Vingança é a 3ª maior causa de morte em ações policiais no Rio, diz estudo
Ações policiais motivadas por vingança são a terceira maior causa de morte em operações na região metropolitana do Rio, segundo levantamento inédito feito por pesquisadores da UFF (Universidade Federal Fluminense) a pedido do UOL.
Com a soma das 28 mortes na favela do Jacarezinho na ação mais letal da história do estado, o levantamento —feito em conjunto com a reportagem— atribui 380 óbitos a ocorrências de retaliação por morte de policial ou ataque a agentes de segurança pública nos últimos 14 anos (veja no mapa).
Em números absolutos, as mortes por vingança só ficam atrás de óbitos em operações policiais por repressão ao tráfico de drogas (1.200) e disputa entre grupos criminais (482).
Não foram incluídas no levantamento todas as mortes por intervenção de agentes do estado, apenas os casos em que foi possível atribuir a motivação da ocorrência com ao menos duas fontes diferentes de consulta. O estudo inclui óbitos de policiais e mortes em disputas entre facções rivais, que servem de motivação para operações policiais.
O Geni (Grupos de Estudos dos Novos Ilegalismos), grupo de pesquisa da UFF, analisou dados coletados entre janeiro de 2007 e abril deste ano. O UOL acrescentou no levantamento as ocorrências na região metropolitana do Rio até 6 de maio, dia da operação no Jacarezinho.
O estudo constatou ainda que 812 operações no período analisado foram desencadeadas por vingança —em média, uma morte a cada duas incursões policiais. Para se ter uma ideia, o índice de operações com morte motivadas por vingança mapeadas pelo estudo representam o dobro dos óbitos em cumprimentos de mandados de busca e apreensão.
Os pesquisadores determinaram a motivação com base em informações das próprias operações, onde há informações sobre incursões após morte ou ataque contra agentes de segurança pública como motivação declarada.
'Vingança institucional no Jacarezinho', diz pesquisador
Para os pesquisadores, a morte do policial civil André Frias, baleado no começo da ação no Jacarezinho, desencadeou uma onda de violência na favela.
A operação foi motivada pelo cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão. Por outro lado, existe claramente um elemento de vingança. Depois da morte do policial, a ação ficou mais violenta. Isso ajuda a explicar por que tantas pessoas morreram
Daniel Hirata, coordenador do estudo
Na semana passada, o UOL mostrou que registros de ocorrência feitos por policiais civis envolvidos na operação mostram que 17 das 27 mortes cometidas por agentes ocorreram em um período de duas horas após a morte do policial e em um raio de apenas 1,5 km.
O pesquisador Daniel Hirata, coordenador do estudo, entende que há uma "vingança institucional" direcionada devido ao histórico de policiais mortos na região —com 49 mortes, o Jacarezinho é a área da região metropolitana do Rio com maior número de óbitos nas chamadas operações de retaliação policial por morte ou ataque.
Hirata cita o próprio relatório de inteligência produzido pela Polícia Civil sobre a operação no Jacarezinho como mais um indício da motivação da alta letalidade nas incursões policiais na região.
No documento, a instituição responsabiliza o tráfico de drogas na favela pelas mortes de outros dois policiais civis em 2017 e 2018, ainda que não exista relação entre os assassinatos e a ação de 6 de maio.
"Nesse relatório, a Polícia Civil do Rio de Janeiro está confessando que agiu por vingança em uma operação ilegal. Esse tipo de motivação [por vingança] é fora da lei e escancara o descumprimento da decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] de restringir as operações a casos excepcionais", analisa Hirata.
"A morte de um policial não pode justificar uma operação. Há uma tendência equivocada de parte das forças policiais de construírem uma equivalência com grupos criminais. Mas as forças policiais representam o Estado", complementa o pesquisador.
O que diz a Polícia Civil
O UOL questionou a Polícia Civil se a motivação por vingança, citada na pesquisa da UFF, está sendo considerada pela investigação conduzida pela DH (Delegacia de Homicídios) da Capital, que apura as mortes no Jacarezinho.
A reportagem também perguntou o motivo de as mortes de policiais civis assassinados em 2017 e em 2018 terem sido incluídas em relatório de inteligência sobre a operação de 6 de maio na favela.
Embora tenha sido informada sobre o estudo, a Polícia Civil não respondeu aos questionamentos sob a alegação de não ter tido acesso ao conteúdo na íntegra. "Todas as polícias do mundo possuem suas unidades táticas para o cumprimento de suas missões constitucionais", justificou a Polícia Civil em um trecho da nota enviada à reportagem.
'Provocação ao Supremo', diz advogado
Um documento assinado pelos advogados Daniel Sarmento, João Gabriel Pontes e Ademar Borges, que representam o PSB em ação no STF de restrição às operações policiais durante a pandemia no Rio, foi encaminhado ontem para notificar o Supremo sobre o suposto descumprimento da determinação pela Polícia Civil do Rio na operação no Jacarezinho.
A Corte vai analisar a partir de sexta-feira (21), em plenário virtual, o que podem ser consideradas situações excepcionais para realização de operações no Rio.
No documento, os advogados questionam as operações policiais apontadas como ilegais desde outubro de 2020, reforçando a gravidade da ação que resultou nas 28 mortes registradas em 6 de maio.
Registros do massacre incluem corpos estirados em meio às ruas e vielas da favela, paredes e escadas de domicílios manchadas de sangue, e agentes policiais desfazendo as cenas de crime e removendo cadáveres, em frontal desobediência às medidas cautelares proferidas pelo STF na ADPF n° 635
Um dos trechos do documento encaminhado ao STF
"O contexto mostra o impacto da letalidade policial no Rio de Janeiro. Então, é importante que o Supremo tome conhecimento do que ocorreu no Jacarezinho", explica o advogado Daniel Sarmento, um dos defensores que assina o documento.
O advogado entende que não há indícios de excepcionalidade na ação na favela e vê afronta à decisão do STF.
"Há elementos que sugerem até mesmo uma provocação ao Supremo. Quando a decisão vinha sendo cumprida, houve redução no número de mortes. Os índices aumentaram quando as operações policiais voltaram a acontecer", analisa.
A Polícia Civil diz que as versões apresentadas por testemunhas estão sendo investigadas e que o caso está sendo acompanhado pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio).
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