Vigas da Perimetral e estátuas: furtos continuam sem resposta no Rio
Quase sete anos após o sumiço de seis vigas de aço do antigo Elevado da Perimetral —derrubado para revitalização da zona portuária na região central do Rio— não há vestígios de onde foi parar o material, que pesava ao todo 120 toneladas. O inquérito da Polícia Civil e do Ministério Público que investigou o desaparecimento das vigas foi arquivado em definitivo em junho de 2019. "Apesar de todas a medidas investigatórias adotadas, não foi possível se chegar à autoria [do furto]", informou o MP.
Nesta semana, o furto de uma das estátuas do monumento em homenagem ao Marechal Deodoro da Silva, primeiro presidente do Brasil, voltou a chamar atenção sobre o furto de metais na capital fluminense. A estátua —confeccionada em bronze, pesava 400 kg e tinha quase 2 m de altura —foi furtada de um monumento localizado próximo à Praça Paris, ponto histórico no bairro da Glória, na zona sul.
Ocorrido em 2013, o furto das vigas da Perimetral configura um dos maiores da história no que se refere a materiais nobres —as vigas eram compostas por uma mistura de aço, nióbio e cromo, chamada cortem.
Das seis furtadas, cinco tinham 40 m de comprimento por 6 m de largura e outra, 25 m por 6 m de espessura —as dimensões das vigas indicam que era praticamente impossível de serem furtadas sem que ninguém visse. No entanto, elas desapareceram durante as obras na cidade para realização da Olimpíada e nunca mais foram vistas.
Após a destruição do viaduto, as peças foram colocadas em um terreno aberto, sem vigilância, no bairro do Caju, na zona portuária, de onde foram levadas e nunca mais localizadas.
De acordo com Nelson Massine, professor do Laboratório de Criminologia da Faculdade de Direito da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), os dois casos só tem em comum a apropriação de algo público.
No caso das vigas da Perimetral, ele enfatiza que esse tipo de furto só é possível com o auxílio de guindastes e caminhões longos que devem ter demorado ao menos três dias para concluir o transporte. "As vigas interessam para a construção civil. Tem que ter capital para o transporte delas, só é possível com aluguel de equipamentos adequados como guindastes e caminhões enormes. Não é qualquer um que faz isso", observou.
"Já os furtos envolvendo os monumentos que integram o patrimônio histórico e cultural da cidade acontecem frequentemente. São feitos de bronze, metal fácil de vender. É vendido por quilo. Tem um preço razoável e diversos locais que compram e são cometidos pela população mais vulnerável na maioria das vezes. Em comum nos dois casos, só há o fato de apropriação de algo público", afirmou.
O diretor da Associação Brasileira de Profissionais de Segurança do Rio, Vinícius Cavalcante, estima que os criminosos consigam vender a estátua furtada por R$ 40 mil. "A venda desse material ocorre pelo valor do bronze no mercado. Uma estátua dessa de 400 kg deve ser vendida por R$ 40 mil no mercado irregular. É muito dinheiro e deve estar despertando o interesse de grupos que focam neste tipo de venda."
Empresas de consórcio ressarciram prefeitura
De acordo com imagens de satélites consultadas pela polícia, as vigas desapareceram entre os dias 10 de junho e 12 de agosto de 2013. Elas estavam em um terreno que servia de depósito da concessionária para as obras de revitalização do Cais do Porto.
Nas imagens, é possível observar o desaparecimento das mesmas conforme o tempo. A polícia suspeita que o material foi "cortado" e retirado em caminhões menores. No local, foram colocadas 18 vigas. Somente 12 foram reaproveitadas.
A investigação foi arquivada seis anos depois do desaparecimento. No entanto, no ano passado, uma nova investigação foi aberta para apurar a procedência de vigas encontradas na Baixada Fluminense. O material está em análise.
Durante as investigações sobre o sumiço das vigas, testemunhas prestaram depoimento à Polícia Civil do Rio e relataram que funcionários de uma transportadora que prestava serviço para a concessionária foram vistos retirando as vigas do local.
A polícia chegou a obter dados de busca e apreensão dos GPSs dos veículos da empresa para tentar para verificar deslocamentos atípicos no período. No entanto, as investigações não avançaram.
O consórcio Porto Maravilha, responsável pelas obras na região portuária, informou na ocasião que as vigas valiam quase R$ 90 mil e que a prefeitura foi ressarcida pelo prejuízo pelas empresas do consórcio, já que elas poderiam ter sido reaproveitadas no setor de construção civil.
Altamente resistentes à corrosão, as vigas foram projetadas para durarem até 400 anos. O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio informou na época que o material só havia "gasto" 10% da sua vida útil.
De acordo com a Cdurp (Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto), 81 das 1.008 vigas que sustentavam a Perimetral foram cedidas para a construção da cobertura de dois piscinões contra enchentes na zona norte.
O Elevado da Perimetral era uma importante via expressa que ligava o aeroporto Santos Dumont, na zona sul, à Linha Vermelha, à avenida Brasil e também à ponte Rio-Niterói, passando sobre bairros como o Caju, São Cristóvão, Santo Cristo, Gamboa e Saúde, nas zonas norte e central da cidade.
Depredação de patrimônio
Ontem, após o sumiço da estátua em homenagem ao Marechal Deodoro, a Gerência de Monumentos e Chafarizes do Rio, vinculada à Secretaria de Conservação, informou que um boletim de ocorrência seria registrado na delegacia do centro. Apesar da repercussão do caso, o monumento não foi o primeiro a ser furtado no Rio.
Nos últimos anos, a estátua de Noel Rosa, localizada no bairro de Vila Isabel, na zona norte, foi alvo de furto. Inaugurado em 1996, o monumento, que retratava o compositor sentado em uma mesa e sendo servido por um garçom —uma referência ao samba Conversa de Botequim—, foi desaparecendo aos poucos.
Primeiramente, foram levadas a mesa e o encosto da cadeira. Até então, o garçom e Noel pareciam intactos. Posteriormente, do garçom ficaram no lugar somente os pés e uma pequena parte das pernas. Da figura do sambista, foram levados o braço e em outro momento, a mesa.
Na ocasião, a Secretaria de Conservação informou que uma licitação precisaria ser aberta para restaurar o monumento. Em 2015, a obra já havia sido parcialmente furtada. A estátua ainda não foi restaurada.
Já o monumento em homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade, instalado na altura do Posto 6 da orla de Copacabana, sofreu por mais de dez vezes com ações de criminosos. Os óculos da estátua são frequentemente furtados.
Também sofreram vandalismo os monumentos de Malba Tahan, na Cidade Nova, e de Dom João VI, na Praça Quinze, região central da cidade.
Para Massine, os locais que contam com esse tipo de monumento deveriam ser monitorados. No entanto, ele afirma que o problema envolve principalmente a falta de educação da sociedade.
"A civilidade é o caminho e não envolve somente o fato de não furtar, envolve também a denúncia, o chamar pela polícia. Muitas pessoas veem o que está ocorrendo e não denunciam. A população pouco faz e mostra falta de sensibilidade ao patrimônio público".
Para o criminologista, a ausência de prisões envolvendo a depredação de patrimônio público se deve à pouca estrutura da polícia.
"A estrutura da polícia atualmente não permite que se investigue esse tipo de coisa. A polícia no Rio trabalha por prioridade. É cheia de homicídios, uns que ganham mais repercussão que outros até e eles acabam não indo atrás de problemas menores", opinou o professor da Uerj.
O UOL questionou a Secretaria de Conservação do Rio sobre o volume de recursos gastos com furtos e depredações de monumentos, mas a pasta não se manifestou.
Em resposta ao furto de uma das estátuas do monumento em homenagem ao Marechal Deodoro da Silva, a secretaria informou que é responsável por 1.371 monumentos (bustos, esculturas, estátuas, relógios e chafarizes) e o órgão mantém contrato para manutenção das peças no valor de R$ 900 mil que inclui limpeza, conserto hidráulico, elétrico e reposição de pequenas peças, além de pequenos reparos.
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