Mortes de bebês em série expõem saga indígena por Bolsa Família na Amazônia
Resumo da notícia
- Bebês morreram após acompanhar pais em viagens para Atalaia do Norte
- Famílias fazem viagens com dias de duração em busca de serviços sociais
- Trajeto termina em porto contaminado com lixo e esgoto
Em menos de 40 dias, seis bebês de três etnias diferentes da TI (Terra Indígena) Vale do Javari (AM), morreram após adoecerem às margens do rio Itacoaí. Eles acompanhavam os pais em viagens que duram de sete a dez dias em canoas. Os deslocamentos são em busca de serviços sociais Atalaia do Norte, cidade a 1.136 quilômetros de Manaus, no extremo oeste amazonense, na fronteira com o Peru.
As mortes foram denunciadas —e lamentadas— esta semana pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). A TI Vale do Javari divide a área de quatro municípios e tem cerca de 4,5 mil pessoas de 26 povos indígenas diferentes.
Com dez ou mais pessoas em cada canoa, eles vão até a cidade para sacar dinheiro do programa "Bolsa Família" ou benefícios da Previdência Social.
A longa viagem termina no porto da cidade, contaminado por esgoto e lixo. Mas nem sempre a estadia é rápida.
As mortes poderiam ser evitadas. Sem local para ficarem, eles improvisam barracos às margens do rio. "Ficam expostos, bebem água do próprio rio e, principalmente as crianças, se contaminam gravemente. Eles têm imunidade mais baixa", conta Jorge Marubo, coordenador do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) do Vale do Javari.
Os DSEIs são unidades descentralizadas do SUS (Sistema Único de Saúde), ligados ao Ministério da Saúde, para atendimento a povos indígenas.
"Os índios vêm para a cidade, ficam na sede do município, descem de canoas e acabam expostos, no porto da cidade. Lá tem acúmulo de lixo, esgoto. É um lugar muito insalubre, e eles trazem crianças recém-nascidas, que ficam vulneráveis. Elas pegam gripe, por exemplo, que se agrava para uma pneumonia com diarreia. Eles não resistem", diz Marubo.
Das seis crianças que morreram, quatro eram da etnia Kanamari. Os outros dois eram dos povos Matis e Mayoruna. Jorge afirma que três mortes ocorreram ainda em dezembro, e as outras três aconteceram nos primeiros dias de janeiro.
"Desde o Natal, estamos tomando providências junto à Secretaria Municipal de Saúde, Funai (Fundação Nacional do Índio), Defesa Civil, para mandar eles de volta. Eles ficam aqui expostos, não é bom", conta.
As mortes dos bebês não são de forma rápida e vêm sempre carregadas de sofrimento. Marubo diz que as crianças que morreram ainda chegaram a ser internadas no hospital da cidade. "Mas elas evoluem a óbito, são muito frágeis. A última criança que morreu foi internada duas vezes, os pais e familiares também foram internados, mas o bebê morreu", conta.
Na terça-feira (7), a permanência do porto e a morte de bebês indígenas foi tema de uma reunião de emergência das autoridades. Marubo conta que, no início do ano, havia cerca de 50 canoas paradas no porto. Com o esforço para mandá-los de volta, havia 30 paradas.
Migração constante —e questionada
A migração de dezenas de indígenas à cidade é algo já conhecido na região, mas houve um maior movimento no fim de ano por conta do pagamento do 13º salário do Bolsa Família.
"Eles permanecem às vezes na cidade por muito tempo: um, dois meses. Tem várias situações que os fazem ficar. Eles, às vezes, vêm, não conseguem sacar, precisam resolver alguma pendência. Eles esperam, ficam por aqui", diz.
A solução, comenta Marubo, seria o governo realizar o pagamento dos benefícios diretamente nas aldeias —pedido que já foi feito por diversas vezes a autoridades locais e nacionais.
Uma solução paliativa seria esticar, para os índios, o prazo máximo para sacar o benefício do Bolsa Família —hoje o tempo máximo que um benefício fica na conta é de 90 dias. "Houve um período que esse prazo foi esticado para seis meses, isso reduziu as viagens, mas, de um tempo para cá, voltou a ter esse prazo de três meses", diz.
A maior tristeza de Marubo é que o índice de mortalidade nas tribos é baixo. "Nós fazemos acompanhamento de saúde com médico lá. Se necessário, fazemos a remoção de avião, mas não há esse tipo de problema. Isso só ocorre pela migração", conta.
Funai confirma mortes
Em nota, a Funai confirmou que os óbitos dos bebês estão ligados "ao deslocamento e permanência de indígenas até a cidade de Atalaia do Norte". "A Fundação está apoiando e monitorando as medidas necessárias para o retorno desses indígenas às suas respectivas comunidades", diz o comunicado.
"Vale lembrar que a ida desses povos até a sede do município amazonense é um fato recorrente, resultado de um processo socioeconômico. Portanto, a Funai está atenta aos fatos ocorridos e as especificidades dos povos daquela região, mantendo parcerias com instituições municipais, estaduais e federais."
O UOL tentou contato com a prefeitura de Atalaia do Norte durante a sexta-feira (10), mas não obteve retorno.
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