'Ora por mim': Filho pediu ajuda à mãe pouco antes de morrer no Jacarezinho
A mãe de Marlon Santana de Araújo, 23, um dos 28 mortos do Jacarezinho, favela da zona norte do Rio, disse que, momentos antes de morrer na operação mais letal do estado, o filho pediu —via WhatsApp— que ela rezasse por ele.
Quando eu vi o que estava acontecendo, mandei uma mensagem pro Marlon e perguntei se estava tudo bem. Logo depois ele me ligou e só dizia que me amava muito e que estava encurralado. Pedi para ele sair de lá. Aí ele me mandou um áudio chorando e um outro falando: 'Mãe, ore por mim'
Após a última mensagem de Marlon, que trabalhava como motoboy no Jacarezinho, a vendedora Adriana Santana de Araújo, 46, não conseguiu mais contato com o filho. A conversa se deu por volta das 8h30 daquela quinta-feira.
"Eu creio que o Marlon não me falou exatamente aonde ele estava, porque ele sabia que eu, sendo uma mãe leoa com meus filhos, ia entrar na comunidade com tiroteio ou sem. Até no final da vida, ele tentou me proteger", disse, emocionada.
Horas após conversar com o filho, Adriana foi até a favela. A vendedora relatou que foi impedida por policiais de entrar na casa onde supostamente Marlon estaria —ele foi morto pela polícia dentro de um imóvel. Segundo ela, no local haviam mães chorando e os agentes debochavam da situação.
"Comigo ninguém falou nada, mas eu vi outras mães chorando muito e eles debochavam. Uma mãe falou: 'Não mata meu filho'. Aí um bateu no ombro do outro e falou: 'Não mata o filhinho da mamãe não, coitadinho'. Isso na frente da mãe, foi muita crueldade."
Adriana —que tem outros dois filhos— contou que só conseguiu ver o corpo de Marlon no IML (Instituto Médico-Legal). Antes disso, ela foi ao Hospital Souza Aguiar, no centro, onde recebeu a notícia de que o filho estava morto. De acordo com a família, o rapaz levou um tiro no tórax.
A vendedora disse que se recusa a chamar de operação a ação policial que matou seu filho. "Chamar de operação até me ofende como mãe. Eles foram para matar."
'Em vez de viver o luto, eu vou lutar'
À base de remédios, Adriana contou que tem usado a dor como uma forma de criar coragem e ajudar usuários de droga.
"Eu faço o que era pro estado fazer e não faz. Eu levo comida, café da manhã, almoço, janta, ajudo aqueles que querem ser internados. Depois disso tudo o que aconteceu, minha vontade de ajudar só ficou maior. Eu não vou parar. Tô sofrendo, mas Deus está me consolando e vou continuar minha obra."
Eu era mãe e pai dele. Quando meu filho nasceu, eu ia pro sinal vender água, refrigerante, para não deixar faltar nada pro meu filho e arrancaram meu filho de mim de uma forma bruta
Alvo de fake news
Logo após as 28 mortes no Jacarezinho, começou a circular em redes sociais um vídeo de uma mulher segurando um suposto fuzil. O conteúdo foi divulgado sinalizando que a mulher que aparecia nas imagens era Adriana Santana. A informação foi desmentida pela Polícia Civil e a mulher do vídeo relatou que se tratava de uma brincadeira com o neto com uma arma de airsoft.
Recebi ameaças pelas redes sociais: 'eu te odeio', 'vagabunda', 'você podia estar lá na hora'. Como sempre a gente sai como mãe de traficante, mãe de vagabundo. Eu tenho pena, porque essas pessoas não me conhecem, não conhecem meu caráter
"Aonde eu for chamada eu vou falar, quero ser voz dessas mulheres. Eu quero lutar pelo direito do meu filho. Perdi meu filho amado, o grande amor da minha vida. Em vez de eu viver o luto, eu vou lutar."
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