Topo

Faria limers no home office, "domingou" na quebrada: SP em dia de covid-19

Ambulante na Faria Lima, Cândida diz que movimento caiu pela metada no endereço dos bancos e empresas de tecnologia - Felipe Pereira
Ambulante na Faria Lima, Cândida diz que movimento caiu pela metada no endereço dos bancos e empresas de tecnologia Imagem: Felipe Pereira

Felipe Pereira e Cleber Souza

Do UOL, em São Paulo

18/03/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Local da sede de bancos e empresas de tecnologia, a Avenida Faria Lima, em São Paulo, viu o movimento diminuir
  • Muitos funcionários foram autorizados a fazer home office e comerciantes projetam prejuízos
  • Havia ônibus circulando com um único passageiro em horário de pico e ciclovias vazias
  • Na periferia, o mesmo está acontecendo e um ambulante tinha vendido dois churrasquinhos até as 15 horas
  • O clima é de domingo com bares, academia, mercados e avenidas vazios

Até a covid-19 aparecer, a ambulante Cândida Formiga, 49 anos e auto declarada baixinha, sumia no aglomerado de clientes que lotavam sua barraca nos finais de tarde em busca de produtos que vão de Velho Barreiro a paçoquinha. Funcionários que habitam os prédios modernosos da Faria Lima pediam açúcar, álcool ou a gordura dos salgadinhos para iniciar o processo de troca das preocupações do trabalho por amenidades como séries, BBB ou futebol. Era assim até semana passada. Cândida conta que o movimento caiu pela metade ontem, dia que a primeira morte por coronavírus foi anunciada.

"Todo mundo só falava deste primeiro homem que morreu da doença", explicava apoiada em uma caixa de isopor colocada estrategicamente em um ponto de ônibus.

No Grajaú, bairro de periferia da zona Sul, os comerciantes que montam barraca ao redor do terminal perderam o dia. As 80 mil pessoas que frequentam o local não apareceram e decepcionaram José Carlos de Oliveira, 34 anos. "Não vendi nada até agora. Mercadoria toda parada. Já são quase 15h e, até agora, só compraram dois churrascos."

Conforme a covid-19 avança, São Paulo desacelera. O trânsito parece o da semana entre Natal e Ano-Novo, mas o clima não tem nada de festa. A Avenida Faria Lima, onde ficam as sedes de bancos e empresas de tecnologia, viu boa parte da mão de obra ser liberada para fazer home office.

O entregador Robson faz mais entregas em apartamentos que escritórios por causa do home office - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira

O movimento foi sentido por entregadores de comida do iFood. Robson Santigo, 28 anos, contou que os pedidos até aumentaram porque há menos pessoas indo a restaurantes. Também mudou os locais das chamadas. Antes, eram escritórios ao longo da avenida. Agora, ele está levando produtos para apartamentos em bairros próximos como Pinheiros e Vila Madalena.

O rapaz comemora o faturamento extra, mas não sabe se compensa o risco. Ele reclama que a empresa não forneceu álcool em gel e nem elevou o percentual repassado aos entregadores para que comprem produtos que protejam da covid-19. "Se não trabalhar, posso não morrer pela doença, mas morro de fome", exagerava.

Procurada, a empresa informou que enviou material informativo aos colaboradores. A assessoria de imprensa do iFood acrescentou que criou um fundo solidário no valor de R$ 1 milhão para dar suporte àqueles que necessitem permanecer em quarentena.

'Solidão' no transporte público

O impacto da covid-19 deixou os ônibus quase vazios. Um cobrador brincou que estava sentido solidão por transportar somente um passageiro em horário de pico. Porteiros de prédios contavam a mesma história: queda na circulação de pessoas por causa do home office. Manobristas não têm direito a trabalhar de casa e passavam álcool em gel ao entrar e sair dos carros.

Ana Carolina Russo, 21 anos, é vendedora de uma loja do abastado Shopping Iguatemi e não vendeu nem um real nesta terça. Mas isso não incomodava. Pior era não ver os avós desde semana passada.

Ônibus transportava somente um passageiro no horário de pico - Felipe Pereira - Felipe Pereira
Imagem: Felipe Pereira

O motorista de Uber Wanderlei Martins, 53 anos, está preocupado com a mãe. Ela tem 80 anos, mora na Mooca e não sai mais de casa. Ele faz compras, grita que a sacola está na porta e abandona o local. Contato, somente por telefone.

O baiano Abenil Miranda, 55 anos, comemorou aniversário no domingo com preocupação que se materializou nesta terça. Os funcionários dos escritórios do prédio da Faria Lima onde tem um restaurante foram enviados para home office. A clientela foi embora, mas as contas não. Água, energia elétrica, condomínio e aluguel vão vencer e o movimento caiu 30%.

"Já suspendi a compra de salgados, como esfirra e empada. Estou fechando uma hora e meia mais cedo e a tendência é que o movimento diminua cada vez mais. Vai ser um sufoco".

O coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus, David Uip, disse que a doença entrou no Brasil pela parte rica, que tem condições de viajar ao exterior. A Faria Lima, símbolo de endinheirados, já reagiu. Uip afirmou que agora a covid-19 deve chegar ao restante da população. E a periferia está se preparando.

O bairro do Grajaú estava com cara de feriado. Bares, academias, supermercados e ruas tiveram movimentação abaixo do normal. Muito diferente do esperado num dia de comum semana. É que não foi um dia comum. A primeira vítima fatal de covid-19 foi anunciada pela manhã em São Paulo. À noite, outra morte foi divulgada em Niterói (RJ).

Sem bolso forrado, João Tadeu, 47, trabalhava com medo de ser infectado pela covid-19. Mas não havia alternativa, ele precisa "levar o pão" para casa.

"Nunca vi uma situação dessa. É a primeira vez. O medo é grande, mas gente que tem trabalho autônomo não tem outra opção. Hoje é um dia que não teremos lucro, só gasto", comentou Marcos.