Comissão de desaparecidos sempre foi apartidária, diz presidente demitida
Demitida hoje da presidência da CEMDP (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos) pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga afirmou que a comissão sempre foi apartidária e nunca dependeu de orientações políticas de governo.
"Essa comissão sempre foi apartidária, composta por pessoas com extrema ligação com os temas. As pessoas não são remuneradas por esse trabalho", disse.
Hoje pela manhã, Bolsonaro disse que a mudança de integrantes da comissão aconteceu por ele ser um presidente "de direita".
"O motivo é que mudou o presidente, agora é o Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente", afirmou.
Para o lugar de Gonzaga, foi nomeado Marco Vinicius Pereira de Carvalho. Filiado ao PSL, ele é assessor especial da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves.
Em entrevista a jornalistas, a procuradora disse acreditar que sua demissão seja uma forma de desmantelar os trabalhos feitos pela comissão. Ela destacou que a comissão foi criada em 1995, por uma lei sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Antes da procuradora, ocuparam a presidência nomes como o do jurista Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff (PT), e o advogado Marco Antônio Barbosa.
Gonzaga, que estava à frente dos trabalhos da comissão desde 2014, disse não ter sido comunicada da decisão e que ficou sabendo da sua demissão pela imprensa.
"Soube por uma nota que recebi de uma repórter hoje às 7h da manhã. E depois vi no Diário Oficial", afirmou.
A procuradora disse ainda que esperava uma decisão como essa devido à "postura notória" do presidente. Ela também disse acreditar que a mudança seja uma resposta às manifestações da comissão em defesa dos direitos dos familiares de desaparecidos no período da ditadura militar.
"Lamento muito. Esperava uma decisão desse tipo, principalmente pelas posturas que [Bolsonaro] vinha assumindo. Lamento, porque as famílias puderam voltar a confiar na comissão especial", disse.
Na semana passada, a comissão emitiu um documento reconhecendo que a morte de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), ocorreu "em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro". Dias antes, Bolsonaro disse que poderia explicar a Felipe Santa Cruz como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar.
Segundo Gonzaga, o documento havia sido pedido por um familiar de Santa Cruz há cerca de um mês. Para ela, o fato de o documento ter ficado pronto logo após a fala de Bolsonaro foi uma "infeliz coincidência".
"Documentos não são balela"
Tanto Gonzaga como Marlon Weichert, procurador adjunto da PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão), refutaram uma afirmação de Bolsonaro, que chamou os documentos sobre mortos na ditadura de "balela".
"Os documentos não são balela. São fruto do trabalho de uma comissão criada por lei. Resultado de dois anos de trabalho", disse Weichert.
"Essa afirmação me parece ofensiva ao princípio da moralidade administrativa", afirmou Gonzaga. "Existe um documento oficial tratando disso. É muito grave negar um documento oficial sem provas".
Amelinha Teles, militante sequestrada e torturada durante a ditadura, e familiares de desaparecidos políticos acompanharam a coletiva de imprensa e prestaram homenagens ao trabalho da procuradora.
Para Amelinha Teles, Bolsonaro atua para "dar um conteúdo ideológico" à comissão, o que não deveria acontecer.
"Vejo [as mudanças] com preocupação porque a questão dos desaparecidos não é uma questão resolvida. É preciso ter pessoas com conhecimento do assunto, com perfil, para realizar esse trabalho. Não é o caso de quem ele [Bolsonaro] está indicando", disse.
Segundo ela, Bolsonaro está "agindo de uma forma a não reconhecer a existência dessa comissão, que tem o propósito de reparação moral é ética daqueles que lutaram pela democracia".
Carta internacional
Hoje, familiares de mortos e desaparecidos durante a ditadura enviaram uma carta à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) pedindo que o órgão, ligado à OEA (Organização dos Estados Americanos), questione o governo brasileiro em relação às declarações do Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz e o desmonte da comissão especial.
Na última segunda-feira (29), Bolsonaro falou sobre a morte do pai do presidente da OAB. "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele", disse Bolsonaro.
Entre os signatários, estão Clarice Herzog, Edson e Janaína Teles, Vera e Marcelo Rubens Paiva, além da família Santa Cruz.
"Não pode haver mais dúvidas de que Fernando Santa Cruz foi vítima de desaparecimento forçado, praticado sob responsabilidade do Estado brasileiro. A declaração, feita pelo presidente, de que Fernando Santa Cruz teria sido morto pelo 'grupo terrorista' Ação Popular do Rio de Janeiro é falsa e ofensiva à memória de Fernando e a seus familiares", afirmam na carta.
Eles pedem que a instituição cobre um pedido formal de desculpas pelo sofrimento causado e que o Estado apresente todas as informações ainda não reveladas sobre mortes e desaparecimentos políticos da ditadura que estejam em poder dos seus agentes.
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