'Ricos têm prioridade': Vídeo mostra agressão de agentes a entregadores
Um grupo de entregadores de aplicativo foi agredido por agentes do programa Segurança Presente no Largo do Machado, zona sul do Rio. Um jornalista e uma advogada, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, testemunharam a ação e também foram agredidos. As agressões foram gravadas pelo jornalista (veja acima).
O Segurança Presente é uma parceria entre o governo fluminense e empresas privadas. Policiais militares e guardas municipais são deslocados para fiscalizar locais onde o programa atua, como em bairros da zona norte, centro e zona sul e em algumas cidades da Baixada Fluminense.
Vanessa Lima, advogada e integrante da comissão da OAB, testemunhou o início da ocorrência, em 3 de junho. As agressões aconteceram após uma confusão na fila de aluguel de bicicletas patrocinadas por um banco.
Um dos agentes de segurança afirmou que outra usuária, que também aguardava por uma bicicleta alugada, tinha prioridade em relação aos entregadores. "O entregador perguntou por que ela tinha prioridade, e então ele [o agente] disse que a prioridade era dos ricos", conta a advogada.
Em meio à confusão, outro agente, ainda de acordo com Vanessa, chegou ao local e começou a agredir uma entregadora, segurando seus braços e exigindo que ela devolvesse a bicicleta.
Um entregador se indignou com a situação e perguntou se o agente iria agredir uma mulher. A partir esse momento, começou uma sessão de agressões, de acordo com o relato de Vanessa.
Um entregador foi algemado e levado para a tenda, que funciona como base dos agentes do Segurança Presente. Pedestres e entregadores se indignaram com a truculência dos agentes de segurança.
Imagens mostram agressões
O relato de Vanessa acontece exatamente como gravou o jornalista e documentarista Guilherme Fernandez em um vídeo único de nove minutos, que foi editado.
Nas imagens, vê-se agentes levando um dos entregadores para a tenda. Em outro momento, um rapaz é agredido com um "mata-leão" —golpe que imobiliza a vítima pelo pescoço. Guilherme muda de posição e flagra ao menos dois agentes dando socos em outro entregador.
Os vídeos não dão conta de como o excesso da força e o risco de vida estavam presentes ali. Os trabalhadores estavam sem o direito de usar o serviço que eles pagam. Não é público, todos nós pagamos para usar."
Vanessa Lima, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ
Depois de intervir na ação, apresentar-se como advogada dos entregadores e pedir para acompanhá-los na tenda, Vanessa teve sua carteira funcional jogada no chão e pisoteada por um agente. "Foi muito forte, a carteira da OAB com marcas de coturno", conta.
Mas a agressão física sofrida por Vanessa, de acordo com seu relato, aconteceu fora do epicentro da confusão. Depois de muita insistência, ela soube onde iriam registrar a ocorrência e se afastou para pedir um carro e ir por conta própria acompanhar os entregadores.
Longe dos olhos de todo mundo, um policial lá de dentro grita que eu o agredi, que eu dei um soco. Então dois homens seguram meu braço, por trás, mas eu não sei quem são. E eu começo a gritar que eu não poderia ser presa trabalhando, porque eu estava no exercício da profissão. Eles me dão um soco no pescoço por trás. Ninguém viu, a não ser os dois [entregadores] conduzidos e a entregadora. Depois, eles me arrastam para a van e me jogam no banco, de forma que eu caio de cara. Eles empurram meu rosto contra o banco."
Vanessa Lima, integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ
Guilherme gravou o momento em que Vanessa grita por ajuda. Mas, logo depois, ele também foi alvo de agressões.
Em um vídeo de 12 segundos, ele registra seu próprio pedido de socorro. "Me ajuda, me ajuda", grita, enquanto policiais se aproximam. Poucos segundos depois, o jornalista cai no chão e já não fala nada, enquanto o celular filma o asfalto. Em seguida, ouve-se um agente dizer a outro: "Para, você vai machucar ele".
Guilherme define os segundos que passou desacordado como tortura. Ele acordou pouco depois, com muitas dores nos braços, pernas e o rosto completamente ensanguentado.
Eu sou um homem branco, morador da zona sul e com ensino superior completo. Sei que não são pessoas como eu que sofrem com abordagens do tipo. O que eu percebo é que, ao policial militar tomar a atitudes que tomou, à luz do dia, acende um sinal de alerta."
Guilherme Fernandez, jornalista
A 9ª DP (Catete) investiga o caso. Em depoimento, o policial denunciado por Vanessa afirmou que foi agredido por ela com socos. A Polícia Civil ainda não identificou os agentes que aparecem no vídeo que Guilherme gravou no momento em que é agredido.
Em depoimento, o mesmo policial afirma que reagiu a agressões e ao comportamento "completamente alterado" dos entregadores dentro da tenda. As imagens feitas por Guilherme, entretanto, não mostram agressões físicas por parte dos entregadores.
Os dois entregadores levados para a delegacia foram autuados por lesão corporal, dano a patrimônio público e resistência. Eles responderão em liberdade.
Ontem, a OAB emitiu ofício exigindo imagens de câmera de segurança do momento das agressões para auxiliar no inquérito.
Os entregadores também foram ouvidos pela Polícia Civil e continuam o trabalho no Largo do Machado. Eles são acompanhados pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ.
O que diz o Segurança Presente
Após a publicação desta reportagem, o Segurança Presente retornou os questionamentos enviados pelo UOL. Em nota, afirmou que "o coordenador da Operação Laranjeiras Presente acompanhou a ocorrência neste dia e não observou excesso por parte dos agentes". Um agente se machucou durante a queda e foi levado para o Hospital Municipal Miguel Couto.
A assessoria do programa também afirma que Vanessa e Guilherme "foram levados para a delegacia na condição de testemunhas do fato já que estavam filmando e as imagens podem ser parte do inquérito policial".
Mas, de acordo com os relatos, Vanessa não estava filmando a ação, mas sim atuando como advogada dos entregadores.
O Segurança Presente também diz na nota que que um casal teria sido impedido por entregadores de delivery de pegar uma bicicleta.
Eles teriam pedido ajuda aos agentes, que foram ao local e viram que os entregadores, ainda de acordo com a versão da Segurança Presente, estavam ao lado do ponto de locação, esperando ser solicitados para entrega. Enquanto isso, não permitiam que ninguém pegasse bicicletas, relataram os agentes.
Ainda segundo a versão dos agentes, eles teriam solicitado que os entregadores se afastassem e foram desacatados e agredidos.
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