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Facções do NE usam matança e atentados para manter redutos e desafiar PCC

10.jan.2019 - Vista de ônibus incendiado em Fortaleza durante onda de ataques de facções - Jarbas Oliveira/Estadão Conteúdo
10.jan.2019 - Vista de ônibus incendiado em Fortaleza durante onda de ataques de facções Imagem: Jarbas Oliveira/Estadão Conteúdo

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

11/06/2019 04h00

As facções criminosas nordestinas atuam sem grande organização, caixa ou capilaridade. Como estratégia na guerra pelo controle do crime organizado em comunidades e presídios da região passaram, então, a adotar a violência extrema.

Nos últimos anos, estados como Rio Grande do Norte, Ceará e Sergipe viram suas taxas de assassinatos dispararem, ao mesmo tempo em que grupos locais passaram a atuar contra o que funcionava como um monopólio do PCC (Primeiro Comando da Capital). A tática é usar terrorismo e mortes sangrentas como estratégia na disputa pelas áreas.

Segundo o mais recente Atlas da Violência, com dados de 2017, Rio Grande do Norte (com taxa de 62,8 assassinatos para 100 mil habitantes), Ceará (taxa de 60,2) e Sergipe (57,4) ocuparam três das quatro primeiras colocações no ranking de taxa de assassinatos do país --o Acre fecha o top 4.

Entre 2012 e 2017, os três estados tiveram alta nas taxas de mortes violentas de 80,4%, 34,9% e 37,8%, respectivamente. Todos tiveram taxas de homicídio mais graves do que o país mais violento do mundo: Honduras, que figura com 55,5 homicídios por 100 mil habitantes.

O primeiro grande episódio de barbárie das facções nordestinas ocorreu no Maranhão, em 2014, quando dois grupos locais em guerra (Bonde dos 40 e Primeiro Comando do Maranhão) assassinaram presos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Imagens de detentos sendo degolados ganharam o mundo e foram comparadas com atuação do grupo Estado Islâmico.

GDE - Jarbas Oliveira/Folhapress - Jarbas Oliveira/Folhapress
30.jan.2018 - Aviso da facção GDE (Guardiões do Estado) em muro de bairro de Fortaleza
Imagem: Jarbas Oliveira/Folhapress

Grupos menores foram então se formando em muitos estados. Uma série de mortes --algumas com requintes de crueldade-- ocorreram dentro de comunidades controladas. A história de fundação é similar: contra as ordens de líderes do PCC e o envio de recursos obtidos pelo crime para São Paulo.

"Esses grupos menores usam a violência extrema, matam, cortam pessoas e invadem áreas. Não há dúvidas de que são mais violentos", diz o coronel Maurício Iunes, ex-comandante da Polícia Militar de Sergipe e pós-graduado em gestão de segurança pública. "O PCC sabe que, agindo com violência, vai levar polícia àquela localidade. Então evita isso."

Violência aumenta para manter poder de grupos

Sergipe chegou a liderar o ranking de homicídios do país em 2016, mas registrou queda em 2017. Naquele estado, a facção que rivaliza com o PCC é o BDM (Bonde do Maluco), de origem restrita ao estado e à Bahia. Com quadrilhas locais, Iunes diz que a facção tem atuação "embrionária", mas que causa estragos.

"As facções regionais não têm recursos para manter grandes estruturas. Quando algum local abre uma brecha para alguém assumir, normalmente é uma área bem pobre. Quem assume são pessoas que não se prepararam como um PCC, que não têm tantas informações. É uma realidade diferente, por exemplo, quando um líder do PCC é preso e outro assume o local", afirma.

Alcaçuz - Avener Prado/Folhapress - Avener Prado/Folhapress
16.jan.2017 - Membros das facções Sindicato do RN e PCC (Primeiro Comando da Capital) ocupam telhado de presídio em Alcaçuz
Imagem: Avener Prado/Folhapress

Em 2013, o surgimento do Sindicato do Crime, no Rio Grande do Norte, foi um dos pontos de partida para o estado a alcançar, em 2017, o topo do ranking nacional de assassinatos.

Para o pesquisador do Obvio (Observatório de Violência Letal Intencional) e coordenador de Informações Estatísticas e Análises Criminais da Secretaria Estadual da Segurança Pública e da Defesa Social, Ivenio Hermes, no Rio Grande do Norte a atuação do grupo é marcada por uma precarização --que o leva a atuar com mais violência.

"A falta de controle e a incapacidade administrativa e organizacional levam a busca de recursos fora do sistema de mensalidades, com a captação de dinheiro por outros meios ilícitos. Isso alimenta uma cadeia de violência que aumenta na medida da necessidade de manter o poder do grupo", explica.

Desde que surgiu, a facção foi responsável por diversos ataques a ônibus e rebeliões. Em 2017, integrantes do Sindicato foram vítimas do massacre na penitenciária de Alcaçuz, que deixou 26 mortos, ao serem atacados de surpresa por membros do PCC. Em resposta a ações do estado na ocasião, o grupo deu início a uma série de ataques a ônibus e carros em Natal.

Hermes diz que o pagamento de mensalidades, as chamadas "cebolas", é insuficiente para manter a organização dentro e fora dos presídios. "Não dá [com esses recursos] para manter o poderio necessário para manter seus territórios dominados e ainda fazer frente a uma possível tentativa de invasão territorial por facções inimigas", completa.

No Ceará, o GDE (Guardiões do Estado) ficou nacionalmente conhecido após comandar uma chacina, em janeiro de 2018, de 14 pessoas numa casa de shows em Fortaleza. O grupo surgiu no final de 2015, ganhando força no ano seguinte ao disputar áreas do tráfico de drogas no estado.

Em 2017, com o rompimento de CV e PCC --que também atuam no estado--, o grupo se aliou ao PCC e começou a adotar uma tática de terrorismo. "O GDE passou a confrontar o CV e a FDN (Família do Norte). Aí começa uma sequência de chacinas, com subgrupos dentro do próprio GDE, tropas locais dentro dos bairros. Foram quase oito chacinas em um ano", afirma o pesquisador Luiz Fábio Paiva, do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal da Ceará).

Paiva conta que a violência extrema passou a ser praticada e exposta dentro de comunidades ocupadas. "O GDE incorporou jovens que muitas vezes realizavam crimes dentro do território ocupado. Eles diziam: 'Quem assaltar aqui vai morrer'. E muitos jovens foram pegos e torturados. Essas torturas eram filmadas e colocadas na internet", explica. "Na periferia, o sentimento das pessoas era de que GDE e CV estavam nessa guerra para ver quem realizava a ação mais cruel."

Em janeiro, o grupo foi um dos responsáveis por uma série com mais de 200 ataques em todo o Ceará que duraram mais de 30 dias e tiveram como alvo pontes, torres, prédios públicos e ônibus.

Para Paiva, a alta taxa de mortalidade no estado nos últimos anos atinge principalmente jovens entre 15 e 29 anos. "É um número muito alto, muito impactante. Isso tem muito a ver com a dinâmica do GDE de agenciar jovens para estar na linha de frente, fazendo esses confrontos, com crimes de pistolagem, chacinas e outras outras coisas", diz.

Como enfrentar esses grupos?

As brigas de facções locais também existem, com menor intensidade, em outros estados. Na Paraíba, a disputa envolve os grupos Okaida e Estados Unidos. A Okaida tem intenção de expandir sua atuação e tentar tomar parte do tráfico no Rio Grande do Norte.

Informes de inteligência já alertaram autoridades do estado sobre um possível confronto da facção com o PCC. O grupo também teria ramificação em Pernambuco. A Paraíba, entretanto, não tem registrado aumento na taxa de homicídios.

Estados mais populosos, Pernambuco e Bahia apresentam dinâmicas diferentes, com uma pulverização de pequenos grupos e quadrilhas, sem um grande grupo (local ou nacional) tomando conta do estado.

Segundo o presidente do GNCOC (Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas), o procurador-geral de Justiça de Alagoas Alfredo Gaspar de Mendonça, os Ministérios Públicos têm atuado com as forças de segurança estaduais para mapear os líderes de todas as facções.

"Temos feito muitas ações de inteligência e de campo para que essa criminalidade diminua cada vez sua importância e reduza também o sentimento das pessoas de que a segurança pública não tem alcançado esse tipo de criminoso", diz.

Para ele, é preciso mudar a legislação. "O Brasil precisa entender que a nossa legislação nessa área está defasada. É preciso endurecer penas, manter esse pessoal incomunicável. Não dá para aceitar bandido fazendo agrupamento e enfrentando o estado."