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ONG quer punição de promotor que denunciou mãe após filha ir ao candomblé

Juliana Arcanjo, 33, é candomblecista há 5 anos - Arquivo pessoal
Juliana Arcanjo, 33, é candomblecista há 5 anos Imagem: Arquivo pessoal

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

21/07/2021 14h15

A ONG Educafro encaminhou ao MP-SP (Ministério Público de São Paulo) e ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) duas representações contra o promotor Gustavo Simioni Bernardo, de Campinas (SP).

A organização pede que Simioni responda criminal e administrativamente por racismo ao associar o candomblé ao crime de lesão corporal. Sob esse argumento, o promotor denunciou uma mãe por permitir que a filha de 11 anos passasse por um ritual da religião —as "curas", que consistem em pequenas marcas na pele.

No documento já registrado no MP-SP, a ONG pede que Simioni responda criminalmente pelo crime de racismo. Para a Educafro, a denúncia do promotor feriu o artigo 20 da lei federal (7716/89) que estabelece penas para racismo no Brasil —o artigo criminaliza "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

Em nota enviada ao UOL, o MP-SP informou que a representação está sob análise. A instituição também afirma que "o racismo religioso tem sido pauta de discussões e estudos internos", com foco na atuação de todos os integrantes do MP.

Já no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), a representação da Educafro, também já registrada, pede que o promotor seja punido administrativamente —com suspensão ou advertência. Além disso, a ONG pede que o órgão redija uma resolução para reforçar a liberdade religiosa e evitar reincidência de casos do tipo.

A ONG argumenta que a denúncia do promotor "caracteriza mais um triste e inequívoco exemplo do racismo religioso estruturalmente presente nas instituições brasileiras".

Juiz absolve e cita intolerância religiosa

Simioni denunciou Juliana Arcanjo Ferreira, 33, no dia 20 de maio. Em outubro de 2020, a filha da vendedora, de 11 anos, passou pelo processo das "curas". Pouco mais de três meses após o ritual, o pai da menina, Bruno Henrique Penedo, 34, registrou um boletim de ocorrência por agressão à criança, ainda que ambas tenham explicado se tratar de uma prática religiosa.

Ao fim das investigações, Simioni denunciou Juliana por lesão corporal leve contra criança, associada à Lei Maria da Penha.

No último dia 15, o juiz Bruno Paiva Garcia, da comarca de Campinas do Tribunal de Justiça de São Paulo, absolveu Juliana e afirmou que não havia qualquer prova de agressão —mas, sim, intolerância religiosa contra o candomblé.

Ainda que Juliana tenha sido absolvida, a Educafro pede que Simioni seja punido. De acordo com Irapuã Santana, advogado da organização e doutor em Direito Penal, o racismo independe da sentença do juiz.

"Independentemente da sentença do juiz, a denúncia foi baseada em racismo e gerou problemas. Ela foi acusada de ter cometido um crime contra sua própria filha por exercer sua religião. É racismo da forma mais pura."

As representações contra Simioni também apontam que a denúncia redigida fere o Estatuto da Igualdade Racial e o artigo 5º da Constituição Federal, que prevê: "ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa".

Colocar um processo penal sobre uma pessoa por exercer sua religião é contrário a tudo que prega o Brasil, o estado laico, a Constituição. Também vai contra tudo que o movimento negro tem lutado, porque uma das bases de uma sociedade plural é justamente essa liberdade individual."

Irapuã Santana, advogado da Educafro e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual

Mãe fica seis meses sem ver a filha

Em entrevista recente ao UOL, Juliana conta que viu a filha pela última vez em 21 de janeiro, pouco antes de ela ir passar alguns dias na casa do pai. Três dias depois, data marcada para o retorno, o ex-marido enviou uma mensagem com a medida protetiva emitida pelo conselho tutelar baseada no boletim de ocorrência registrado por ele.

"Criei a minha filha sozinha desde que ela tinha seis meses de idade. Não consigo falar com ela nem pelo telefone. Não sei como ela está, mas creio que não esteja bem. Ela é muito apegada a mim", disse.

Juliana também contou que a filha frequentava o candomblé havia dois anos e nunca se opôs.

Ela gostava. Tinha amizade com as outras crianças de lá, elas corriam pela casa e se divertiam. Estou sem ver a minha filha por pura intolerância religiosa vinda do pai dela."