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RJ: enteado e padrasto a caminho de UPA morrem baleados em ação policial

Estudante Samuel Vicente, 17, morto enquanto andava de moto com o padrasto e a namorada rumo a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento). - Divulgação
Estudante Samuel Vicente, 17, morto enquanto andava de moto com o padrasto e a namorada rumo a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Imagem: Divulgação

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

27/09/2021 14h55Atualizada em 29/09/2021 17h54

Duas pessoas morreram e outras duas ficaram feridas no último sábado (25) durante uma ação da PM na região do Complexo do Chapadão, na zona norte do Rio de Janeiro. Nesta segunda-feira (27), a Corregedoria instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar a ocorrência.

Segundo a família, o atendente de farmácia William Vasconcelos da Silva, 38, e seu enteado, o estudante Samuel Vicente, 17, foram mortos após serem atingidos por diversos tiros, enquanto levavam de moto Camily da Silva Polinário, 18, namorada de Samuel, à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Ricardo de Albuquerque, na zona norte do Rio.

O trio tinha acabado de deixar uma festa em Vilar do Teles, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, porque Camily estava passando mal por ter comido algo que não lhe fez bem.

Os disparos atingiram os três. O padrasto, um homem branco, e o enteado, um jovem negro, morreram no local e foram levados para o Hospital Estadual Carlos Chagas, em Marechal Hermes.

Camily também foi levada para lá, mas precisou ser transferida para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, na Penha. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde, ela já recebeu alta. Uma quarta pessoa, que não teve o nome divulgado e não estava com os três, também foi ferida de raspão na perna na ação.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 (levantamento mais recente feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados do ano de 2019), 74,4% das vítimas de homicídio no Brasil eram pessoas negras. Entre as pessoas mortas por policiais, 79,1% são pessoas negras. Na esfera do poder público, não existe uma divulgação transparente de dados oficiais nacionais sobre homicídios ou sobre mortes provocadas por policiais em todo o Brasil. O governo brasileiro também não disponibiliza dados nacionais sobre as investigações e punições de homicídios.

De acordo com a PM, policiais foram atacados a tiros na região durante um patrulhamento para coibir roubo de carga e de veículos. Com a situação mais tranquila, encontraram os três feridos e passou a apontá-los como suspeitos. A corporação afirma ter apreendido armas e entorpecentes com eles.

Sônia Bonfim, mãe de Samuel e esposa de William, nega a versão da polícia. "Meu filho era estudante e meu marido trabalhava em uma farmácia perto de casa".

William - Divulgação - Divulgação
William Vasconcelos da Silva, 38, morto enquanto andava de moto com o enteado e a namorada dele rumo a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento).
Imagem: Divulgação

Sônia contou ao UOL que não é a primeira vez que membros da família são atingidos por tiros durante uma ação policial. Em 2018, a filha dela, hoje com 8 anos, foi baleada na mesma região.

"Tive esse susto com a Rebeca que foi baleada em uma perseguição policial. Ela tinha cinco anos e estava em um ponto de ônibus a caminho da escola. Agora, mataram meu filho e meu marido e ainda estão taxando eles de criminosos. Jogaram eles no camburão e não teve nem perícia. Se eles trocaram tiros com a polícia, cadê o exame de pólvora nas mãos deles?", questionou Sônia em entrevista ao UOL.

Sônia, o marido e os quatro filhos moravam há cinco anos no Complexo do Chapadão, em uma casa própria. Eles saíram de Ricardo de Albuquerque para se livrar do aluguel. No entanto, a família temia pela violência na região.

Viemos para cá por necessidade, mas não queríamos ficar aqui. É muito perigoso, é muita violência, os policiais não respeitam ninguém
Sônia Bonfim

Filho estudava em colégio cívico-militar

Samuel Vicente estudava no Colégio Estadual Subtenente PM Marco Antônio Gripp, em São Gonçalo, cidade da região metropolitana do Rio. A unidade de ensino cívico-militar foi inaugurada pelo governo do estado no ano passado e conta com parceria da PM.

Segundo a mãe do jovem, o rapaz sonhava em usar farda e ser policial militar.

"Ele tinha o sonho de usar a farda da PM, mas dizia que seria diferente, queria fazer tudo correto. Ele se alistou [no Exército] e ia se apresentar agora dia oito de outubro", disse Sônia.

Após o caso, ela passou a receber auxílio da Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) e da Defensoria Pública do Rio. Segundo o advogado Rodrigo Mondego, que acompanha o caso, não pesavam sobre os três suspeitos de terem cometido crimes.

"O primeiro ponto é que a moto usada por eles é legalizada. Bandido não usa moto legalizada para cometer crimes. Falaram que fizeram apreensões, mas ainda não tivemos acesso ao inquérito nem ao material. A prioridade agora é falar com a Camily para entender a dinâmica dos fatos".

O que diz a polícia

Procurada, a Polícia Civil disse que os policiais envolvidos na ação já prestaram depoimento e que as armas usadas foram apreendidas para perícia.

"Testemunhas estão sendo ouvidas e outras estão sendo chamadas para prestar depoimento. Outras diligências serão realizadas para esclarecer os fatos e a origem dos disparos que atingiram as vítimas", disse a SEPOL (Secretaria de Estado de Polícia Civil) através de nota.

A ocorrência foi registrada na 27ª DP (Vicente de Carvalho), central de flagrante da área, e posteriormente foi encaminhada para a 31ª DP (Ricardo de Albuquerque). As investigações contam com o apoio da Delegacia de Homicídios da capital.

No final de semana, a PM informou que policiais militares do 41º BPM (Irajá) foram atacados a tiros quando faziam patrulhamento na região e que apreendeu com os acusados duas pistolas, carregadores, munições, um conversor para submetralhadora, dois rádios transmissores e material entorpecente.

Questionada na manhã de hoje, a corporação não comentou o fato de uma das vítimas integrar o quadro de alunos da escola cívico militar, em São Gonçalo.