Com brigas e traições, FDN perde força na guerra contra CV e PCC no AM
Uma trama marcada por supostas traições e se tornou uma ameaça ao futuro da maior facção criminosa da região Norte, a FDN (Família do Norte). A guerra dentro do grupo foi responsável pelas 55 mortes dentro do sistema prisional do estado no fim de maio.
Entre os próprios membros da FDN, entretanto, há suspeita de informações falsas circularem para causar discórdia.
A facção, que já havia protagonizado outra barbárie em 2017, não briga só entre si, mas também está em disputa contra os dois maiores grupos organizados do país: o PCC (Primeiro Comando da Capital) e a CV (Comando Vermelho). Agora, as rivais devem ganhar força com a disputa interna da FDN.
Em 2017, quando houve um grande massacre no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) que deixou 56 mortos, o CV era aliado da FDN e a briga, na ocasião, se tratava de uma disputa com o PCC. No ano passado, a FDN rompeu com o CV, o que fez a facção perder força --já que o motivo da briga foi a traição de um dos então líderes da FDN. Agora, além de externa, a disputa envolve seus dois maiores principais líderes --embora existam versões ainda conflitantes da confusão.
"A tese que está crescendo agora é que há uma disputa pelo controle do crime no Amazonas. E essa disputa inclui a FDN. É uma facção em guerra com outras, mas também com ela mesma", conta o sociólogo Ítalo Lima, pesquisador das facções no Amazonas no LEV (Laboratório de Estudos da Violência) da UFC (Universidade Federal do Ceará).
O novo cenário trouxe preocupação do governo do Amazonas, que pediu antecipadamente a renovação da permanência da Força Nacional de Segurança por mais um ano, além de lançar a operação "fecha quartel", para pôr mais PMs nas ruas.
Guerra interna
Segundo relatório Departamento de Inteligência do Sistema Penitenciário do Amazonas, as mortes desta semana teriam sido ordenadas por lideranças da FDN. "Foram motivadas pela disputa interna por poder e como forma de afirmação perante a massa carcerária", afirma o documento.
A briga seria entre dois dos fundadores e chefes da FDN: José Roberto Fernandes Barbosa, o Zé Roberto, e João Pinto Carioca, o João Branco. Ambos estão em presídios federais, mas seguem dando cartas no grupo.
O UOL teve acesso ao depoimento de um suspeito, feito segunda-feira, em que aponta o possível motivo das mortes. "A ordem do JB é para matar todos os frentes do Zé no sistema, e quando ele [Zé] voltar, é para matar também", diz.
A informação que chegou ao Amazonas é que João Branco teria brigado porque foi para o lado da CV --o que teria levado à ira de integrantes do grupo de Zé Roberto e dado início na guerra nos presídios.
Rivais seriam outros
Entretanto, a versão não é considerada definitiva, já que há suspeita de que tenha havido informações falsas entre membros da facção.
A suspeita é reforçada por um "salve" --como são chamados os comandos informativos da liderança-- da FDN, emitido na segunda-feira, que informa que João Branco e Zé Roberto seguem unidos. O texto cita que as desavenças foram especuladas por três pessoas da FDN que agora estariam como integrantes da CV.
Uma delas é Sheila, companheira de João Branco e uma das responsáveis por trazer informações e ordens dele da prisão. Só que, segundo o comunicado, ela que estaria causando o racha dando informações diferentes dadas pelo chefe da FDN.
"Isso é uma armação [da Sheila e mais dois integrantes]. Eles querem destruir nossa família. Somos uma só família e, até que nossos pilares digam diferente, estaremos unidos aqui", diz o comunicado.
Histórico recente de brigas
A FDN tem um histórico de brigas internas e traições. No passado, CV e FDN brigaram após a descoberta de um suposto plano de traição de outro então líder da facção amazonense, Gelson Carnaúba, também conhecido como Mago G. Junto com Zé Roberto e João Branco, eles foram os fundadores da FDN, em 2004, no bairro Compensa, em Manaus.
Expulso da facção, Gelson passou a ser um dos líderes da CV no Estado, e desde então teria atuado para minar a FDN.
Além das duas facções, o PCC também está presente no estado há anos, mas sempre teve problemas por ser um grupo paulista. Os criminosos do Amazonas questionavam as ordens vindas do comando da facção e a remessa de dinheiro arrecadado no estado para São Paulo. Com base nisso, a FDN se apoiou no caráter regionalista para, com apoio do CV, iniciar a guerra.
Um dos centros da disputa seria as conexões internacionais do tráfico de drogas, já que o estado tem a conhecida rota Solimões, por onde chega boa parte da droga vinda de países como a Colômbia e Bolívia. Essa rota tinha domínio praticamente absoluto de CV e FDN, mas com o fim da união das facções.
"São muitos grupos que atuam nesse mercado [pela rota], inclusive algumas conexões internacionais que nem passam pelo mercado consumidor interno. Com a situação de hoje, dificilmente essa hegemonia da FDN se mantém", afirma Ítalo Lima.
Para o pesquisador, o racha cria efeitos não só no Amazonas, mas se espalha por locais onde as facções também disputam espaço. "Esse racha dos líderes repercute nas relações de forças nas prisões e em toda região Norte. A situação é de crescentes conflitos no Amazonas. FDN e CV estão em plena disputa, e o PCC tenta se recuperar. A situação é bastante complicada", diz Lima.
Aumento da violência
A disputa das facções fez explodir o número de homicídios no Amazonas, que chamou a atenção do Atlas da Violência 2018. "O Amazonas observou na última década um aumento expressivo da violência. Essa tendência pode ser observada em se considerando o número de homicídios que saltam de 699 em 2006 para 1.452 em 2016", diz o documento.
Para Ítalo Lima, o problema da guerra entre a FDN é que ela é subdividida em vários grupos. "Eles não são tão organizados, têm várias camadas: têm as pessoas que participam da base com grupos criminais, bandos que podem ser latrocidas, traficantes, assaltantes. Existem vários grupos dentro de uma facção", conta Ítalo Lima, sociólogo e pesquisador do laboratório de estudos da violência da UFC.
"Por se tratar de uma disputa interna, é possível que esta briga saia dos presídios e chegue até as comunidades dominadas por essa facção criminosa, levando terror e morte às comunidades por conta de uma tentativa de tomada de território", completa o presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, José Ricardo Bandeira.
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