Delegado prendeu colega para evitar investigação sobre propina, diz MP
Em março deste ano, um esquema de falsificação de roupas comandado por um delegado de polícia veio à tona. Marcelo Machado Portugal Saisse e seu sócio foram presos por fabricar roupas falsas na estamparia que mantinham na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro
Na época, o delegado responsável pela investigação, Maurício Demétrio Afonso Alves, detalhou o esquema: Machado ameaçava lojistas, cobrava propina e fazia vista grossa para as fiscalizações nos estabelecimentos que vendiam produtos falsos — desde que ele fosse o fornecedor.
Mas, na manhã de hoje, o preso foi o delegado Maurício Demétrio, apontado como chefe de uma organização criminosa instalada dentro da DRCPIM (Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial). A investigação é do Gaeco/MPRJ (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio de Janeiro).
A atuação criminosa de Demétrio é exatamente como a que ele atribuía a Machado. De acordo com as investigações, o delegado preso hoje era responsável por cobrar propina de R$ 250 por semana de 40 lojistas da Rua Teresa, em Petrópolis, para não fiscalizar a venda de roupas falsas.
O Ministério Público estima que, somente nesse polo, a organização tenha movimentado cerca de R$ 1 milhão entre março de 2018 e março de 2021. Entre operadores do esquema e policiais civis, a operação Carta de Corso conseguiu cumprir outros cinco mandados de prisão, além do delegado. Há duas pessoas foragidas.
"Ninguém me provoca impunemente"
O Gaeco/MPRJ afirma que aquela operação de março foi uma vingança de Demétrio contra Machado. Na época, Machado atuava na Corregedoria da Polícia Civil e já havia recebido informações sobre as práticas ilegais do delegado da DRCPIM.
Coincidência ou não, o status de Demétrio em sua conta de WhatsApp, atualizado na última segunda, traz uma frase em latim: "Nemo impune me lacessit", antigo lema do Reino da Escócia. Em tradução livre: "Ninguém me provoca impunemente".
O MPRJ afirma que, para impedir o avanço das investigações de Machado, Demétrio fingiu ser uma mulher no WhatsApp, chamada Ana. "Ela" afirmou ser a detentora dos direitos de uma marca e encomendou 1.000 camisas de um personagem infantil ao sócio de Machado, Alfredo Baylon Dias.
O pagamento foi feito de forma fracionada, em parcelas de aproximadamente R$ 2 mil, até completar R$ 15 mil. Depois do acerto, outro denunciado pelo MPRJ entrou na jogada. O advogado Ricardo Alves Junqueira Penteado, representante legal da marca detentora dos direitos do personagem, entrou com representação na DRCPIM contra a estamparia de Machado e Baylon.
Com a representação em mãos, Demétrio levou a falsa investigação ao Ministério Público, que remeteu à Justiça. Assim, foram expedidos mandados de busca e apreensão das 1.000 camisas.
Por não terem os direitos autorais, já que a representação apresentada via WhatsApp era falsa, Machado e Baylon foram presos em flagrante no dia 12 de março deste ano, durante a operação Raposa no Galinheiro, comandada por Demétrio e pela DRCPIM.
O Ministério Público foi iludido pelo delegado a partir das provas que ele supostamente teria produzido. Naquela ocasião, a impressão que se tinha era de uma operação policial séria."
Bruno Gangoni, coordenador do Gaeco/MPRJ
Na época, Demétrio afirmou que a denúncia sobre a falsificação que culminou na prisão de Machado foi feita pela empresa detentora dos direitos autorais — os mesmos que o próprio Demétrio fingiu ter para "armar" contra o colega.
Organização se dividia em duas frentes, diz MPRJ
A Rua Teresa é um polo comercial famoso na região serrana do Rio de Janeiro, com lojas de todos os segmentos, principalmente de vestuário. É similar ao polo do Brás, na capital paulista, ou ao Saara, na capital fluminense.
Ainda de acordo com o MPRJ, a organização comandada por Demétrio se dividia em dois grupos: o primeiro, em Petrópolis, ameaçava os lojistas e cobrava o dinheiro.
O outro, dentro da Polícia Civil, organizava operações policiais "de vingança" contra as lojas que não se rendiam à extorsão dos valores. Há registro de produção de provas e laudos falsos nesse contexto, diz a investigação.
Os denunciados por formar o primeiro grupo são Alex Sandro Gonçalves Simonete, Ana Cristine de Amaral Fonseca e Rodrigo Ramalho Diniz. Os policiais civis que formam o segundo grupo são Celso de Freitas Guimarães Júnior, Vinicius Cabral de Oliveira e Luiz Augusto Nascimento Aloise, todos da DRCPIM, além do perito criminal José Alexandre Duarte.
Na denúncia feito pelo MPRJ, há relato de uma comerciante que foi alvo de ação da DRCPIM um dia após se negar a pagar a propina. Essa comerciante afirma que sua mercadoria apreendida na operação foi liberada da delegacia após se comprometer a continuar pagando a propina. O policial responsável por essa "transação" foi Celso de Freitas Guimarães Júnior.
A investigação do MPRJ avançou à medida que lojistas procuraram a instituição para denunciar os feitos dos policiais. Os próximos passos da investigação seguem sob sigilo, mas há possibilidade de Demétrio ter utilizado a estrutura da Polícia Civil para extorquir dinheiro de lojistas em outros pontos do estado do Rio de Janeiro.
Vida de luxo bancada por esquema ilícito
O Gaeco/MPRJ apreendeu R$ 240 mil em espécie na casa de Demétrio. De acordo com os promotores, o delegado pagava todos os seus custos em dinheiro vivo. O MPRJ cita como exemplo uma conta de R$ 35 mil por gastos com bebida e alimentação em um resort em Mangaratiba e o aluguel de uma mansão na mesma cidade por R$ 80 mil para dois meses de hospedagem.
Também foram apreendidos boletos pagos no valor de R$ 9 mil, relógios e três carros de luxo: uma Land Rover, uma Hillux e uma Mercedes Benz.
"O padrão de vida dele é incompatível com os ganhos lícitos e conhecidos da remuneração dos delegados", afirmou Diogo Erthal, promotor de Justiça do Gaeco/MPRJ.
Os promotores afirmam que o delegado lavava dinheiro de forma clássica: comprava itens de luxo e registrava em nome de terceiros, como os carros. Na casa dele, também foram apreendidos 13 telefones celulares.
Ao ser preso na tarde de hoje, Maurício Demétrio afirmou à imprensa que os valores apreendidos são fruto de herança e que seus carros estão corretamente declarados à Receita Federal. Entretanto, a subcoordenadora do Gaeco/MPRJ, Roberta Laplace, afirma que Demétrio não apresentou declaração ou documento que comprove a afirmação.
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