Publicitária é multada por buzinar em protesto contra Bolsonaro em SP
Uma mulher foi multada após participar de uma carreata em protesto contra o governo Jair Bolsonaro (sem partido), no dia 29 de maio, em Peruíbe, litoral de São Paulo. Segundo o documento, ela teria infringido o Código de Trânsito por ter buzinado durante a manifestação.
A publicitária Fernanda Calvi Anic, de 35 anos, contou ao UOL que participou da carreata, autorizada previamente pela prefeitura, por não concordar com a forma que o governo Bolsonaro e seus apoiadores estão lidando com a pandemia e com as questões sociopolíticas do país.
O protesto foi realizado de manhã, teve a participação de dezenas de pessoas, que conduziram seus veículos pelas principais vias da cidade com cartazes e faixas, além do tradicional buzinaço comum nessas manifestações.
"Saímos cedo, nos preparamos para isso, a prefeitura autorizou. Fomos acompanhados (na passeata) por policiais e agentes municipais. Quando chegamos perto da rodoviária, vi que havia algumas viaturas da PM posicionadas. Cheguei a pensar na hora se iriam nos multar, porque estavam com os talonários nas mãos. Mas deixei para lá, porque achei que era algo impossível de acontecer", explica.
Fernanda só se deu conta de que sua intuição estava certa na última terça-feira (13), quando recebeu a notificação em sua casa. Tratava-se de um aviso de infração de trânsito por 'uso da buzina em carreata', segundo o documento.
"Eu fiquei indignada. Não havia hospital por perto, nem escolas. Todo mundo estava buzinando na carreata, era algo previsto", desabafa a publicitária. "Senti que foi uma atitude de repressão, de punição por eu estar protestando contra um governo que já demonstrou ser corrupto e inapto".
Após receber a notificação, Fernanda ligou para amigos que também participaram da carreata, mas eles ainda não receberam qualquer aviso.
"Isso é uma grande injustiça. Vou recorrer, é claro. Mas não estou segura se irei ganhar essa. Mas de uma coisa estou certa. Esse governo não vai nos intimidar. Não podemos nos calar e ficar passivos diante dessas arbitrariedades", diz.
Procurado, o Detran informou, por meio de nota, que o órgão de trânsito da Prefeitura de Peruíbe é responsável por fiscalizar esse tipo de infração.
O secretário municipal de Defesa Social de Peruíbe, José Romeu Dutra, informou que é difícil identificar o caso para confirmar se a ação realmente partiu do município, porque é difícil confirmar se a multa foi emitida por um agente de trânsito municipal ou por um policial militar.
A multa é correta?
Ex-comandante geral da PM na área de trânsito, o tenente-coronel da reserva Sérgio Marques explicou que o Código de Trânsito Brasileiro estabelece, no artigo 227, a regulação do uso da buzina em diversas situações.
As penalidades são aplicadas quando o condutor a utiliza em situação que não a de simples toque breve como advertência ao pedestre ou a condutores de outros veículos; prolongada e sucessivamente a qualquer pretexto; entre 22h e 6h; em locais e horários proibidos pela sinalização; e, por último, em desacordo com os padrões e frequências estabelecidas pelo Contran.
"A lei é clara. Independentemente do local em que o condutor esteja, ele não pode utilizar a buzina em desacordo com o que diz a legislação. Esteja ele numa manifestação ou no dia a dia, em situações corriqueiras", afirma Marques.
Na opinião do advogado Cristiano Baratto, a aplicação da multa por agente de trânsito, nos casos referidos no código, é pertinente e não configura, por exemplo, erro ou abuso de autoridade.
"A pessoa pode se sentir inconformada com a aplicação dessa penalidade porque verifica que outras pessoas em situação semelhante não estão sendo penalizadas. Isso gera uma situação de impunidade e injustiça, mas isso não configura abuso, de acordo com uma avaliação técnica", explica.
Já para a advogada Fernanda Kruscinsk, apesar de não configurar abuso, o uso da buzina em carreatas não deveria resultar em punição do condutor, levando em consideração o fato de que elas são autorizadas, planejadas e acompanhadas pelas autoridades de trânsito.
"Ao meu ver, nesses casos, está assegurado o direito constitucional à livre manifestação. O agente de trânsito, no momento da aplicação da penalidade deve observar isso, principalmente porque em meio a multidão ele não possui aptidão para confirmar que um determinado veículo em si buzinou de forma descontrolada. Infelizmente, esses casos têm se tornado comuns em manifestações contra o governo, já que não temos informações de multas aplicadas em manifestações pró-governo", afirma.
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