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Maceió: Dia de Finados é o único de "vida" em cemitério de bairro fantasma

Familiares levam velas para homenagear mortos em cemitério no bairro do Bebedouro, em Maceió - Carlos Madeiro/UOL
Familiares levam velas para homenagear mortos em cemitério no bairro do Bebedouro, em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

02/11/2021 14h40

Quem chegou ao cemitério Santo Antônio, em Maceió, encontrou na porta o professor Balbino dos Santos Filho, 58. Sentado em uma cadeira embaixo de uma árvore —para se proteger do sol escaldante—, ele colhe assinaturas em defesa do local. "Já consegui hoje mais de 300, mas tenho outras já recolhidas. Estou na causa desse cemitério há seis meses", diz.

O Dia de Finados nesse cemitério do bairro histórico de Maceió é diferente de todos os demais. Com mais de 7.000 sepultamentos em sua história, ele acabou sendo o único local que "sobreviveu" a um bairro hoje fantasma, em que todos (ou quase) já deixaram suas casas e comércios, expulsos devido ao afundamento gerados pela mineração da Braskem.

Cemitério Santo Antônio fica arrodeado de casas abandonadas e destruídas - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Cemitério Santo Antônio fica arrodeado de casas abandonadas e destruídas
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Balbino é um dos ex-moradores do bairro que tem jazigo familiar no local e se preocupa com o futuro do cemitério. Entre os pedidos formulados por ele estão: a construção de um novo cemitério; tornar o atual local em um memorial; e a remoção dos restos mortais das famílias que quiserem o trasladado.

"Ainda tem um prejuízo material grande, porque quem tem jazigo não pode mais enterrar. Desde que o cemitério 'fechou', dois tios morreram, e a família precisou comprar jazigo no cemitério São José. Tivemos de pagar, e não deveria", afirma.

Mais do que a casa, nós perdemos nossas referências culturais, nossa identidade de amigos. Não sabemos onde muitos foram morar. Esse bairro é um dos mais tradicionais, foi o primeiros bairros históricos da cidade, e foi largado com todo seu patrimônio histórico

Balbino coletou assinaturas para criar memorial onde está cemitério no bairro do Bebedouro - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Balbino coletou assinaturas para criar memorial onde está cemitério no bairro do Bebedouro
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

A prefeitura informou ao UOL que, devido aos afundamentos, não estão ocorrendo novos sepultamentos no local, que foi aberto apenas para visitação.

Um dos últimos sepultamentos no local foi da esposa do aposentado Antônio Pedro da Silva, 64, ocorrido em 22 de setembro de 2020. Sozinho, ele acendeu velas e se disse revoltado com a situação do local.

"Sou totalmente contra tirar os corpos daqui. Já tiraram os vivos, por que vão tirar os mortos? Esse país não para confiar em ninguém, não há um órgão que tenha defendido essa causa [dos bairros que afundaram] de verdade

Ainda segundo a prefeitura, há tratativas em andamento "para que a Braskem construa um novo cemitério e repare o dano causado."

A movimentação no local foi intensa. Até uma tenda foi montada por uma empresa de venda de planos funerários para atrais os que não podem mais usar os jazigos. "A procura está até boa", diz uma das vendedoras.

Mas o semblante de quem visita os parentes enterrados no local é de dor dupla. "Não foram só meus pais, que estão enterrados aqui: esse bairro também morreu", conta a ex-moradora Elisângela Ferreira, 48, que visitou o local com a irmã nesta terça. "Não gosto nada da ideia de tirar o cemitério daqui, qual seria o risco?"

Elisângela tem pai e mãe enterrados no ceitério - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Elisângela tem pai e mãe enterrados no cemitério
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Cenário deserto

No entorno do cemitério, o cenário é de guerra, com casas destruídas e muita sujeira e abandono. As ruas, repletas de buracos, abrigam casas que foram parcialmente demolidas, dando semblante de que houve um conflito no local.

Para chegar ao cemitério, basicamente só se for de carro ou moto. "Me sinto humilhado, ultrajado, revoltado, abandonado pelos órgãos públicos. Todos aqueles que deveriam nos defender, nos deixaram", conta um morador que deixava o cemitério, sem se identificar.

O aposentado Sebastião Pereira da Silva, 73, é um dos moradores que vive no bairro ao lado, o Bom Parto, que ainda está em processo de desocupação de sua casa. Para ele, esse deve ser o último Dia de Finados vivido próximo ao cemitério.

"A gente mora lá desde 1988, é muito ruim ter de sair de um local onde a gente vive, conhece todo mundo", diz ele à reportagem, após visitar o túmulo da cunhada. "Isso aqui está parecendo uma favela, ficou horrível", comenta a esposa dele, Cecília Germano de Aquino, 78.

Parente ora em túmulo no cemitério Santo Antônio no dia de Finados - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Parente ora em túmulo no cemitério Santo Antônio no dia de Finados
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Histórias perdidas

O histórico bairro do Bebedouro é um dos quatro que estão tendo todos seus imóveis desocupados por conta do afundamento do subsolo da região que foi alvo, por pelo menos quatro décadas, de mineração de sal-gema da Braskem.

Além dele, os bairros do Pinheiro, Bom Parto e Mutange foram completamente atingidos. Há ainda um pequeno trecho do bairro do Farol que também foi desocupado.

A Braskem informa que já foram desocupados 13.982 imóveis, de um total de 14.425 identificados em áreas de risco. Eles já receberam indenização no programa de compensação criado pela empresa, após acordo com os ministérios público Federal (MPF) e Estadual (MPE) e Defensoria Pública.

Casa que abrigava local de orações abandonado no bairro do Bebedouro, em Maceió  - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
Casa que abrigava local de orações abandonado no bairro do Bebedouro, em Maceió
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Ao todo, segundo a prefeitura, 64 mil pessoas moram ou moravam nas áreas de risco, e 4.500 comércios foram diretamente afetados. Ainda há tratativas do município para definir o valor da indenização que Maceió deve receber pelos danos causados pela mineração.