Jovens são presos por crime cometido na hora que eram abordados pela PM
Três jovens negros foram presos em flagrante pela PM (Polícia Militar) há um mês na zona sul de São Paulo e denunciados pelo Ministério Público pelo sequestro relâmpago de um médico. No momento em que o crime ocorria, porém, dois deles eram abordados por policiais enquanto andavam na rua.
Além disso, os homens presos não se parecem com os ladrões descritos pela vítima no DP em que foi registrada a ocorrência. Lennon Seixas Vieira da Silva, 27, e os irmãos Bruno Souza dos Prazeres, 27, e Rodrigo Souza dos Prazeres, 31, se tornaram réus pelo crime no dia 22 de janeiro.
A família de um dos jovens obteve imagens de uma câmera de segurança do bairro que mostra quando Lennon e Bruno foram abordados pela PM e fotografados entre 22h57 e 23h15.
Segundo boletim de ocorrência registrado pela vítima, ela esteve em poder dos criminosos das 20h às 23h. O carro do médico, relatou a PM no boletim do flagrante, foi encontrado às 23h, a 600 metros do local onde a polícia abordou Lennon e Bruno.
O médico foi sequestrado por dois homens armados ao sair do trabalho, na AMA Figueira Grande, em São Paulo. Após alguns minutos juntou-se aos bandidos um terceiro ladrão. Eles obrigaram o médico a sacar R$ 900 e o abandonaram em uma estrada de terra em Embu Guaçu, na Grande São Paulo, e fugiram com o carro e outros pertences do médico.
A vítima pediu ajuda e foi levada até o DP de Itapecerica da Serra (cidade vizinha) para registrar o B.O. do sequestro e chegou lá às 23h13 do dia 4. Enquanto estava lá, o médico foi informado que seu carro foi encontrado no Jardim São Luiz, em São Paulo.
Ladrões e jovens presos têm apenas a cor da pele em comum
Um dos ladrões foi descrito pelo médico como um homem de 20 anos de bigode, o segundo seria um rapaz de aparentemente 17 anos e de 1m90 de altura e o terceiro é descrito como "20 anos de idade (Tiago)" e usava roupas pretas e uma máscara branca. No B.O. não há explicação sobre o motivo do nome Tiago estar anotado ao lado das características do terceiro ladrão.
Os três homens presos, porém, têm entre 27 e 31 anos e nenhum deles tem bigode. Lennon usa um cavanhaque bem aparado. Eles medem entre 1m60 e 1m70. A única semelhança entre eles e os ladrões descritos pela vítima é que são negros. As roupas também não batem.
Com nenhum dos três presos foi encontrado dinheiro ou os objetos roubados do médico.
Apesar de serem diferentes das características descritas por ele no B.O., o médico reconheceu os três jovens presos no 47º DP (Capão Redondo), onde o flagrante foi registrado.
O porteiro Júnior César Vieira da Silva, 52, pai de Lennon, diz ver racismo estrutural no caso. "Pegaram dois negros, fotografaram e soltaram. Depois voltaram, prenderam o Lennon e o Bruno e pegaram o terceiro negro, pois a vítima disse que eram três. A gente sabe que tem racismo, mas, quando é na nossa casa, é como se fosse um meteoro caindo em nossa sala", diz. Silva iniciou a campanha "liberdades negras importam" e já foi ao centro de Santo Amaro e ao vão do Masp protestar.
Terceiro rapaz foi preso depois de chegar do trabalho
A família e o advogado de Lennon, Paulo Cesar de Oliveira Barros, dizem acreditar que as fotos de Lennon e Bruno foram enviadas ao médico antes do reconhecimento oficial, que ocorreu no 47º DP (Capão Redondo), onde os jovens foram autuados em flagrante.
A mãe de Bruno conta que Rodrigo, que trabalhava em uma bicicletaria no horário do crime, foi preso ao chegar do trabalho, e depois que Bruno e Lennon já estavam detidos. "A PM invadiu minha casa, armada, dizendo que o Rodrigo precisava ser levado para a delegacia como testemunha", conta a desempregada Iara Paula Souza da Silva, 60, mãe de Bruno e Rodrigo.
O caso foi levado na segunda-feira (1º) à Ouvidoria da Polícia de São Paulo pelos pais de Lennon e pela Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, um grupo formado por 32 ativistas de direitos humanos que dão assistência às vítimas de violações de direitos humanos na capital e no interior de SP. A Ouvidoria pediu explicações à PM, à Polícia Civil e ao Ministério Público.
Juíza nega pedido de liberdade, mesmo após vídeo
Após a descoberta do vídeo que mostra os acusados sendo abordados pela polícia na hora do crime, um pedido de liberdade provisória de Lennon foi requerido por seu advogado, mas a juíza Maria Fernanda Belli, da 1ª Vara Criminal de São Paulo negou. O 47º DP e a juíza, coincidentemente, são os mesmos de outro caso de prisão de inocentes mostrado pelo UOL no último dia 20 de janeiro, em reportagem sobre famílias que investigaram um roubo para provar inocência de quatro jovens presos em SP.
A prisão preventiva de Lennon, Bruno e Rodrigo, decretada por outro juiz, foi fundamentada, afirma a juíza, na decisão em que negou o pedido de liberdade provisória, no "reconhecimento presencial no dia seguinte aos fatos", ocorrido durante o flagrante registrado no 47º DP.
Segundo a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça), reconhecimentos fotográficos não podem ser os únicos fundamentos de prisões preventivas. O boletim de ocorrência do flagrante não detalha se o reconhecimento seguiu as regras do Código de Processo Penal.
Em outra decisão, de 22 de janeiro, a juíza determinou que fosse enviado um ofício para a AMA Figueira Grande para determinar a entrega das imagens das câmeras da AMA à defesa de Lennon. O ofício foi remetido à administração da unidade de saúde na última sexta-feira (5).
Médico não fala ao UOL; SSP, MP e TJ dizem que caso é legal
Procurado pelo UOL, o médico vítima de sequestro não respondeu à reportagem. Já a Secretaria de Segurança Pública não respondeu às perguntas da reportagem e enviou nota dizendo que "os três homens foram presos em flagrante e reconhecidos pela vítima, que indicou a conduta deles durante o crime. O inquérito policial foi concluído, após as diligências necessárias, e relatado ao Poder Judiciário neste mês. Todos os procedimentos de polícia judiciária no flagrante foram realizados nos termos da legislação".
O Tribunal de Justiça também não respondeu às perguntas da reportagem e enviou nota, alegando que a instituição não se pronuncia sobre processos em curso e que "os magistrados têm independência funcional para decidir de acordo com os documentos dos autos e seu livre convencimento (...). Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos".
A promotora do caso, Maria Luiza Matusaki, em nota ao UOL afirmou que "eventuais teses defensivas serão oportunamente apreciadas na fase instrutória da ação penal" e que foram "reconhecidos pessoalmente pela vítima e incriminados pelos Policiais Militares que participaram das diligências".
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