo em relação ao talude", disse o diretor em entrevista ao UOL, afirmando que a diretoria da agência, ao ser informada em 13 de maio sobre a iminente queda do paredão, questionou a mineradora sobre por que ela não agiu previamente para conter a movimentação da estrutura, que vem ocorrendo desde 2012.
Segundo o diretor, a Vale respondeu que a "melhor solução era aguardar".
"A resposta foi bem breve, não entraram [os representantes da mineradora] nessa seara. Foi uma reunião rápida, de emergência. Mas para a diretoria foi uma grande surpresa", afirmou Leão, que questiona a decisão da mineradora.
"Talvez em 2012, com a mina ainda em operação, essa pudesse ter sido a melhor opção, mas depois será que o cenário não mudou?", disse Leão, se referindo ao período após 2016, quando a mina foi desativada.
O UOL perguntou à Vale como chegou à conclusão de que seria melhor não interferir no cenário e a resposta na íntegra está ao final deste texto.
Antes de 2012, o talude se movimentava 4 cm por ano, passando a 10 cm por ano a partir de então. No final de abril, foi para 5 cm por dia, segundo a Vale.
"Sinceramente, eu não acho normal um deslocamento desse de 10 cm por ano. Uma coisa é o talude todo [se mover], porque está se acomodando. Até aí tudo bem. Mas uma parte está estática e uma andando, alguma coisa está errada", disse o diretor.
Leão diz que, após tomar conhecimento do risco com a barragem, a ANM fez uma série de exigências, que estão sendo cumpridas pela mineradora. Entre elas, o uso de sismógrafos para medir as vibrações que serão geradas com a queda do talude e a realização de estudos complementares.
Hoje a Vale informou que está construindo uma espécie de bacia que, no caso de rompimento, ajudaria a reter parte dos rejeitos. Telas e blocos de granito também estão sendo colocados ao longo da rota prevista para que, caso ocorra o estouro da barragem, possa haver uma redução da velocidade da lama.
Leão, que tem formação em engenharia hidráulica, foi gerente de sustentabilidade da Vale no Pará de 2010 a 2015 e assumiu o posto de diretor da ANM em dezembro, logo após a criação do órgão, que tem uma diretoria colegiada de cinco diretores, status de autarquia e substituiu o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral).
"A Vale esperou demais"
"O momento para as medidas preventivas foi três, quatro anos atrás. A Vale esperou demais", disse nesta tarde ao UOL o engenheiro civil Roberto Kochen, que é professor aposentado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde lecionou por 36 anos, e diretor de infraestrutura do Instituto de Engenharia.
Para ele, a mineradora deveria ter tido agido logo ao verificar que o talude estava se deslocando 10 cm por ano. "É um valor muito alto para esse tipo de material, que é uma rocha. Deveria ter havido uma ação mais incisiva por parte da empresa. Mas isso elevaria os custos, e a gente sabe que a Vale é rigorosa com custos", disse.
Kochen disse que uma alternativa possível teria sido dinamitar a parede de forma controlada e que estudos poderiam ter sido feitos para identificar a opção mais adequada para esse caso específico. "Soluções existem", disse.
"Na minha opinião, é sempre melhor agir preventivamente. Agora já está muito difícil de remediar, fazer uma medida corretiva. E a preventiva poderia ter sido tomada antes", reforçou o professor, pós-doutor em escavações em rocha pela Universidade de Toronto, no Canadá. "Esse tipo de mineração era a base do meu estudo em Toronto, e posso dizer que não conheço situação parecida [de ruptura de talude de mina nessas circunstâncias], nem no Brasil nem fora."
O professor disse que, somente a partir dos dados dos relatórios que têm sido divulgados diariamente pela ANM sobre a movimentação do talude, não é possível inferir se a parede vai seguir pelo melhor cenário, de escorregamento lento, sem grande impacto, ou pelo pior, que seria o da queda súbita de parte da rocha, o que poderia afetar a barragem Sul Superior.
Pela manhã, a Vale informou que o talude está deslizando e tendendo a se acomodar no fundo da cava. "A Vale certamente tem mais dados para poder afirmar isso", disse Kochen. O relatório do meio-dia de hoje informou que a movimentação havia chegado a 23,9 cm por dia em pontos isolados.
Para o professor, a situação agora é de espera. "O problema é que a espera coloca os moradores em situação de estresse. É como uma bomba-relógio, que não se sabe se vai explodir ou se vai falhar, se vai só dar um traque", diz.
Cabe ressaltar que, mesmo que a ruptura do talude não afete a barragem, ela continuará trazendo riscos aos moradores, porque segue no nível máximo de alerta para rompimento, no qual está desde 22 de março.
Outro lado
O UOL perguntou à Vale, no sábado, como a mineradora concluiu que a melhor solução seria esperar o talude cair sozinho e se é normal haver movimentação de 10 cm em um ano em um talude ou em parte dele. No mesmo dia, a empresa deu retorno à reportagem via assessoria de imprensa. Confira a resposta na íntegra:
"Com relação à movimentação do talude norte da cava da Mina de Gongo Soco, trata-se de um processo natural.
A Vale adota tecnologias com os parâmetros mais modernos de segurança e monitoramento disponíveis hoje no mercado e de referência internacional. A empresa já possui um sistema estruturado de gestão de barragens e investe continuamente na melhoria de seus processos, buscando sempre as melhores técnicas operacionais e tecnologias.
A cava da mina Gongo Soco vem sendo monitorada 24 horas por dia, de forma remota, com o uso de radar e estação robótica, além de sobrevoos com drone. Esses equipamentos são capazes de detectar movimentações milimétricas da estrutura. O videomonitoramento é feito em tempo real pela sala de controle em Gongo Soco e no Centro de Monitoramento Geotécnico (CMG) --quatro equipamentos estão localizados na sala de controle da mina e outros dois no CMG.
A Vale reforça que adotou todas as medidas preventivas em Barão de Cocais, desde o dia 8 de fevereiro, com o objetivo de assegurar a segurança dos moradores da região. Além da retirada preventiva dos moradores da Zona de Autossalvamento, a Vale apoiou as autoridades na realização de simulados e na preparação das comunidades para todos os possíveis cenários, com equipes de prontidão permanentemente.
A Vale reforça que não há elementos técnicos que possam afirmar que o eventual deslizamento de parte do talude poderia desencadear a ruptura da barragem. Mesmo assim, reitera que todas as medidas preventivas foram tomadas e segue à disposição das autoridades para prestar todo apoio possível".
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