Bala de fuzil atravessou corpo de grávida morta em ação policial no Rio
Um tiro de fuzil atravessou o corpo de Kathlen de Oliveira Romeu, 24, que morreu ao ser atingida ontem (8) por um disparo durante ação da Polícia Militar no Complexo do Lins, zona norte do Rio, segundo informou hoje a Polícia Civil com base na perícia no IML (Instituto Médico-Legal).
Moradores contestam a versão da PM, que diz ter reagido a uma ação criminosa. Testemunhas afirmam que os agentes estavam escondidos em uma casa e abriram fogo contra um ponto de venda de drogas, atingindo a jovem que passava pela rua com a avó. O enterro do corpo de Kathlen, que estava grávida de três meses, aconteceu na tarde de hoje no Cemitério do Catumbi, no centro do Rio.
O caso está sendo investigado pela Divisão de Homicídios da Capital, que ouviu cinco policiais militares que participaram da ação. A Polícia Civil apreendeu 21 armas usadas pelos agentes —12 fuzis e nove pistolas.
Um levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado apontou que 15 grávidas foram baleadas na região metropolitana do Rio nos últimos quatro anos —oito delas morreram. Houve ainda dez bebês baleados quando ainda estavam na barriga da mãe desde 2017. Só um sobreviveu.
O governador Cláudio Castro (PL) só se manifestou no fim da tarde de hoje por meio de sua assessoria, mais de 24 horas após o caso. "O governador Cláudio Castro lamenta profundamente a morte da jovem Kathlen Romeu (...). As investigações sobre as circunstâncias que levaram à morte de Kathlen estão a cargo da Polícia Civil", informou a nota.
Moradores contestam versão da PM
Em nota, a Polícia Militar informou que não havia operação no momento e que os tiros começaram após bandidos atirarem contra agentes da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) do Lins.
Mas moradores contam outra versão. Segundo eles, os agentes estavam escondidos em uma casa para surpreender traficantes no chamado Beco da 14. A jovem foi atingida exatamente no momento em que os policiais saíram do imóvel disparando em direção a um ponto de venda de drogas, ainda de acordo com a versão das testemunhas ouvidas pelo UOL. Ela estava caminhando com a avó para a casa de uma tia.
Sayonara Oliveira, avó da jovem morta, não viu o deslocamento dos policiais militares. Em depoimento à Polícia Civil, ela diz ter ouvido alguns disparos —em seguida, viu a neta caída no chão.
[A avó da jovem morta] ouviu tiros e viu Kathlen caindo ao solo (...). Em seguida, visualizou um buraco no braço e posteriormente outro na região do tronco (...). Começou a gritar pedindo ajuda aos policiais militares (...), que socorreram Kathlen e a declarante para o hospital
Sayonara, avó da jovem morta, em trecho de depoimento à Polícia Civil
Ainda de acordo com a avó da vítima, algumas pessoas correram após os disparos, mas ela não sabe afirmar se eram traficantes armados ou se eram moradores se protegendo de tiros.
Testemunhas ouvidas pelo UOL afirmam que a tentativa de incursão no ponto de venda de drogas foi interrompida pelos gritos de socorro. Em depoimento, Sayonara confirmou que os agentes socorreram a jovem após ela pedir por ajuda.
Jakelline de Oliveira, mãe da jovem morta, responsabilizou a PM pelo trágico desfecho da ação.
"Minha filha foi executada. [Os policiais estavam] dentro de uma casa, viram os bandidos e atiraram. Eles tinham que ter cuidado, na favela não mora só bandido. Ela [Kathlen] morreu nos braços da minha mãe, foi ver a avó, pois estava com saudade", disse a mãe, hoje de manhã, na porta do IML.
A Polícia Militar diz ter apreendido um carregador de fuzil, munições e drogas. A corporação investiga o caso.
Estudo relaciona mortes com descumprimento de ADPF
O UOL teve acesso a um estudo elaborado por pesquisadores do Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos), da UFF (Universidade Federal Fluminense), que relaciona o descumprimento da ADPF 635 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), que restringiu operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia a casos "absolutamente excepcionais", ao aumento de mortes por intervenção de agente do Estado.
"O desrespeito sistemático é uma afronta à decisão do STF pelas mãos das forças policiais. Não se trata só do problema da letalidade policial, mas também da preservação das instituições democráticas no Brasil", analisa o pesquisador Daniel Hirata, um dos responsáveis pelo estudo.
De acordo com o levantamento, houve alta de 139% nesses óbitos entre outubro e dezembro de 2020 na comparação com a média mensal no período anterior (entre junho e setembro do ano passado, quando a ADPF entrou em vigor).
Entre janeiro a abril deste ano, o aumento da média mensal foi de 255% em comparação a junho e setembro de 2020, ainda segundo o estudo.
O ápice ocorreu em março passado, quando foram registradas 138 mortes por intervenção de agente do Estado. Os pesquisadores usaram dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).
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