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Reconstituição da morte de Ághata mira versões e origem de disparo

A menina Ághata, 8, morta com tiro de fuzil no Alemão - Reprodução/Twitter
A menina Ághata, 8, morta com tiro de fuzil no Alemão Imagem: Reprodução/Twitter

Marina Lang

Colaboração para o UOL, no Rio

01/10/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Reprodução simulada da morte de Ághata acontece na noite de hoje
  • Foco dos peritos será a divergência de versões e a origem do disparo
  • Polícia quer esclarecer se houve troca de tiros, conforme dizem PMs
  • Testemunhas negam que houvesse confronto na hora do crime

A divergência nas versões de testemunhas, familiares e da Polícia Militar do Rio e a checagem do local exato de onde partiu o disparo que matou a menina Ághata Félix, 8, serão o foco da Polícia Civil na reconstituição do crime. A reprodução simulada acontece no Complexo do Alemão, na zona norte carioca, no começo da noite de hoje, a fim de reproduzir condições similares de luz no local.

A criança foi morta por uma bala perdida nas costas, no último dia 20, quando voltava para casa acompanhada da mãe em uma Kombi. Os peritos devem refazer o trajeto do projétil.

Veja a seguir os principais pontos que a reconstituição deve analisar:

Houve confronto?

O advogado Rodrigo Mondego, que representa a família de Ághata, disse ao UOL que não havia confronto ou troca de tiros quando a menina foi baleada.

A família da criança afirmou que o disparo partiu de um grupo de policiais militares que atirou contra uma moto que passava pela rua.

Mas tanto a PM quanto o governo fluminense alegam que criminosos realizaram ataques simultâneos no Alemão e que policiais da UPP Fazendinha revidaram a agressão.

As versões das testemunhas e dos PMs

Apesar de a PM sustentar que houve troca de tiros e que os policiais reagiram a um suposto ataque, uma das testemunhas-chave contradiz a versão: o motorista da Kombi em que Ághata e a mãe estavam.

"Não teve tiroteio nenhum, foram dois disparos que ele deu. Falou que foi tiroteio de todos os lados, é mentira! Mentira!", declarou José Carlos Soares no funeral da menina no Cemitério de Inhaúma, na zona norte do Rio.

Mondego disse que o motorista da van está se sentindo intimidado, mas não deu detalhes sobre quem estaria fazendo ameaças.

Advogados que assistem a família de Ághata, e a própria família, dizem acreditar que as versões das testemunhas serão suficientes para derrubar a versão oficial da Polícia Militar.

"Se está tendo tiroteio, todos se escondem e a Kombi não sobe. Se a Kombi sobe, não para bem onde está o foco dos tiros. Se ainda assim a Kombi para, não vai descer ninguém dela. E se, por algum acaso, alguém desce, não abre a mala", afirma ao UOL um dos membros da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.

Familiares participam do sepultamento da menina Ághata - Zô Guimarães/Folhapress - Zô Guimarães/Folhapress
Familiares participam do sepultamento da menina Ághata
Imagem: Zô Guimarães/Folhapress

Origem do tiro

Conclusões do laudo emitido na semana passada pelo ICCE (Instituto de Criminalística Carlos Éboli) apontam dificuldade na identificação do autor do disparo.

O documento diz ser impossível identificar a arma responsável pelo disparo porque o fragmento de projétil encontrado no corpo da criança "é adequado ao tipo fuzil", mas está "destituído de elementos técnicos para determinar calibre nominal, número e direcionamento das raias [ranhuras que indicam o calibre], bem como de microvestígios de valor criminalístico, fato que o torna inviável para o exame microcomparativo".

Sete armas foram recolhidas —duas pistolas e cinco fuzis— e encaminhadas à perícia.

O que a reconstituição quer esclarecer

De acordo com o delegado Orlando Zaccone, "a reconstituição é feita para observar a veracidade de informações levadas para inquérito, principalmente quando versões se contradizem".

Uma vez no local, o policial vai ter que dizer a posição exata em que estava quando atirou. "Ou seja, vai se reconstruir a cena do crime para saber qual a versão mais compatível com os fatos", explicou o delegado consultado pelo UOL (ele não participa das investigações).

"Isso vai ser feito para se ver qual versão é a mais condizente, e é importante se você tem várias versões. A reconstituição vai buscar qual é a mais verossímil", disse.

Ainda segundo Zaccone, não bastam apenas as palavras dos PMs sobre os disparos. "Se o policial diz que atirou, há testemunhas que viram atirando e de onde. Isso vai ser colocado lá e o perito vai tentar ver trajetória das balas. Eles podem colocar um boneco no local em que Ághata estava para ver precisamente de onde o tiro partiu", exemplificou o delegado.

"Isso pode levar a indícios, não é preciso obter prova concreta porque isso, a prova concreta, vai ser objeto de discussão no processo judicial. Principalmente porque a perícia disse que não é possível fazer o confronto balístico. Então o que se está buscando é checar a origem do disparo", afirmou.

A Polícia Civil não informou se os PMs envolvidos na ocorrência participarão da reconstituição. A mãe da menina e o motorista da van deverão participar.