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Ouvidoria cria grupo para combater racismo nas polícias de SP

Policial pisa em pescoço de mulher durante abordagem em Parelheiros, zona sul de São Paulo - Reprodução/TV Globo
Policial pisa em pescoço de mulher durante abordagem em Parelheiros, zona sul de São Paulo Imagem: Reprodução/TV Globo

Paulo Eduardo Dias

Colaboração para o UOL

10/03/2021 04h00

A Ouvidoria da Polícia de São Paulo deve apresentar em até 90 dias propostas para combater o racismo estrutural nas forças de segurança do estado. Para isso, criou um grupo de trabalho coordenado pelo ouvidor Elizeu Soares Lopes e composto por membros da alta cúpula das polícias Civil e Militar, além de acadêmicos.

Segundo Lopes, o comitê é parte de compromisso assumido com o movimento negro em fevereiro de 2020, quando assumiu a chefia do órgão após ser escolhido pelo governador João Doria (PSDB). As queixas de violência contra pessoas pretas e pardas já eram numerosas, mas, disse ele, a necessidade ficou mais evidente com o movimento do Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).

"[O assunto] ganhou relevo com o acontecido com George Floyd [homem negro morto asfixiado por um policial nos Estados Unidos] e evidentemente os casos aqui no Brasil, no que você vê mais denúncias de abusos cometidos por agentes de segurança pública", disse Lopes, sobre o que levou à criação do grupo.

Somente em 2020, segundo dados tabulados pela Ouvidoria, 705 pessoas foram mortas pelas polícias no estado (397 eram pardas ou negras, 237 brancas e para 71 não constava a declaração de raça).

ouvidor - Divulgação - Divulgação
Elizeu Soares Lopes, ouvidor das Polícias de SP
Imagem: Divulgação

O Brasil é racista. Ao término da escravidão, o estado não reconheceu nem inseriu a população negra como cidadão. O Brasil precisa ressignificar o conceito de cidadão na sociedade brasileira. Evidente que todas as instituições estão permeadas por esse racismo estrutural"
Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias

Racismo estrutural é o conjunto de práticas institucionais, culturais e históricas que desfavorece um determinado conjunto de pessoas identificadas a uma raça.

Durante os 90 dias, que podem ser prorrogados, o grupo produzirá relatórios e diretrizes para a Secretaria da Segurança Pública. A Câmara Temática sobre o Racismo, nome ainda não oficial, é formada pelos seguintes integrantes:

  • Leandro Gomes Santana, coronel da PM e diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos da corporação;
  • Evanilson Correa de Souza, tenente-coronel da PM e membro do grupo revisor do Manual de Direitos Humanos da PM. Em fevereiro deste ano, Souza foi vítima de preconceito enquanto ministrava uma palestra virtual sobre racismo. Durante evento do Instituto de Relações Internacionais da USP, ele foi chamado de "macaco";
  • Elisabete Sato, delegada-geral adjunta da Polícia Civil, conhecida por sua atuação no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa);
  • Gil Marcos Clarindo Santos, presidente do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo;
  • José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares;
  • Juarez de Paula Tadeu Xavier, professor da Unesp;
  • Eunice Aparecida de Jesus Prudente, professora de direito da USP, ex-secretária de Justiça de e uma das pioneiras do movimento negro.

Para Lopes, que preferiu não comentar as propostas que podem sair do comitê, o objetivo é reatar laços com a população.

A ideia é ser uma espécie de núcleo para organizar questões sobre a temática do racismo, direitos humanos e cidade. Nós queremos que a polícia seja melhor, que a população não tenha a polícia como inimiga, nem a polícia tenha inimizade com a população, sobretudo a mais pobre"
Elizeu Soares Lopes, ouvidor das Polícias

Procurada, a SSP afirmou que "as polícias Civil e Militar integrarão o grupo de trabalho (...) para contribuir com a erradicação do racismo e toda as formas de discriminação".

Surpreendido pelo convite, José Vicente diz que a iniciativa é indispensável. "Todos os organismos que têm relação direta ou indireta com o tema precisam ser convocados para combater esse tipo de postura. Ter mais um espaço propondo fazer essas melhorias é de uma importância significativa", diz.

Além disso, para José Vicente, a formalização do grupo é um reconhecimento do estado de que existe racismo estrutural nas instituições e que ele deve repudiado. "Do ponto de vista da mensagem social, é muito importante. Só essa disposição de se buscar uma avaliação, um diagnóstico de um olhar autônomo, já é um grande acontecimento."

Antes, a Ouvidoria já promoveu outras integrações entre a sociedade civil e a PM. Em dezembro, uma empresa de turismo deu uma palestra a policiais que se formavam em direitos humanos. Um mês e meio antes, eles foram filmados e seguidos por agentes durante 3 horas enquanto faziam um tour pelo centro da capital paulista recontando a importância da história negra.

"Esses jovens mostram a turistas a contribuição que o povo negro teve na construção de São Paulo e se sentiram constrangidos numa abordagem policial", diz Lopes.

Durante a entrevista, o ouvidor escolhido pontuou que faltam mais negros ocupando cargos representativos no Ministério Público, na própria Polícia Militar e na mídia, demonstrando o quanto o racismo está presente em todos os ambientes". Segundo a Ouvidoria, que não especifica os postos, 45% se autodeclaram negros na PM.